sexta-feira, 18 de novembro de 2022

O DIA EM UM SEGUNDO



 Amanheceu, os raios do sol anunciam.

Os pássaros cantam, filhotes piam…

Há um movimento natural nas coisas pela manhã

e o pobre silêncio da madrugada anterior é amordaçado

Tirânico e real, novo dia

Eis que ele surge e nos coage ao movimento, a seguir em frente, a viver

Porém não é o que pretendo fazer

Não preciso obedecê-lo

É a escuridão e a madrugada, que me atentam

Me deixam com calor; em graus, à beira dos “40”

A mim elas se perpetuam

Sejam em vigília, sejam em meus sonhos

É uma vontade imensa que a intensa noite jamais termine

Não porque ela é agreste, acolhedora e silenciosa (e o é de fato),

mas por estar-lhe atado

Me comprazo e daqui não arredo

Quando nos segredos das sombras me adentro, desejo

que o Sol, em um segundo, porcorra;

voe por minha cabeça, se esconda atrás da montanha

para que de novo anoiteça.

Assim, que retornem o silêncio e a escuridão 

Entidades que me confortam o ser

Porque herdo o silêncio e abandono o que cansa os olhos

É o que mais gosto nas noites e madrugadas

Essa vontade de não ter vontade

Refletindo sem fazer nada

Ficar inerte, sem contato,

nem inteiro ou pela metade

Simplesmente não ser

Passar a não existir, porém presente, ciente

Embora que triste durante o dia,

mas feliz à noite com o imortal elixir

É durante esse momento que surge a veia anárquica

Tirar seu poder, fazê-lo ruir

Sair da teoria e por tudo em prática

Até aos confins noturnos, viajar

Nele estar e deixar meu suspiro

Eternamente noite, Lua, estrelas

Sonhos, alegrias, brincadeiras

A noite é uma criança

Nunca cresce, envelhece, sequer morre

Eu a torno assim e assim também me tornei:

Um Deus que nem atingiu a puberdade

Que tem diante de si toda eterna noite, espaço-tempo e liberdade

Jean-Paul Sartre: a liberdade. Somos livres mesmo?



Vou tentar ser breve no conceito filosófico de Jean-Paul Sartre, francês (1905 – 1980). Filósofo da corrente Existencialista, mas existencialismo ateu. Lembrando que para o filósofo francês, a existência de Deus, ou divindades não é ponto focal para sua filosofia. Sartre fala sobre a Liberdade. Seu pilar filosófico, naturalmente. A liberdade pertence a essência do humano, lhe é intrínseca. Não só somos livres, contudo, estamos condenados a isso. Condenados a sermos livres. Mas não é uma liberdade no senso-comum; não é essa a qual temos ciência, como de costume. Ou seja, fazer tudo o que der na telha quando as oportunidades nos batem à porta. Não é bem isso.


Todavia, existem outras definições: liberdade é você não ser servo da sua mente, inclusive da vontade desenfreada de ser livre. Ou melhor, segundo Kant, liberdade é você sobrepor a razão às pulsões, não se tornando refém delas. Entretanto, outro caso, não podemos nos tornar refém da razão em detrimento das pulsões – assim falava Nietzsche, contrapondo-se ao iluminista. Maquiavel definia a liberdade como ser fiel ao seu próprio Estado; para Etienne La Boétie, era simplesmente não servir, nada fazer ante a um governante, um tirano ou a quem quisesse lhe extinguir a liberdade ou pleno direito a escolhas por si só.


Mais um pouco sobre esse tema, temos uma alegoria e um fato: Primeiramente, o carcereiro e o preso, tanto um quanto o outro, estão condenados. Quiçá o carcereiro mais ainda que o preso, pois que o preso pode estar se sentindo mais livre do que muitos imaginam. Segundo, o genial, astrofísico Stephen Hawking, uma vez disse num documentário – desses de TV à cabo -, qual ele fazia parte: “Apesar de eu estar preso a esta cadeira e não mover nenhum músculo, minha mente é completamente livre e alcança os confins do universo.”


