terça-feira, 4 de novembro de 2025

QUANDO O LEVIATÃ DORME, O LOBO ATACA.

Produzido por Gemini I.A.

A cada novo tiroteio, barricada ou bairro dominado, o Rio de Janeiro parece confirmar uma antiga profecia filosófica. Thomas Hobbes, pensador inglês do século XVII, afirmava em sua obra LEVIATÃ (capítulo XIII) que, quando o poder soberano se enfraquece, a sociedade retorna ao estado de natureza — uma condição em que os indivíduos, movidos pelo medo de perderem suas vidas e pelo desejo de poder, agem apenas segundo seus próprios interesses. Nessa ausência de leis e de autoridade legítima, instala-se inevitavelmente a guerra de todos contra todos. Assim, de modo quase literal, o Rio de Janeiro de hoje se assemelha ao retrato contemporâneo dessa selva hobbesiana, onde o caos substitui o contrato social e o medo volta a governar.

Hobbes viveu em meio à Guerra Civil Inglesa e viu o que acontece quando ninguém teme mais o Estado - o poder que o povo delegou a um soberano. Para o filósofo inglês, de fato, esse Estado nasce quando as pessoas renunciam a parte de sua liberdade em troca de segurança, concedendo poder absoluto a seu representante - no nosso caso, por voto popular. Mas quando o medo de facções criminosas supera o medo da lei, o pacto social pode ser declarado impotente.

Eis o que vemos: o Estado perdeu o monopólio da força e, nesse vácuo, novos senhores da guerra ocuparam-se. A título de exemplo, facções e milícias não pedem votos — impõem obediência. Não prometem justiça — vendem “proteção”. Criam-se assim microestados dentro do Estado, cada um com suas LEIS, TRIBUTOS E, COMO SANÇÃO, EXECUÇÃO. Hobbes chamaria isso de “a dissolução do contrato social”.

Para ele, a política nasce do medo da morte e não de virtude; do receio de alguém lhe atacar a qualquer momento e não a de se querer o bem ao próximo. Sendo assim, onde a lei oficial do Estado se enfraquece e já não é capaz de impor respeito por meio de suas sanções e de sua autoridade, em seu lugar emerge a lei do fuzil — a única que ainda inspira temor e obediência. O cidadão comum, entre a polícia ausente e o poder das facções presentes, volta a ser súdito do medo. Porém, de um medo aliado a um sujeito sem direitos acordados no contrato social, muito menos de DIREITOS CIVIS.

A ironia é cruel: o mesmo medo que criou o Estado agora o destrói e erege outro mais temível ainda sem legitimidade alguma. Quando o governo oficial eleito aparece só com operações espetaculares — sem escola, hospital e justiça — o povo é submetido a outros protetores que não foram eleitos e que impõem sua força, queiram ou não. 

O remédio hobbesiano é duro, mas claro: só um Estado forte (no nosso caso, de direito e democrático), pode restaurar a paz. Não o monstro que devora liberdades, mas o Estado que cumpre com o contrato, impondo e exercendo leis (por meio da vontade dos cidadãos), que ocupa seus territórios com instituições e áreas de lazer. Pois, onde o Estado se ausenta, o lobo volta a atacar; seu instinto é o poder e a glória, seus caninos são pontudos como os fuzis.

Talvez seja essa a lição amarga de Hobbes ao Rio: enquanto o poder público hesitar, as facções e milícias continuarão legislando à ferro e pólvora, jogando os corpos dos seus súditos desviados e rivais pelas ruas e praças como demonstração de poder.

E nós, pobres eleitores, acuados entre o medo extremo e a indiferença, continuaremos sonhando com um Leviatã que PROTEJA, e não aquele deglutidor de direitos; seguimos impingidos, de quando em quando, com gesto de memória muscular, exercendo nosso papel de cidadão elegendo aquele que nos promete (e que facilmente não cumpre) - refazendo o velho cíclo de Estado ausente e facções presentes.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Apolítica


Um ato de violência política não revela apenas um crime de uma ação isolada. Ele expõe a fragilidade de nossas crenças políticas.

Depois dos tristes fatos ocorridos na política global, entre guerras, assassinatos e violências diversas, viu-se uma debandada - agora da esquerda - não por julgarem a oposição superior, mas porque descobriram que ambas as tribos partilham da mesma capacidade de desumanizar. O choque não foi contra o outro, mas contra a própria ilusão de pertencer a uma comunidade moralmente pura.

Durante muito tempo, a crença sustentava que “o nosso lado” era o da empatia, da justiça, da liberdade - enfim, do amor. Essa crença conferia identidade e sentido. Mas, ao assistir a desumanização de indivíduos não como antagonistas de ideias, mas como ser humano, a ilusão caiu. Descobriu-se que a tribo da moralidade superior também se deixa guiar pela mesma cegueira que acusa no adversário.

Esse despertar é assustador. Ele obriga a perceber que construímos parte de nós em torno de uma mentira coletiva. Pois, não é possível carregar uma narrativa por muito tempo. Alguma contradição sempre aparece. Com isso, ou mente-se para sempre - criando malabarismos para justificar-se - ou leva um susto e muda. Mas o susto carrega uma promessa: a de libertar-se da lógica tribal. Pois se nenhuma comunidade possui o monopólio da moralidade, a liberdade começa quando nos tornamos capazes de pensar sem as correntes ideológico-partidárias.

É preciso lembrar que renunciar às identidades tribais não é renunciar à política, muito menos à própria identidade. Ao contrário, é o caminho para reencontrar o espaço público como lugar plural, onde o outro não é inimigo, mas oposição - quer discorde dele, quer não. Assim sendo, nota-se que a verdadeira liberdade nasce dessa renúncia: quando o pensamento deixa de ser ditado pelo medo de trair a tribo e se abre para a condição humana comum.

Logo, se há um legado possível diante da violência, talvez seja este: a consciência de que nenhuma tribo nos salvará. Apenas nós, em nossa capacidade de agir sem ilusões de superioridade, podemos reconquistar a liberdade da mente e o sentido da política.

domingo, 17 de agosto de 2025

ATUALIZAÇÃO BETA v.5.7.0: AGORA MEUS ELETRODOMÉSTICOS SÃO PÓS-ESTRUTURALISTAS

Dizem, os pós-estruturalistas, que a linguagem constrói a realidade. Isso é ótimo, exceto nos dias em que eu preferiria que minha realidade viesse pirateada, com todas as etapas e funções desbloqueadas, atualizadas e traduzidas para o grego, enquanto eu descansava em minha mansão de frente para o mar Egeu.

De volta ao Oceano Atlântico, mais precisamente à Baía da Guanabara, é de se admirar tamanha ousadia: o pós-estruturalismo nos prega situações dignas de… se amar. Sabe-se que tem aquele cara que é viciado em leitura — e até aí, tudo bem. Mas, convenhamos… Passar 24 horas por dia agarrado às brochuras dos cânones franceses pós-modernos, como se a retina estivesse em ininterrupta sociedade com a benzoilmetilecgonina, é dose! Essas e outras situações foram constatadas, pelo menos nos últimos 4 anos, que tais indivíduos chegavam a níveis transcendentais a ponto de uma socialista-psicóloga ter que consultar a bibliografia inteira de Michel Foucault antes de postar que o verbo “vencer” é opressor demais para ser enunciado.