Tendo uma ideia já do que somos e podemos, na perspectiva de Sartre, podemos partir para uma próxima premissa: a escolha. Toda liberdade se submete à escolha – paradoxal essa submissão, totalmente avessa à liberdade. Então, ainda assim, por mais que não queiramos a nada escolher, ainda assim estamos fazendo uma escolha. Estamos condenados a isso. “Condenados a ser livres” – diz Sartre. Contudo, a partir desse ponto é que surgem alguns problemas, porque, escolhas requerem descartes, negações, deliberações e em paralelo a isso, responsabilidades Somos humanos, não advindo de nenhuma divindade, bastamo-nos por nós mesmos. Somos autossuficientes e responsáveis e somos a consequência das nossas escolhas.


É verdade, somos humanos. Sofremos – a morte e o sofrimento são os queridinhos da Filosofia, diga-se de passagem. Nossas escolhas geram angústias, crise. Não há como fugir disso: devemos escolher. E escolher é responsabilidade. Escolher é renunciar, é deixar algo. Isso nos custa e machuca muito. Imagina a gama de coisas que renunciamos durante o nosso dia-a-dia e, dentre essas, devemos optar por somente uma? O quanto de coisas descartamos, não é? E fica aquela reflexão: será que fiz a escolha certa? Isso veremos mais adiante*. A partir daí temos duas situações: Optarmos por algo, porém com certas angústias e futuras responsabilidades ou delegamos aos outros a escolherem por nós. Primeiro que, ao se escolher algo, da mesma forma os outros também o fazem. Daí há um choque de interesses, conflitos. Por exemplo, todos anseiam ao mesmo fim, ou a um idêntico desejo, ou objeto… Isso não é sadio. Acaba que um torna o outro como um inferno em suas vidas. Eis a famosa frase “o inferno são os outro”. E, em segundo lugar, todos nós nos burlamos. Com isso solicitamos ou deixamos que o próximo faça escolhas por nós – devido a conta das nossas angústias por tanto rejeitar opções -, jogando a própria sorte aos riscos de uma pessoa escolher errado por nós. E por que mais esse “sofrimento”? Porque aquele que não vive minha existência, minhas dores, minhas vontades, minha existência, não pode fazer uma perfeita escolha por mim. Para que haja liberdade devemos ter o poder da escolha; para a escolha, somente o indivíduo, sua deliberação, sua vontade intrínseca.


Sobre a escolha certa*: a alusão ao “preso e o carcerário” que Sartre tenta nos passar a ideia de liberdade: o preso reflete: “o carcereiro está tão preso quanto eu. Uma grade, dois homens. Quiçá eu ainda sou mais livre do que ele”. (Isto não se encontra escrito exatamente em Sartre [risos]). Sim, na verdade, a prisão ou a privação não está remetida somente ao corpo ou ao espaço físico, mas ao ato de pensar, se pronunciar, de ser/ estar. Ninguém pode nos impedir de pensar, de refletir, de desejar, sonhar e etc. Isso é liberdade para Sartre. Então, essa noção de liberdade é o estado de consciência, de uma escolha assertiva e, a partir disso, viver bem com ela. Esse movimento é um processo intrínseco que só o indivíduo pode passar, pode saber. Entretanto, lembrando que a liberdade é um fardo, gera responsabilidades.


Por fim, existe alguns entraves, alguns percalços externos que supõe-se atrapalhar nossa caminhada, nossa liberdade. Saiba que nada disso é impedimento. Nenhuma ação é impedida. Vide a alegoria do preso e o carcereiro, a vida de Stephen Hawking? Algo nesse mundo os impedia de escolher? De serem livres? Uma pessoa cega, por exemplo, tem privação de sua liberdade? Não enxergar o mundo não a faz completamente inútil. Esta pessoa ainda exerce plenamente suas faculdades, que lhe são inatas: os outros sentidos. Ela pode estudar braile, música, dança, trabalhar com as mãos, utilizar todo seu potencial intelectual e etc. Esses conceitos de Jean-Paul Sartre não são para reforçar e justificar àqueles que carecem de necessidades básicas. Pelo contrário! A liberdade não se afrouxa ante a necessidade, ela se relaciona. Seja de um cego, seja de um paraplégico. O conceito de liberdade, nesse caso de necessidade, não diz respeito àquilo que se precisa, mas àquilo que não pode ser diferente do que é. Uma pessoa pobre, talvez de uma favela, está privada, completamente, de fazer suas escolhas, de ser livre? (Cabe reflexão). Porém são nesses casos que a liberdade, segundo Sartre, torna-se um potencial para o indivíduo. Para o filósofo francês, isso é engajamento, é a autonomia da pessoa posta à prova diante de si; de livrar-se daquilo que ela não controla; de transformar-se, aliada à liberdade, ao poder de escolhas. Sempre haverá uma escolha, se intrínseca, se assertiva, haverá sucesso. Afinal, somos livres. Condenados a ser livres, não é? Portanto, é aproveitar sabiamente



A ESTRANGEIRA




Lembra-te, estrangeira, estavas comigo
Eu também era todinho teu
Saímos de um rústico abrigo
Rumo a luz, para bem longe do breu

“Olha o que temos à frente
Uma bela e vasta campina
Tão verde, de chão tão quente
Pronta para deitarmos em cima”

Eis que você se jogou na grama rasa
Deitada com um olhar faceiro
Como quem não quisesse nada
Convidou-me a ser seu parceiro

O campo tinha suas ondulações
Ficamos tão bem acomodados
A terra, dócil, pegou-nos no colo
Porém para manter-nos acordados

Não seria justo caírmos no sono
Na verdade nem havia como ou porquê
Estávamos ávidos demais não tinha como
Queríamos muito a uma coisa só fazer

Era algo como que programado:
Olhávamos nos olhos sem piscar
Com isso ficávamos arrepiados
nossos rostos começavam a corar

Você tocava suavemente meu rosto
Minha mão contornava tua cintura
Beijavamo-nos sem pressa, com gosto
Com todo o cenário: arte, bela pintura

Nossos corpos ardiam como magma
Ofegantes parecíamos dois tornados
Transpirávamos como a uma enxurrada
Gemidos e sussurros um som orquestrado

Na aromática relva rolávamos
Como folhas soltas ao vento
Daquela forma nos amávamos
Apenas nós, por nós, sedentos

O Sol era única testemunha
Seus raios a nós banhavam
Nu, riscavam-me gramas e unhas
Nua, tua úmida tez se bronzeava

Nossos movimentos tremiam a Terra
Chocávamo-nos fortemente contra o outro
Parecíamos, estrangeira, estar em guerra
Não por petróleo, território ou ouro

Em meu corpo queria-te plenamente
As pulsações marcavam nosso ritmo
Tu também me desejavas internamente
Explorando lentamente todo teu íntimo

“Está tudo bem intenso, marcante
Sentiste-me quente, latejante
Tu, estrangeira, rosa desabrochada
Macia, lisa, cheirosa e molhada”

Eis uma bela manhã que não terá fim
Estamos ainda aqui, deitados, pensando
descansando agora em um florido jardim
Com nossos tesões ainda pulsando

Tudo bem?



Você pode me ouvir?
Eu sei que pode
Quem melhor pode me ouvir
que eu mesmo?
Sei que tem horas
que não se escuta nada

Deixe a chuva cair
O vento soprar
Atente-se aqui
ao que tenho a falar

Vendo nossa flor murchar
O que é força, relaxar:

O desatino jaz
Está acomodado
Não nos deixa em paz
Se sente coroado

Aquele nosso sono pesado
Só há parede para amparar:

A angústia predadora
Nos caça todo dia
Das atitudes pecadoras
dos corações que ela partia

Precisas me ouvir,
precisamos conversar
Agora que você me ouviu
É a tua hora de falar

Cadê você?