Se Foucault estivesse vivo, provavelmente teria um canal no YouTube e uma conta no Instagram para explicar como o poder opera por meio dos stories e reels.

O pós-estruturalismo oferece ótimas ferramentas para desvelar o mundo como ele é e escancarar toda sua complexidade fluida - e asquerosa. Imaginem só, um mundo moldado por uma pessoa que não para de tagarelar coisas aleatórias? Numa hora tu estás diante do belíssimo Estádio do Flamengo lotado por sua torcida. Daí, você se vira. Poucos segundos depois, quando você olha de volta, dá de cara com uma imponente mesquita com arquitetura da “Magic Kingdom” da Disney World; ao fundo uma imensa roda-gigante, enquanto que os líderes religiosos vestidos de Mickey Mouse, MC Pipokinha, Bumblebee e Optimus Prime, andam pra lá e pra cá pregando aos berros: Meditem! Meditem!

Partindo disso e admitindo que o discurso constrói a realidade, temo que o meu mundo tenha sido erguido sobre fundamentos linguísticos por ordens diretas do tipo “Vai chupar um canavial de rola”. O resultado seria uma civilização peculiar, em que o setor primário da economia teria forte apelo oral e as aulas de geografia envolveriam mapas agrícolas extremamente constrangedores. Imaginem! Até uma Bolsa de Valores de commodities, só que com cotações baseadas em produção de… Bem, prossigamos.

O pós-estruturalismo já nos avisou também: não existe significado fixo, permanente. O que há, de fato, é só um jogo infinito de interpretações. Traduzindo para a vida prática: você nunca sabe se a pessoa disse “Vá chupar cana” ou “Vá chupar rola”. E ainda tem gente que acha que isso é um problema moderno. Não, é um problema antigo. Desde a época das primeiras civilizações, dos nossos antepassados longínquos. Evidentemente, o vulgar “vá chupar um canavial de rola” já foi proferido pelos mais diversos idiomas, pelas mais remotas civilizações. Só que agora as redes sociais deram ao discurso o equivalente a um megafone interplanetário.

Pois é! Vivemos em um tempo onde o discurso não é apenas o que você diz à algumas pessoas, mas o que você posta e o mundo inteiro lê ou vê imediatamente - e, mais recente ainda, agora o mundo inteiro fica perplexo diante das conflitantes peripécias que a Inteligência Artificial produz. Sem contar o fato de que o que você posta não é exatamente o que você quer dizer, mas o que você acha que ficará bonito com um filtro e a mesma dancinha de sempre, é claro! É a “vida líquida” - conceito de Zygmunt Bauman; já eu, chamo de “mundo rosa” -, aquele em que todos estão felizes, são inteligentes e incrivelmente bem iluminados. E o que ilustra muito bem são o Instagram e o TikTok. Eis a nova Metafísica: todos têm uma essência muito próspera e meticulosamente editada por filtros, efeitos e, claro, discursos/ linguagens vazias sob uma dancinha asquerosa.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

SOMOS VERDADEIRAMENTE HUMANOS? REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO EM MARX


Há algo profundamente inquietante no modo como vivemos, trabalhamos e existimos em sociedade. Essa inquietude silenciosa e muitas vezes invisível impingiu o filósofo e economista alemão Karl Marx (1818 — 1883) a desenvolver uma das críticas mais profundas à condição humana na modernidade. Em seus “Manuscritos Econômico-Filosóficos” de 1844 — publicados em 1923 — , Marx nos convida a refletir não apenas sobre o funcionamento da economia, mas sobre algo muito mais íntimo: o que nos torna verdadeiramente humanos?

Neste contexto, Marx rompe com noções econômicas de sua época, advindas, principalmente, do economista Adam Smith (1723 — 1790). Ademais, o filósofo alemão dialoga com outro filósofo conterrâneo, Friedrich Hegel (1770 — 1831) sobre concepções tradicionais — tanto metafísicas quanto teológicas. Além destes dois principais, tanto o economista quanto o filósofo, Marx se destacava diante dos demais pensadores que viam a natureza humana como uma essência fixa, imutável, criada por Deus ou moldada puramente pela razão. Contra essa visão, ele defende uma concepção dinâmica e histórica: o ser humano não nasce pronto, ele se faz, e esse processo se dá, sobretudo, através do trabalho. Trabalhar, para Marx, não é apenas uma prática visando a preservação do indivíduo ou, simplesmente, sobrevivência: o trabalho é um ato criativo, vital, existencial. É pelo trabalho (práxis) que transformamos a natureza e, ao mesmo tempo, nos transformamos — revelando que homem e natureza formam, na verdade, uma só unidade.”


Imagine, por exemplo, um artesão moldando a madeira para criar um violino. Cada curva esculpida, cada detalhe é mais do que técnica: é a expressão de sua subjetividade, de seu tempo, de sua história. Nesse processo, o ser humano se objetiva: coloca algo de si no mundo. O objeto criado carrega sua marca, seu gesto, seu gosto, sua humanidade. Porém, e se esse violino, ao invés de ser expressão humana e natural, tornasse-se uma mercadoria imposta, feita em série por máquinas, alheia ao artesão que o produziu? Eis aí o estranhamento — a essência do drama que Marx denuncia.

Nesse cenário, o capitalismo surge como um véu que encobre essa potência humana. Na chamada “economia política tradicional”, o trabalho deixa de ser uma atividade plena e passa a ser apenas um meio de subsistência. O trabalhador não se reconhece mais no que faz, não emprega mais sua história, sua cultura, o seu DNA (no sentido figurado, óbvio). O que deveria ser a mais profunda realização de sua humanidade torna-se uma prisão cotidiana, onde o indivíduo não pode mais, livremente, conceber os percursos da sua vida. O produto do trabalho já não lhe pertence. Ele se torna estranho diante daquilo que criou, como um pai que não pode reconhecer e cuidar do próprio filho.

Marx descreve esse fenômeno com dois conceitos centrais: alienação e fetichismo da mercadoria. De acordo com o filósofo a alienação é o distanciamento entre o trabalhador e sua obra. O trabalho, antes expressão de liberdade, vira uma obrigação mecânica, tornando-o banal — um “ganha-pão”. O trabalho (práxis) aliado à própria natureza, que deveria ser o espelho da criatividade humana, converte-se em instrumento de opressão. Diante disso, o homem perde a si mesmo no ato de produzir. O fetichismo da mercadoria, por sua vez, é talvez um dos mais trágicos disfarces da modernidade: os produtos criados pelo trabalho humano ganham “vida própria”, são adorados, valorizados, comprados e vendidos como se tivessem poder em si mesmos — enquanto o trabalhador, criador de tudo isso, permanece invisível, descartável. Em outras palavras, a mercadoria brilha, o ser humano se apaga.

Neste processo, o capitalismo inverte a lógica da existência humana: transforma sujeitos em objetos, e objetos em sujeitos. Os que detêm os meios de produção — os capitalistas — acumulam riqueza, enquanto os trabalhadores são reduzidos a números, a peças em uma engrenagem impessoal e insaciável. A famosa passagem do Manifesto Comunista ecoa com força aqui: “Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, opressor e oprimido…” — essas oposições revelam a perpetuação de uma luta que desumaniza.