 


Byung-Chul Han: “O celular é um instrumento de dominação. Age como um rosário”


“Filósofo sul-coreano, uma das estrelas do pensamento atual, se aprofunda em sua cruzada contra os ‘smartphones’. Acredita que se transformaram em uma ferramenta de subjugação digital que cria viciados. Em uma entrevista exclusiva ao EL PAÍS, Han afirma que é preciso domar o capitalismo, humanizá-lo”.


***


Já dizia David Hume, filósofo escocês do século 18: “O homem é um ser racional e, como tal, recebe da ciência seu adequado alimento e nutrição”. Porque o homem é, além de racional, ativo; afetivo, sociável. E Hume diz mais, “‘Satisfaz tua paixão pela ciência’, diz ela, ‘mas cuida para que essa seja uma ciência humana, com direta relevância para a prática e a vida social’”. As citações estão em sua obra, Investigação sobre o Entendimento Humano. UNESP. 2004. O contexto se refere às diversas ciências que estavam brotando no seu tempo, umas bem claras e objetivas – com o advento do iluminismo -, outras obscuras e nada benéficas ao homem – tratadas como supersticiosas, abstrusas. No entanto, e hoje? O que nos afeta de modo prejudicial e o que nos traz progresso?


***


Em tempos de TikTok, Kwai, Snapchat, Facebook, Instagram, a obsessão por si mesmo faz com que não existam mais o “próximo”, o vizinho, o amigo, o outro. “Os outros”, na verdade, se tornaram apenas Dados, Informações, uma conexão estabelecida, um usuário online. E assim o somos também para o outro, e para o outro, e para o outro… Essa é a Rede.


Com isso, o mundo, a realidade que nos cerca, não passa de um reflexo de nós mesmos. Porque, não existe o próximo, ou alguém vivo e real que emite sons, imagens da mesma forma; bem como emoções reais e vivas, na via de mão dupla que chama afeto. Não afetamos, não somos afetados. Não há mais relações. Há somente alguém isolado, absorto em seus próprios pensamentos e apreensões virtuais.


Por isso, só existimos nós mesmos: ilhados, sozinhos diante de nossas lisas telas de caríssimos (em duplo sentido) smartphones. Tudo o que aprendemos – cada um em sua bolha exclusiva – são, nada mais, que o labor de nossas mentes que captam e interpretam tudo o que está do outro lado de uma outra telinha: geralmente não sincronizado; geralmente irreal; falso (fake). O que tempos diante de nós é um monte de coisas inexistentes, produzidas para nada, em meio ao nada: o virtual.


Portanto, onde se encontra, hoje, o contato íntimo, o cotidiano, o erotismo, o romance, a socialização ao vivo e à cores? As diversas horas conversando com amigos e família, se entretendo… Cadê? Ora vendo e sendo vistos, ora tocando e sendo tocados – mas sem nenhuma “AMOLED” transmitindo algum MP4, MPEG, GIF, MP3; sem nenhum filtro ou likes, views… Não! Não precisamos de nada entremeando nossas relações. Entre um indivíduo e outro, deve-se ter ar e não vidro.


Enfim, cadê “nós”? Cadê os seres humanos – antes dos filtros, das máscaras, de tantas identidades e maquiagens virtuais que estão em criação atualmente? Como nos comunicamos, como sentimos afeto, como amamos, nos dias atuais? Dias onde nos encontramos afogados em Nada, através dos Dados, da Alta Tecnologia, do Virtual. Cadê o ser humano?


Observações. (i) Não que eu seja completamente contra o avanço tecnológico, contra toda a Tecnologia da Informação ou a Internet, não é o caso. Porém, a forma como aproveitamos essas coisas, a forma como usufruímos-na, além de os benefícios que, talvez, estejamos disperdiçando com tudo o que nos cerca, de tecnológico, isso é o que está deixando a desejar, está muito banalizado. (ii) Além do mais, há a crítica do Byung, contra o mercado, contra o capitalismo. Porque, mesmo que estejamos alimentando os nossos próprios carrascos, digo das empresas/ indústrias do ramo e, com isso, fazendo a economia girar, o capital circular – que é muito bom por sinal -, estamos, também, é nos envenenando na mesma proporção. (iii) Deveríamos pensar numa “dieta” para consumir a tecnologia, a Internet? Quais atitudes tomarmos, visto que nossa saúde é, nototiamente, afetada por esses produtos todos? Por outro lado, em se evitar o consumo dos produtos tecnológicos, por exemplo, qual impacto na vida do mercado financeiro tais atutides trariam? Isso, com certeza, iria refletir também na nossa vida, quer queiramos ou não. Iríamos, com esse jejum, definhar, perecer. (iv) Então, como resolver esse, vamos dizer, impasse



PK, o filme

 


Hoje lhes trago o filme da excelente produção indiana, de Bollywood, “PK” (2014). Este gostoso e divertido filme foi dirigido por Rajkumar Hirani e escrito por Hirani e Abhijat Joshi. Além de divertido, bem animado – como de costume bollywoodiano, ter musical também – o filme é de cunho altamente filosófico, principalmente sobre questionamentos sobre Deus, Filosofia da Religião, da Linguagem e… sobre nós mesmos, inseridos nos contextos supracitados.


O filme trata de um alienígena que veio estudar a Terra, mas aqui fica preso porque seu comunicador foi roubado e vendido a um guru salafrário. A partir daí, solto “no mundo”, o “Tonto” – como passa a ser chamado na Índia – experimenta muitos aspectos da humanidade, incluindo toda a nossa cultura e costumes – nisso aí, há críticas, bem como, situações muito ilárias. Em sua “estada” aqui, ele acaba conhecendo algumas pessoas bacanas, entre elas a repórter Janani Sahni.


Pois bem, sobre a chegada desse extraterrestre o filme propõe questionamentos muitos reais sobre nossas diferenças, nossas diversas sociedades e formas de se viver em comunhão e, as ácidas críticas de se valorizar cultos religiosos ao invés da solidariedade humana. Com isso, vos digo “Em nome do céu, nega-se a terra”. (Parafraseando Nietzsche, em Crepúsculo dos Ídolos).


Sobre a fantástica Índia, é um país repleto de religiões e com pouquíssimos ateus/ agnósticos. Obviamente, sabe-se que lá predomina o hinduísmo – mas há cristianismo, Sikhismo, islamismo, etc e gurus diversos – e o filme sabe explorar e brincar muito bem com isso. Tudo sem ofensas ou julgamentos sobre a fé alheia; sabe-se, também, que a Índia possui uma das maiores populações do mundo. Portanto, eis um caldeirão cultural gigantesco – pouco acessado por nós, aqui, ocidentais – de uma cultura vasta, antiguíssima e muito rica. Vale a pena conhecê-la, mesmo que por detrás de uma tela, assistindo ao “PK”, e as aventuras de um “tonto”.


Nesse ritmo, o filme leva uma proposta muito desafiadora, que é o questionamento da religião, ou de Deus, propriamente, em plena Índia!, e isso de forma muito engraçada, inteligente e ácida, certas vezes. Ademais, não só o questionamento da religião, mas das ações humanas ante a isso tudo. 


Por conseguinte, para que os questionamentos do ET (ou “Tonto”) surtam efeito, jus à população indiana, a produção do filme (estou conjecturando) achou viável recorrer à imprensa. A partir da particiapação maior do Telejornal nota-se, ora um grupo agnóstico/ ateu, ora religiosos que desejam desmontar falsos profetas e deturpadores religiosos. Isso me remete ao “Não olhe para cima” (2021), só que no lugar da ciência é o Telejornalismo indiano; no lugar dos negacionistas atuais, os falsos profetas e cegos religiosos.


Outras obras cinematográficas me vieram à lembrança enquanto eu via “PK”: “A Vida de Brian” (1979) do grupo de comédia inglês, Monty Python (disponível também no Netflix), por seus momentos de fazerem chorar de rir, inteligentíssimos, com suas sátiras religiosas, porém sem ofender qualquer religião, e o filme “Deus não está morto” (2014) – tendo, esse último, um erro conceitual sobre a questão trazida por Nietzsche, que é “Deus está morto”. (Ignorem Nietzsche, por enquanto, porque o filme traduziu a questão erroneamente).