Marx nos obriga a encarar uma verdade desconfortável: vivemos em um sistema que nos afasta de nós mesmos. E mais do que uma constatação teórica, isso é um grito. Um grito que vem do trabalhador exausto, da mãe que trabalha dobrado para sustentar os filhos, do jovem que não se vê no que faz. O trabalho — que deveria ser fonte de dignidade — é transformado em rotina opressiva, em alienação existencial.

Contudo, essa crítica não é um fim em si. Marx aponta para um horizonte. Ele acredita que essa realidade pode ser superada. Pois o ser humano, ao contrário das demais espécies, possui a capacidade singular de criar com consciência, de produzir não apenas para si, mas para os outros, em liberdade e solidariedade. Enquanto os animais produzem por instinto, o homem produz com intencionalidade, sensibilidade e propósito universal.

Assim, compreender a natureza humana, segundo Marx, é entender que ela se realiza na práxis, ou seja, na ação transformadora sobre o mundo. A humanidade não é uma condição pronta: ela é um processo histórico e coletivo. É na criação de ferramentas, de arte, de cultura, de linguagem e de relações que o ser humano se descobre — e se redescobre.

Enfim, ao olharmos para nossas mãos calejadas, nossos rostos cansados após o expediente, para nossas angústias diante de um mundo que nos exige produtividade constante, talvez possamos entender um pouco do que Marx quis dizer. Não estamos apenas sendo explorados economicamente — estamos sendo privados de nossa própria humanidade. No entanto, a esperança não foi extinta. Porquanto, se somos feitos históricos, também podemos nos refazer e nos readequar, transformando nossos destinos mais dignos e mais humanizados. Além do mais, a luta histórica em que nos encontramos não é apenas por salários mais altos ou melhores condições — é por um novo modo de ser no mundo. Um mundo onde o trabalho não estranhe, mas que agregue; não oprima, mas liberte. Talvez o maior legado de Marx seja esse: lembrar-nos de que ainda somos humanos — e que, apesar de tudo, podemos nos tornar plenamente aquilo que somos.

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Ouvindo: “Don’t blame me”, The Exploited.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Medicina: Será que um dia iremos nos tornar um jacaré?



Depois da pandemia ouvi relatos de que condições particulares de alguns indivíduos possuíam certas anormalidades e que vinham afetando negativamente, não só seu organismo, como também o que se pode dizer do seu mental. Acalmem-se! Não se trata de uma revisão da Metamorfose, de Franz Kafka. Não está sendo flagrado por aí nenhum Gregor Samsa atualizado para versão réptil. Porém, vem acontecendo quadros clínicos com alguns pequenos detalhes nos prontuários de muitas pessoas. Comigo, inclusive. Notei isso desde a reação da minha primeira dose da vacina contra COVID-19. Tive sintomas que nunca experimentei - incluindo o estado psicológico mais deprimente enquanto doente e sem vontade nenhuma de levantar enquanto acamado.

Sabemos que aqui no Rio de Janeiro possuímos um carma com mosquitos. A dengue (e outras gangues) costuma trazer novidades patológicas, porém, foi depois da COVID-19 que as coisas começaram a ficar estranhas. Uma das coisas que ocorre é febre baixa - ainda que pareça normal -, dores em partes estranhas do corpo e uma condição psicológica diferente mesmo. Nós, portadores da sabedoria popular, estamos estranhando o que vem acontecendo conosco e, graças às redes sociais (e às fofocas também, por que não?), tomamos coragem para expor essas situações com a nossa saúde. Não estão relatando sintomas diferentes, mas estão diferentes a forma como eles aparecem e porque eles aparecem.

Por exemplo, depois da pandemia, por ventura, tive infecção gastrointestinal. Normal, acontece. No entanto, fiquei por três dias sem ter qualquer cólica. Coisa que nunca havia me acontecido. Outro ponto é que fiquei com dores no corpo (especificamente nas pernas), catarro, tosse seca, por cinco dias sem ter muita febre - acontecia exatamente à noite e não passava de 37,9º. Novidade também. Uma coisa interessante é que minha garganta nunca mais inflamou. E quero avisar que quando ela inflamava, eram 5 dias com febre altíssima! Só que, naquela ocasião, eu agia, era mais ativo. Agora, há algo, psicologicamente falando, que prega na cama e enquanto a febre/ gripe não vai embora, não dá disposição. Sequer fome!

Ademais, não diferente dos meus casos pessoais, ouço e leio relatos nesses sentidos também. Logo, não acontece só comigo. Agora, o mais preocupante, é que independentemente de gripe, febre ou doença por infecção, há com certa frequência uma desorientação repentina, um estranhamento consigo mesmo. Um estado psicológico diferente de quando se era acometido por alguma doença. Enfim, parece que o modus operandi das doenças mudou e temos que enfrentar quadros de doenças com outro espírito. Tem-se, portanto, aquela gripe que derruba, não só o físico, como também o psicológico. Pode anotar na lista de remédios, além dos antigripais, antibióticos, também antidepressivos.

Com isso dito, não quero afirmar que por causa da vacina agora estamos diferentes ou que viramos jacaré - muito menos a barata de Gregor Samsa. Não é o caso!!! Contudo, estou querendo apontar que estamos num determinado momento, diante duma situação, que ainda não sabemos de fato o que está acontecendo ou para onde estamos indo. Possivelmente, estejamos já tão abalados psiquicamente que, com o acometimento de um pequeno vírus, tudo o que consideramos mentalmente normal, se torne uma grande torrente nebulosa. Vejam: “Lapsos de memória, depressão e ansiedade podem estar relacionados às sequelas cerebrais da covid-19”, segundo o portal do Conselho Nacional de Enfermagem.

Brasil vive uma segunda pandemia, agora na Saúde Mental. Quadros de ansiedade e depressão aumentaram após a pandemia de covid-19. 

Não há provas de uma ligação direta entre um vírus que causa um resfriado com uma eventual depressão ou burnout na pessoa infectada; nem distúrbio no sono ou qualquer outro sintoma de saúde mental. Contudo, os diversos fatores aos quais estamos inseridos, principalmente com o fenômeno pavoroso que foi a pandemia, potencializou questões psicológicas que já lidávamos. Foi o somatório do estresse que já estávamos situados cotidianamente mais uma brusca perda de parentes, amigos, isolamento social e, naturalmente, a imaginação de uma catástrofe brutal com o planeta.

Por conseguinte, a título de conhecimento, as vacinas de COVID-19 aplicadas ao redor do mundo ainda estão em fase observação. Diante disso, acredito que possamos descartar vírus que estejam causando doenças mentais. Os cientistas ainda estão coletando os dados desde a primeira delas, que foi aplicada em Janeiro de 2021. Com isso, é de conhecimento geral que há novos sintomas surgindo em pacientes vacinados contra a COVID-19 e isso gera sempre um alerta, não só na comunidade científica, quanto na população. 

Ademais, uma questão: o paciente - vacinado ou não - é de extrema valia nesta guerra toda contra os vírus. Porque, somente o indivíduo sabe e pode descrever o que está acontecendo consigo, até mesmo diante de um resfriado qualquer: quem sabe o que se passa com seu corpo é o próprio indivíduo, e não o médico. Neste cenário, somente depois dos relatos dos pacientes é que se fazem as análises e se buscam as soluções. Por isso que é de extrema importância procurar um médico e relatar a ele tudo, mas tudo mesmo, o que se passa consigo. Devemos sempre ser pró-ativos e antecipar estas questões à medicina.