Contudo, os debates se, sim, Deus “morreu”, ou não, entram em “PK”. Sobre a fé, sobre essa “conexão” entre o divino e o mero humano, há uma referência usada, analogamente, como “chamada telefônica” (pequeno spoiler, rs), além de tantas outras questões que ora nos brota na consciência, ora o filme nos injeta propositalmente.


Diversão garantida! Protagonistas simpatissíssimos, demais atores excelentes, produção maravilhosa e diálogos interessantíssimos – conforme explorado acima -, um excelente filme. Recomendo! Além do romance que é o filme em si, há uma paixão. O que é inevitável entre nós, humanos, me parece que, também, o é entre os seres extra mundanos, Ah! O amor… 


E, por fim, se Deus existe mesmo ou os homens são mentirosos que inventaram-No para pôr-nos em rédeas e/ou conquistar riquezas as nossas custas, recomendo atentarem-se ao final do filme. Não que se deva concordar, ou não, mas é a tese do filme.


Obs: “PK” não é uma obra um tanto dura em seus questionamentos. Além disso, ela tipo não se mostra perder a fé tanto Nele (“Neles”, rs, porque são vários deuses) quanto na humanidade – repito, embora questione muito tudo isso inteligentemente



Amor e anarquia




É… Divertida, descontraída e engraçada. A série europeia é passada em Estocolmo (Suécia) e, embora tenha alguns dos mesmos “blá blá blás” previsíveis das comédias românticas, em linhas gerais, esta possui um encanto suficiente, a sui generis. É capaz de surpreender aos apaixonados pelo gênero.
Não tem muito apelo erótico (pelo menos não achei rs), bem como não é muito moralista, ou politicamente correto.

Os capítulos são curtos, caem muito bem e deixam gostinho de… quero mais! 

Eis o que se verá em Amor e Anarquia: “Uma consultora casada e um jovem da área de TI se desafiam em um jogo que questiona as normas morais e que leva a consequências indesejadas” (e um tanto cômicas).

93% gostaram desse programa de TV na Netflix. Em breve segunda temporada

Amor e anarquia 2

 


– Foi daí quando decidi que não ia acabar como você. Desde então toda minha vida tem girado em torno disso. Cada passo, cada pensamento, tudo o que eu faço é para você…

– Eu sei disso, eu entendi. Eu sei disso…

– Você desapareceu nos seus próprios pensamentos e em fantasias em vez de ficar comigo. Você achou mais importante ficar preocupado com a situação política do mundo do que ficar comigo. Como pode fazer isso?

– Eu queria me rebelar, eu acho. Mas sabendo que podia fazer isso, fiquei preso em algum lugar no meio de tudo isso.

– Eu nunca vou ser como você…

– É… Eu também torço por isso. Eu ficaria muito chateado se você fosse como eu.


Um diálogo da série “Amor e Anarquia”. Netflix.

Nele, tal pai, tal filha, dialogam: suas rebeldias são da mesma estrada, porém de “mãos” opostas.

Além do mais, mais uma lição, atentem-se: O que muito promete libertar, aprisiona. O que oferta muito progresso, limita ou regride.

Vejam, geralmente os lados extremos das ideologias políticas partidárias são tão prejudiciais – expostas no diálogo – a ponto de um pai esquecer que tem uma filha e (não sei o que pode ser pior) de ele vir a terminar em um centro psiquiátrico por conta de sua ideologia, que o aprisiona, que o impede de ver quão belo é o mundo e as pessoas – inclusive sua família.

Lhes digo, vivam! Mas apenas as suas maneiras. Sem ordens, sem hierarquias, sem ideais superiores que buscam um mundo perfeito e belo em um lugar desconhecido – quiçá inexistente -, através de promessas surreais, incompatíveis com vossas realidades.

Vivam aqui e agora. Vivam para vocês. Para suas famílias, seus próximos. Sejam leves consigo mesmos, livres, estejam bem.