É preciso que se reitere: se há sequelas no corpo, há que se buscar atendimento adequado para tal; se há, além disso, problemas de ordem psicológica, o paciente deverá cuidar, além do problema físico, também da saúde mental com um psicólogo/psiquiatra. Pois, como vimos, está tudo ainda muito nas penumbras, além de cada dia surgir algo novo diante da contenda contra os vírus.

Dessa maneira, é notório que estamos como que de braços esticados procurando tatear alguma superfície - sequer temos noção se ela existe ou está próxima. O que há de fato é muito trabalho ainda no campo da saúde a ser realizado - com a ajuda da população - e, com certeza, aliado à alta tecnologia. Não me refiro somente aos melhores remédios e exames operados por I.A. ou robótica, não, mas prevenções e eficiência no remediar das causas.

Vejamos como um conjunto de ações e contribuições de áres distintas podem nos ajudar numa melhor qualidade de vida. Em Março de 2020 - em plena pandemia - o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han escrevia em sua coluna, no El País, que a Ásia já estava com a situação controlada enquanto o Ocidente fechava aeroportos - e só, como medida de “proteção”. Em contrapartida, na China, já se estava trabalhando com detecções dos últimos focos de infectados com ajuda da tecnologia e da eficaz medicina daquele país. Diz Han, “Quando alguém sai da estação de Pequim é captado automaticamente por uma câmera que mede sua temperatura corporal. Se a temperatura é preocupante, todas as pessoas que estavam sentadas no mesmo vagão recebem uma notificação em seus celulares [...] Se alguém rompe clandestinamente a quarentena um drone se dirige voando em sua direção e ordena que regresse à sua casa”. 


Provavelmente, no “mundo de amanhã”, saberemos do que mudou, do que resistiu, do que foi mérito da tecnologia ou do que foi obra da ação individual de cada um. Todavia, é assim que a medicina avança, que nós evoluímos e vamos deixando como legado uma vida sempre melhor e mais saudável diferentemente daquele que nos foi deixado. Neste sentido, até agora viemos sempre encontrando as melhores soluções possíveis para nossos maiores desafios. 


Acredito, por fim, que a medicina fará outra nova revolução no combate às doenças-por-vir e a tecnologia (se não nos destruir [risos]) fornecerá tudo o que precisamos para, inclusive, prevenirmo-nos de quaisquer ameaças microscópicas e também aquelas ameaças invisíveis, que pairam por sobre nossa cabeça nos atormentando, nos deixando ansiosos, depressivos e nos tirando o tranquilo sono de cada noite.

quarta-feira, 22 de maio de 2024

É assim que tem que ser?




Manhã cinzenta,
clima londrino.
Mas não importa.
Seja lá ou no Rio,
eu estava sendo
apunhalado
por uma canção, mas
sentia compaixão.

Eu seguia. 
Ia a qualquer lugar.
Sem rumo, sem norte;
sem Deus, sem lar;
à própria sorte.

Andorinhas voando,
soltas no ar;
de longe voltando,
fugidas em par;
órfãs de mãe e pai,
Perdidas em meio
ao concreto sujo.

Em volta, tudo feio;
nojento; caminhos,
muitos se cruzam
sob vento fedorento.
Minha Cidade e Cor:
angústia, medo.
Vida incolor:
dor logo cedo.

Contudo, há beleza
Notei na canção
Ela que soava.
Me acariciava.
Ritmos e melodias,
o coro dos enlutados
e a letra mortuária;
fria como o clima;
- bucólico adro.

Ó canto acappella! 
E lamentos.
Junto ao soar do sino,
acima da cama de cimento,
aos pés da bela capela,
de magnífico altar.

Vivamente percebi,
ao longe senti,
ali, todos uníssonos,
em seus goles de saliva
imbricando-se -
e o nó na garganta;
as lágrimas rolavam
como chumbo abalavam.

O chão verde tremia.
Sobre ele, pessoas,
de preto, vestidas.
De luto e dor caiam.

Havia beleza e ruína.
A intempérie sina,
o tilintar do sino,
o ecoar das vozes…

Aquele que partira.
Todo aquele cenário,
todos com seus rosários.
A dilaceração,
e a emoção.

O “eu” em sacrifício;
o “ele” em sepulcro;
o “nós” alienados.
Mas todos buscando-se,
a si, meditando,
e alguns sem fé;
outros pensando,
"Aqui o jaz;
aqui voltarei, não de pé.
Sim… Belo, espero;
sem vida, porém em paz"

segunda-feira, 20 de maio de 2024

O Outono se foi



Outono, impunha-se um Sol resplandecente.
Céu límpido, explodia em azul bem nítido.
Brisa fresca nos abraçava envolvente.
Andorinhas voavam perto do ninho.

Do céu a noite a se notar
as lágrimas das estrelas;
A Lua mais perto a brilhar,
do beijo se expondo mais bela.

Contudo, nada mais adianta,
ó, Outono! Tudo arde.
Joguem fora suas mantas!
A brasa vai embora tarde.

Ora o verão, ora o inverno.
À sombra, o céu,
fora dela, o inferno.
O caos lá fora, e nós ao léu.

Nos áureos tempos, havia Outono
Hoje, somente nos calendários.
Pois, ou se está o verão no trono,
ou o inverno em solo mortuário.

Hoje, não temos controle.
Por sorte, sobre o passado temos um norte.

Não é saudosismo frugal.
Foi-se uma época descomunal.
Havia-se maior ensejo
com a bela estação autunal.

O tempo, eterno presente.
Nós que mudamos, envelhecemos.
O tempo fica, não vai adiante.
Nós que partimos, perecemos.

O Outono sempre será.
O inverno, o verão…
Nós temos que mudar
e respeitar cada estação.

Portanto, antes de partir
olhe para cima.
Reflita-se sobre um espelho d’água.
Perceba-se neste atual clima
e não deixe a natureza com mágoa.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Perdido em si



Eis que, no vão das sombras, onde o ser se desvela,
em meio à névoa do cotidiano lamento,
o homem vagueia, na angústia, na refrega,
perdido em si, em busca de alento.

No peito, o eco do etéreo medo,
que ronda como espectro, silente e frio;
a morte, que se avizinha em segredo,
traz consigo o derradeiro vazio.

Oh, pavor dos mortais! Oh, desespero!
Na encruzilhada da existência efêmera,
a cada passo ergue-se o temor primeiro:
a finitude que nos cerca e golpeia.

Nas horas gélidas do dia que declina,
o ser se afoga na miragem do amanhã,
na incerteza que espreita e domina,
sob a fumaça sombria da própria chama.

E quanto mais próxima a hora derradeira,
mais nítida se torna a face da verdade:
somos frágeis, efêmeros, na vasta ribanceira
da vida, que nos arrasta sem piedade.

E assim, entre suspiros e lamúrias,
o homem se perde em sua sina,
na busca vã por fugidias aventuras,
sob o olhar impassível da morte divina.

sábado, 4 de maio de 2024

O vazio essencial do mundo




Ante a desolada vida, um grito sai de mim.
Onde a esperança se esvai com astúcia,
em um mundo hostil, um abismo sem fim,
Somos frágeis, condenados à angústia.

Venturas fugazes em estrelas cadentes,
brilham por um minuto, depois se apagam.
A frivolidade nos consome, implacável e ardente,
deixando-nos perdidos, cegos, sem afago.

Sabemos que somos frágeis, perecíveis,
Que a morte nos espreita a cada esquina.
Mas o mundo continua, indiferente e impassível,
nossa existência apenas é, e tão somente mesquinha.

Neste vazio abissal, nosso rumo se perde,
sem propósito, sem luz, apenas dor e incerteza.
E num piscar, o mundo nos mata de fome e sede,
deixando um eterno vazio, sem mais dor ou tristeza.

Pois, nosso fim não finda o mundo;
nossa existência não torna o real;
nossa importância não vale um segundo.
O mundo sem nós se torna essencial.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

A Dança da Verdade com a Mentira




Na valsa da vida, onde a verdade e a mentira se encontram,
Eu danço com passos incertos, sem saber o que é real.
A aparência, uma máscara que esconde a essência,
Distorce minha visão, tornando o falso natural.

Sob um véu, a mentira se disfarça,
Vestindo o manto da verdade, enganando meus olhos.
Mas em meu coração, uma chama arde,
Questionando tudo que meus sentidos alarde.

Posso acreditar em uma mentira, achando-a verdadeira,
Pois quem sou eu para julgar o certo ou errado?
Minha lupa da verdade é falha, a erros está sujeita,
e o que eu vejo pode ser apenas um reflexo alterado.

Assim, danço com a mentira, com cautela e desconfiança,
Pois sei que sua sedução pode me levar à tormenta.
Mas também reconheço que a verdade pode se esconder
por trás de uma fachada de engano, esperando ser descoberta.

Na verdade, na dança da vida, não há certezas absolutas,
Apenas sombras e luzes que se confundem entrelaçadas.
Como um viajante num labirinto de ilusões à luta
Busco a verdade, seja ela uma mentira disfarçada.

O minúsculo poder



Em meio à penumbra, um brilho surgiu, 
Um anel de ouro, um presente do destino.
Com ele, o poder de ocultar-me,
Um sonho antigo, um desejo divino.

Diante disso, a moralidade me reteve,
Uma questão de certo e errado.
Pois com o poder de desaparecer,
Poderia fazer o bem ou o mal sem ser notado.

Inicialmente, minha mente se agitou com uma torrente de possibilidades. 
Eu poderia roubar riquezas, cair em vulgaridades.
Porém, à medida que as horas passavam, 
a questão moral me atormentava.

Pois bem, usei anel. Um segredo profundo,
enquanto minha mente corria idéias, sem parar.
Mas em todas as possibilidades que passavam,
a velha ética vinha me afrontar.

Um dia, passei por um espelho dourado,
Com ornamentos bem detalhados, um espetáculo para ser visto.
Olhei para o meu reflexo, nada havia notado.
Apenas um vazio, um espaço que sempre me via bem quisto.

A princípio, pensei que o anel estava em minha mão,
Porém não! - percebi com espanto.
Eu era invisível, sim, mas não por um anel,
Era minha escolha, uma decisão que eu havia tomado.

Havia ali, por fora, um ser sem forma, um não-ente.
Por dentro, um fantasma vivo, um animal decadente;
distante do mundo, angustiado e sozinho.
Um vazio ambulante, um filhote esquecido no ninho.

O anel da invisibilidade, fruto da maldade.
Um símbolo da escolha que eu havia feito.
Preferi a maldição acima da bondade.
Hoje carrego este fardo, um peso que me prega no leito.

sexta-feira, 22 de março de 2024

A centelha que move a vida



 A angústia emerge como um grito da nossa pífia sensação liberdade e da consciência necessária de nossa finitude. Ela transcende o mero estado emocional, revelando-se como catalisadora de questionamentos profundos sobre o propósito da vida e sobre o confronto inescapável com nossa própria dolorosa existência. De fato, a angústia se revela como a força motriz que impulsiona a roda da vida, incitando-nos a buscar significado e compreensão em meio às complexidades do ser. A angústia, portanto, é a centelha primeira que acende a luz da vida e vai queimando até os confins da nossa existência.


(Imagem: Washington National Cathedral Gargoyle)

quarta-feira, 13 de março de 2024

Ato primeiro: amizade colorida



Desenvolver um sistema filosófico para abordar questões tanto pretéritas quanto atuais, considerando os diversos contextos, é deveras desafiador - como fazer uma peça teatral. É um trabalho árduo, ardiloso e muito difícil e... delicioso. Assim sendo, pode-se aventurar nos palcos da Ética, da Lógica, da Estética, da Epistemologia ou adentrar-se no abismo Metafísico.

No entanto, é importante que qualquer indivíduo estimule em si mesmo um sistema filosófico, um mero ato de filosofar; ter sua linha de pensamento, seu método de palavras e escritas onde que neste sistema encontra-se o mínimo de respostas à problemas conflitantes, seja dentro de um domínio específico e variante - levando em conta as circunstâncias do nosso tempo -, seja de uma forma mais abrangente e fixa - recorrendo a outras antigas épocas.

É preciso filosofar. Deve-se ir de encontro para ser encontrado. Como um ator indo de encontro a sua personagem. Para tanto, é necessário um verdadeiro amigo - não necessariamente uma pessoa, talvez uma ideia. Ora, todo encontro necessita de duas partes; assim como todo movimento é resultado de repouso e força, i.e., um diálogo resultante entre duas partes em oposição.

Por conseguinte, é preciso haver o desgastante debate filosófico a ponto de se esgotar (ou não) toda e qualquer possibilidade de dúvidas. É encerrar um ato, mas deixá-lo aberto para o próximo. Com isso, podemos refletir o que nos cerca, o que nos toca e seguir adiante - um devir em uma longa peça teatral.
 
Ademais, é preciso questionarmos, não a tudo externamente como que de forma aleatória, mas a nós mesmos em primeiro lugar. O eu. O ator principal! A educação filosófica, ou o exercício da reflexão, neste sentido, deve fazer com que comecemos conosco mesmo qualquer ensaio e assim deixando para trás qualquer situação desafiadora com honestidade e coragem.

Nos palcos da vida, onde a sabedoria é a personagem principal, a Filosofia também é convidada a encenar. Atuam como numa bela dramaturgia ao conhecimento. Com este advento, somos chamados a sermos amigos de nossa própria existência, abraçando a essência de nossa própria sabedoria.

Portanto, que, ao dialogarmos com as necessidades que nos movem, encontremos nosso ato no vasto teatro do mundo. Que as cenas de nossa história se tornem um testemunho de nossa busca filosófica, um holofote que ilumina o caminho para o nosso âmago, onde apenas o saber floresce

domingo, 1 de outubro de 2023

Eu só queria comprar pão


HOJE
cedo saí de casa, atravessei a rua e fui comprar pão. Fi-lo rapidamente. No entanto, trouxe pães frios, aqueles já do fim da cesta. Ao chegar em casa e depois de esquentar a água, pôr a mesa para o café, vi que não tinha manteiga e nem café. E, cá entre nós, comer pão sem manteiga e café é pior do que fazer sexo com bonecas infláveis da Shopee. Então, eis que voltei à padaria para comprar o que mais faltava para o meu café da manhã.


Notei que estava saindo pão quente - devido ao forte cheiro de pão no forno - e fui tentado a comprar mais. Percebi que a fila do pão estava enorme. Nela estavam: uma barriga, com bastante tecido adiposo; uma salsicha, tomando água de salsicha com gás; muitas crianças, parecia dia de São Cosme e Damião; um playboy, que se sentia na fila da entrada VIP da boate, e, por fim, o próprio dono da padaria. Isso não seria uma imensa fila, mas a quantidade de crianças era desesperadora.


Comecei a ficar impaciente, pois o tempo passava e o meu sagrado café tardava em sair. A barriga, a primeira da fila, perguntou, aos berros, quem ia servir o pão, pois via-se que não tinha nenhum atendente na padaria. O padeiro, obviamente, estava aparvalhado fazendo mais pão. Era notório que ele só fazia aquilo na vida, porque a padaria tinha vários prêmios de "pão fresquinho na hora". Eram exibidos com orgulho, como troféus, por toda a parede do estabelecimento. Já a salsicha, entediada, pediu mais uma garrafa d'água com gás a um quadro que estampava a foto do funcionário do mês - que na verdade era do próprio dono da padaria. O então funcionário perguntou-a: tenho água de salsicha, pode ser? Este, no quadro, era o dono, que na verdade estava no final da fila e não largava sua mala de viagem. Eis o paradoxo: quem realmente atendeu à salsicha? O funcionário do mês estampado num quadro ou o dono da padaria, funcionário do mês, na fila do pão?


Os mais chegados costumam dizer: Todo dia o dono da padaria tenta sair rumo ao exterior. Partir em uma viagem que parece ser longa, mas nunca acontece de fato. Sempre surge um imprevisto, uma intempérie - como por exemplo comprar o excelente pão fresquinho da manhã para desjejum de sua longa viagem. Então, para não ficar fazendo e desfazendo suas malas todos os dias, ele deixa a mesma pronta e a carrega para cima e para baixo.


Até que, do nada... No celular de alguém soou aquela notificação da Shopee. Após o alarme alguém disse, “pronto! Vai sair o pão" - pensamos coletivamente. De dentro da padaria, lá onde ficavam os fornos, vinha um cachorro imitando uma cacatua que imita cães. Vinha anunciando que o pão ia sair e perguntava quem era o primeiro da fila. A salsicha entrou por dentro da barriga e, de uma metamorfose heróica, surgiu um grande rosto réplica do grego Aquiles - mas com longa barba ruiva e vermelho de raiva, em formato de empadão fatiado (aqueles deliciosos empadões cortados em formato triangular, com o recheio escorrendo…) questionou a tez do pão: está muito branco.


Já os pães, sendo servidos por um cachorro - um lindo lavrador do sul de Santa Catarina, assentado pelo MST, que imita cacatuas que imitam cães -, começaram a saltitar ao saberem que iam partir para uma viagem alucinante. Despejado todos os pães na sexta - que já era noite - o playboy se empolgou. Não por causa disso ficamos felizes, mas porque a cesta era enorme e cabia ali uns 300 pastéis de feira e mais uns 200 pães. "Enfim…" - pensamos - "Vamos comprar nossos pães!" Então o playboy se pronunciou: tem duzentas crianças nesta padaria. Então, por favor, paremos para pensar... Todos reclamaram. E sugeriram o andar da fila. Então o pão começou a sair da sexta e caírem já sem desculpas na segunda. A partir daí, a fila, para pagá-los, começou a crescer. O caixa era alguém (ou algo) dentro de uma caixa fazendo o caixa na padaria. Fiquei curioso… Seria alguém da DiSantini?


De repente, um alvoroço. Olhei para aquela creche toda e pensei: "Fodeu! Acabaram-se os pães!". E realmente havia acabado. Tinha um pão para cada mão das criancinhas. E, nesse instante, o cachorro-cacatua, que trouxera os pães da então última fornada, os colocou na sexta e saiu correndo, porque já estava atrasado. Dizia ele (ou latia, ou imitava uma cacatua que imitava cães… Sei lá, você que escolhe): "Cacete, au, au! Já é a segunda feira que irei hoje. Não aguento mais! Estou com pressa. Fui! Au, au..." Enquanto o cão saía para a feira, após ter batido seu ponto, uma gata assumiu a panificação.


Entre assobios e elogios ela ia vagarosa e elegantemente para dentro da padaria fazer seu trabalho. Alguns ratos saíram em disparada lá de dentro e foram em direção à rua. Um deles dizia - em inglês - enquanto fugia: "A patroa chegou!". "Mas ela é uma gata!" - dizia outro.


Enquanto isso, a fila permanecia com a mesma configuração. Exceto pela saída do playboy. Mas estavam, ainda, as duzentas crianças - querendo mais um pão cada uma; o Aquiles empadão fatiado - que retornou à forma anterior, de barriga e de salsicha, já separadas - eu, mais o dono da padaria com sua mala.


Alguns momentos depois de três rodadas de duzentos pães servidos, a fila vagarosamente andou. Só que para trás - ninguém mais sabia se tinha que se dirigir ao caixa, se estavam na DiSantini ou se iam em direção à sexta-feira de pão.


Nisso, houve uma pequena confusão e eu passei a ser o segundo na espera. O dono da padaria, que ficou sendo o primeiro, nobremente me cedeu seu lugar: "Não como pão, mas prefiro pão…" - disse ele meio que pra si mesmo olhando cabisbaixo, estranhamente. Sem entender muito, enfim, consegui meu pão. Um apenas. Era um pão por CPF. Enfim, cheguei ao caixa. Em pouco tempo estaria em casa.


Enquanto isso um dos ratos, fumando uma guimba, olhou para mim - eu na fila pagando a mercadoria e ele lá fora - perguntou-me em inglês: Ei, como as crianças conseguiram os seus pães? Cada uma recebeu dois. Respondi: Com seus CPFs, oras! Mas ele insistiu: Como? Se é só um pão por CPF? Eu retruquei: Sim! Mas estas crianças são da "geração X" e possuem também os CPFs dos seus pais, além dos seus personagens prediletos”. O rato continuou: E o dono da padaria aceita CPF de terceiros? E ele odeia geração X… 

E continuou o rato:

- Ah, prazer, meu amigo! Me chamo "Pig", sou de Nova Iorque.

- Pig? "Pig" em inglês quer dizer porco.

- Então... - disse-me o rato.

Enfim, como eu não sou o dono da padaria, me limitei à conversa. O rato saiu convencido de ter me vencido nos argumentos, dando uma última tragada na sua guimba e, logo em seguida, jogando-a dentro da padaria, saiu de tal forma como um maquinista sai do trem após chegar na última estação do ramal Belford Roxo ou de Brooklyn.


Dei-me conta de que não só não paguei pelo pão, como também perdi a vez na fila. Como o pão ficou frio na minha mão, ou melhor, gelado, retornei à fila da cesta do pão novamente. No caso só girei em torno de mim mesmo e pronto: já estava na fila certa.


Já se passavam ali… Não sei se horas, ou dias. Mas o que anunciou a passagem do tempo foi quando todos olharam e, em uníssono, disseram “Olhem, está chovendo! Que tempo doido, não falei?” Nesse ínterim, eu saí da fila e fui olhar ao redor. Logo quando eu botei o pé fora da padaria a chuva cessou. Não porque eu botei o pé na rua, mas creio que por falta d'água mesmo ou, talvez, racionamento por parte da natureza. Contudo, novamente, todo mundo em uma só voz, ao virem o fenômeno disseram, “Olha a chuva parou! Que tempo doido, não falei?” Percebi que quem fazia chover, ou parar de chover, eram aquelas vozes entoadas de uma só vez e não minha vontade de olhar o fenômeno ou de pisar na rua.


Ciente de que eu estava perdido no tempo, quis ver se com minha pressa fazia-o correr até os dias atuais... Péra?! Qual dia seria o atual? Alcançaria, eu, o dia em que eu saí de casa para comprar pão? Mas qual dia? Qual vez? Porque eu saí duas vezes para comprar pão com diferença de minutos entre uma saída e outra. E se eu voltasse, sem querer, à época em que eu era adolescente quando saia para comprar pão? Afinal, qual dia em que eu não saí para comprar pão? Comecei a chorar de medo. Talvez com pena, ou não, o caixa da padaria veio me dar uma palavra amiga. 

- Caro, tome aqui este livro, ele lhe trará conforto e respostas. 

- Obrigado, boa pessoa. Nesta fila e nesta situação, nada melhor que uma leitura.

O livro sugeria uma capa bem acolhedora de uma mãe - meio que estilo “pin-up” -, mas o bebê em seu colo parecia um pão. A obra em questão era “Meu Filho, Meu Tesouro” (1946), de Benjamin Spock. 


Finalmente, ao caixa perguntei se tinha café e manteiga, afinal, na verdade, me faltavam estes ítens para o meu completo café matinal e não mais o pão. Fui muito bem atendido. Recebi a manteiga, que vinha em forma líquida dentro de um botijão, de gás, além do café, em uma pequena xícara, que sorria, tinha lindos olhos e vírgulas...


Fiquei com vontade de comprar mais pão que estava saindo, fervendo, da 50ª fornada. As crianças até quiseram me emprestar um dos CPFs delas para que eu levasse uns 5 pães no mínimo, mas eu ia fazer render outra rodada de pães e isso ia levar não sei quantos meses ou anos. Eu já ia para a 50ª leitura do livro emprestado, então, deixei para lá. Até porque eu não aguentava mais ler sobre crianças e vê-las todas na minha frente.


Sendo assim, depois de tudo muito custoso, protegi meu único pão e arrisquei sair novamente. Para mim, era só atravessar a rua que eu estaria em casa, mas fiquei receoso com a chuva, ela me observava com sorriso de canto de boca, tipo a pintura da Mona Lisa. Nesse ínterim, eis que um carro pára na minha frente e me oferece uma carona. Eu avisei que não precisava, pois era só atravessar a rua. Mas quando olhei bem para dentro do carro e vi quem era, aceitei o convite imediatamente. Franz Kafta. O próprio! Assim, o próprio livro. E não a Metamorfose, mas sua biografia escrita por ninguém menos que o ex-ministro da educação. O livro dirigia e no banco de trás estavam, uma carta ao pai e um monte de kaftas frias no palitinho. Conversamos um pouco, pois o livro precisou fazer algumas manobras perigosas para me deixar na porta de casa. Ignorando a biografia, tive muito contato mesmo foi com as kaftas e a carta ao pai. Não ousei lê-la, mas joguei todas as kaftas dentro de um envelope, porque elas não paravam de falar "quando­ certa­ manhã­ o senhor Gregório do Vivier acordou­ de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama transformado em um kafta gigante, oh!".


Cheguei em casa anos depois, ou talvez algumas horas. Não sei precisar… - mas o que importa? Que diferença faz se você perde anos ou segundos para comprar pão? O que na verdade é o tempo, senão o prazer pela compra e, consequentemente, a sua mais refinada degustação e que envolve todo o processo de ir a padaria comprá-lo, chegar em casa e comê-lo?


Então, quando eu ia começar a lanchar, já eram umas quatro horas da tarde, eis que surge uma chamada de vídeo, vinda do aplicativo Telegram, de Dr. Freud - com aquela mesma cara de sempre, me questionou: "Você tem de escolher: ou a figura materna, ou a paterna; ou você toma leite, ou café". Chamada encerrada. Refleti muito. Quando voltei-me ao celular, para respondê-lo por texto, havia uma curiosa mensagem de um hacker se passando por mim: "Estou com arquivos que não possuem lógica alguma. Estão completamente privados de qualquer lucidez e não só: as mensagens são uma afronta à razão. Posso lhe confiar?".


Aceitei, porém com desdém. E a mensagem, com data de ontem, dizia:


"Meu caro, não estou com a mínima vontade de escrever para você. Nem para ninguém. Isto aqui, na verdade, é uma simplória introdução. Mas eu deixei o gravador ligado e, enquanto gravava, liguei o rádio e fiquei trocando de estação. Este é o arquivo em .MP3 original e há a transcrição em texto também. Ouça o que eu obtive - está transcrito identicamente do áudio para o texto - e leia-o. Segue:

… É mais para dizer que a fiz. Porque minha vontade mesmo era mandar todo mundo ir pastar. Ficam me pressionando, oras! Que saco! Porém, se você analisar isto com cuidado, poderá lhe ser muito útil. Preste atenção! Deverás tomar uma decisão por meio da insanidade (que é positivo, isso), sobre uma questão que lhe será imposta com muita seriedade, confesso. Entretanto o farás assertivamente. Veja bem, a questão é a seguinte: Não dê ouvido à razão. Nem ao Freud. Não leia nenhum dos dois Wittgenstein's (que na verdade são 5, mas os dois primeiros são evidentes) e, por favor, pare de assistir Geraldo Luís, aos domingos. É notório que isso está te angustiando. Deixe-me te lembrar uma coisa, deixe-me te dar um conselho (sei que vou parecer um bêbado anônimo): esqueceste-te de comprar o café e a manteiga na padaria, lembra-te? Você só comprou um pão por conta do teu CPF (cacete, isso não é um conselho!). Outra coisa, por fim: Escolha café com leite e bloqueie o Dr. Freud das tuas redes sociais e app de conversas. E se quiser afrontá-lo de verdade, escolha um capuccino. Ah, mais uma coisa: Você usa muita vírgula. Poupe-as um pouco mais. Cordialement (em francês) seu admirador, M.F."


Prontamente, já com o aplicativo aberto, perguntei sobre a veracidade da mensagem e se realmente ela se dirigia a mim; se podia haver uma mínima alteração, edição qualquer nas palavras do remetente, uma vez que foi transcrita do áudio e tudo mais; e das vírgulas realmente estarem bem empregadas e etc. Então o hacker respondeu: "Sobre isso, eu não sei lhe dizer. Não tenho mais nada aqui comigo, porque, como lhe disse, fui mudando as estações de rádio. Mas, no fundo, no fundo, acho que isso foi obra de um hacker. Já quanto às vírgulas, elas já operam sob a nova lei que flexibiliza as relações de trabalho. Fique tranquilo. Elas irão receber o que lhes é justo e irão se aposentar, quem sabe algum dia."


Após mais este fato, ou melhor, após todos estes casos acima, fui dormir com medo. Tive pesadelos. Acordei com os conselhos do meu amigo Wittgenstein estalando na cabeça. Ele dizia, este amigo vienense, "primeiro, meu caro, o mundo é tudo que é o caso; segundo, o que é o caso, o fato, é a existência de estados de coisas". Então, quando acordei, me deparei com a TV ligada. Passava o programa do Domingo Show, de Geraldo Luís. Ele contava intrigantes histórias de estados de coisas no mundo. Neste dia a história da vez era sobre o conjunto de fatos em uma padaria onde que a fila do estabelecimento era enorme e levava meses - quiçá anos - para terminar, além do paradoxo do último homem ser, realmente, o último da fila.



Mundo Vadio




Nas entranhas deste mundo tão vadio e vasto,
A vida desfila, indiferente ao nosso desgosto.
Ela não tem a obrigação de ser benevolente,
E nos lembra com crueldade do que é iminente.

Relações, intricadas teias de ilusão,
Nos envolvem em expectativas de decepção.
As imperfeições humanas se revelam em cada momento,
E as promessas de felicidade são um mero desalento.

O desconforto espreita nas sombras da existência,
Nosso controle é uma ilusão, uma falsa potência.
Nada, absolutamente nada, perdura no tempo,
A transitoriedade é a única constante nesse firmamento.

Viver, oh doloroso fardo que carregamos!
Um constante lamento, um peso que somos.
Enquanto a angústia permeia cada instante,
O mundo ao redor segue alheio, indiferente.

No espetáculo da vida, o que é mais espantoso
é a inconsequência da existência, o caos tenebroso.
Pois tudo o que buscamos, tudo o que desejamos,
parece desaparecer, como brumas que se dissipam ao vento.

A grandiosidade dos nossos sonhos e planos,
Desvanece-se como sombras em raios atinais.
E diante desse abismo de ilusões e desencanto,
Somos meros anfitriões de um velório aos prantos.

Ó mundo, és surdo aos nossos clamores!
Ignoras nossas dores, nossos amargores.
Enquanto enfrentamos a insondável escuridão,
tu prossegues, impávido, em tua indiferença, em tua imensidão.

Assim, caminhamos nessa jornada melancólica,
onde a tristeza nos envolve, como uma névoa etérea.
Enquanto buscamos sentido nessa existência incerta,
encontramos apenas a fria resposta: a vida é deserta.

Que nossas lágrimas se misturem às águas revoltas;
que nosso lamento ecoe pelas montanhas mais altas.
Pois somos pequenas criaturas, presas ao destino,
neste universo vasto, indiferente ao nosso caminho.

Em meio à melodia triste do ode ao pessimismo,
Afundamos‐nos nas notas do nosso próprio abismo.
E que entre as síncopes da vida encontremos um espasmo,
Um vislumbre de força, num mundo tão desdenhoso e áspero.

sábado, 30 de setembro de 2023

Seja aqui e agora



Ele parece feliz, sabe fingir.
Felicidade é categoria máxima
que alguém pode sentir.
Apenas um predicado, que vem numa caixa.

Lá está! Tão só em meio a um lugar repleto de gente
Cheio de tantas colocações,
cheio de si, de emoções,
que a si mesmo nem sente.

Vai ele… Perdido em caminho reto.
Vive escorado em muletas;
confunde céu com teto.
Desfila em sua categoria perfeita.

Belo dia, um espelho.
Encarou-se de repente.
Pensou num conselho.
E o fez a si carente:

Amigo eu, meu íntimo,
Exponha-te, apareça!
Cadê o você legítimo?
Surja, antes que eu me esqueça.

A ti não vejo, meu eu.
Por que não te refletes?
Não és um espelho meu?
Queres uma prece?

Seria isto um espelho?
Por que esta vastidão?
Não queres meu conselho?
És uma quimera, ilusão?

Medo eu não tenho, portanto.
Sinto que agora me encontrei.
Olhei para meu ser de pronto,
assim que das facetas larguei.

Agora me noto,
acordei do sono.
Sou o númeno,
não mais fenômeno.

O mundo é real.
Tudo é aqui.
Eu sou aqui.
Eu sou real.

Sou único,
sou diverso;
do meu jeito, porém,
no todo universo.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Terror noturno



O que eu sinto? 
O que me toca? 
Talvez um certo instinto,
um medo que me corta.

Um abrupto pesar,
porém intenso medo.
Não consigo respirar
nem guardar segredo.

Tudo me corrói,
me alucina.
Medo que destrói,
terror que me atina.

Não tenho coisas bonitas pra contar,
por mais que as tenha.
É possível me sabotar;
não há paciência que me detenha.

Meu pavor acordaria os mortos,
meu grito ecoaria nos confins.
Deterioraria os corpos,
os anjos fariam motins.

Já estou acostumado.
Sonhos, nem tenho mais;
dessa dose estou viciado,
pavor ao invés de paz.

O vento me confunde lá fora:
parece passos, traços, anúncio.
Ouço coisas... ou está silêncio?
De lugar nenhum quero ir embora.

Sim! Quero fugir, mas de quê?
De todos, do meu próprio ser?
Eu não estaria livre, certamente;
a solução seria não nascer.

Depois do breve espetáculo,
uma mão invisível surge.
Me põe num receptáculo
e a passageira paz urge.

Nesse eterno ciclo resido,
nesse breve embate sigo.
Ora apelo ao diazepina,
ora me vejo eu comigo.

Não há luz no fim do túnel,
não há palavra nem sentido.
Há o gosto amargo do fel
e a hora do meu eu inimigo.

sábado, 27 de maio de 2023

Ferro de Madeira

 


“Para mim não faz diferença que o tipo de homem mais míope, talvez mais honesto, certamente mais ruidoso que hoje existe, nossos caros socialistas, pense, espere, sonhe, principalmente grite e escreva mais ou menos o contrário; pois o seu lema para o futuro, SOCIEDADE LIVRE, já pode ser lido em todos os muros e mesas. Sociedade livre? Sim! Sim! Mas sabem os senhores com o que ela é feita? Com FERRO DE MADEIRA! Com o famoso ferro de madeira! E nem sequer de madeira…”. (Nietzsche, A gaia ciência, §356, trad. Paulo César de Souza, São Paulo, Companhia das letras, 2001).

 

O termo "FERRO DE MADEIRA" foi a expressão usada por Nietzsche para se referir a algo que parece sólido, forte e confiável, mas que na verdade é fraco e pode se desfazer facilmente. Em outras obras ele usa o termo "pés de barro" - como na Gaia Ciência e, salvo engano, no Crepúsculo dos Ídolos - como mesmo sentido. 
No entanto, no trecho citado acima, Nietzsche usa a expressão para criticar a noção de sociedade livre, afirmando que ela é feita de uma falsa liberdade, ou seja, de uma ilusão que se desfaz facilmente. (Logo, percebe-se que não há liberdade alguma). 
A leitura das obras de Nietzsche é complexa e toca em questões profundas. Para compreender suas ideias, é necessário entender o contexto em que foram escritas e compreender suas críticas feitas em sua época. Apesar de ser um pensamento provocador e chocante, é fundamentado e tem um certo fundo de verdade. Nietzsche escreveu seus textos de maturidade enquanto estava doente, mas sua lucidez é notável e cabível nos dias atuais. Suas críticas podem deixar o leitor mais revoltado, seja com ele ou com seus algozes. Em resumo, CUIDADO! Nietzsche é um filósofo que pode machucar.

QUANDO O LEVIATÃ DORME, O LOBO ATACA.

Produzido por Gemini I.A. A cada novo tiroteio, barricada ou bairro dominado, o Rio de Janeiro parece confirmar uma antiga profecia filosófi...