Além do mais, não procurem ninhos de vespas ou covis de lobos como aperfeiçoamento intelectual ou como prática caridosa do dia a dia – de boa intenção o inferno está cheio! Você mesmo(a) pode fazer isso sozinho, por si só e, melhor, sem nada em troca; sem o peso de chumbo da moeda de troca que lhe cobram em cada sua investida.

Todavia, tudo bem que o façam, que pratiquem caridades, que ajudem ao próximo, que se ajudem também. Mas que isso tudo seja como em Mateus, versículo 6: sem trombetas, ou de pé nas sinagogas fazendo anúncios, buscando “likes”, “hastags”, reconhecimentos coletivistas e ou plaquinhas como aquelas de funcionários do mês… O mundo não precisa de vocês se autopromovendo através de “caridades”, ninguém precisa saber que você é bom. Apenas você. E o seja!

Por fim, vivam somente do seu jeito, sem mais! Busquem-se, aceitem-se por si só e não pelos outros. Deste modo, encontrarão, assim, de verdade, a liberdade e o progresso em vosso íntimo: o seu mundo perfeito interior, o seu mundo interior perfeito.



Trechos e contextos

O que está em jogo na questão das identidades?


[…] uma situação concreta e do que está “em jogo” nessas contestadas definições de identidade e mudança, vamos tomar um exemplo que ilustra as consequências políticas da fragmentação ou “pluralização” de identidades.


Em 1991, o então presidente americano, Bush, ansioso por restaurar uma maioria conservadora na Suprema Corte americana, encaminhou a indicação de Clarence Thomas, um juíz negro de visões políticas conservadoras. No julgamento de Bush, os eleitores brancos (que podiam ter preconceitos em relação a um juiz negro) provavelmente apoiaram Thomas porque ele era conservador em termos de legislação de igualdade de direitos, e os eleitores negros (que apoiam políticas liberais e questão de raça) apoiariam Thomas porque ele era negro. Em síntese, o presidente estava “jogando o jogo das identidades”.


Durante as “audiências” em torno da indicação, no Senado, o juiz Thomas foi acusado de assédio sexual por uma mulher negra, Anita Hill, uma ex-colega de Thomas. As audiências causaram um escândalo público e polarizaram a sociedade americana. Alguns negros apoiaram Thomas, baseados na questão da raça; outros se opuseram a ele, tomando como base a questão sexual. As mulheres negras estavam divididas, dependendo de qual “identidade” prevalecia: sua “identidade” como negra ou sua “identidade” como mulher. Os homens negros também estavam divididos, dependendo de qual fator prevalecia: seu sexismo ou seu liberalismo. Os homens brancos estavam divididos, dependendo, não apenas de sua política, mas da forma como eles se identificavam com respeito ao racismo e ao sexismo. As mulheres conservadores brancas apoiavam Thomas, não apenas com base em sua inclinação política, mas também por causa de sua oposição ao feminismo. As feministas brancas, que frequentemente tinham posições mais progressistas na questão da raça, se opunham a Thomas tendo como base a questão sexual. E, uma vez que o juiz Thomas era um membro da elite judiciária e Anita Hill, na época do alegado incidente, uma funcionária subalterna, estavam em jogo, nesses argumentos, também questões de classe social.


A questão da culpa ou inocência do juiz Thomas não está em discussão aqui; o que está em discussão é o “jogo de identidades” e suas consequências políticas. Consideremos os seguintes elementos:


* As identidades eram contraditórias. Elas se cruzavam ou se “deslocavam” mutuamente.


* As contradições atuavam tanto “fora”, na sociedade, atravessando grupos políticos estabelecidos, quanto “dentro” da cabeça de cada indivíduo.


* Nenhuma identidade singular – por exemplo, de classe social – podia alinhar todas as diferentes identidades com uma “identidade mestra” única, abrangente, na qual se pudesse, de forma segura, basear uma política. As pessoas não identificam mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe; a classe não pode servir como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas possam ser reconciliadas e representadas.


* De forma crescente, as paisagens políticas do mundo moderno são fraturadas dessa forma por identificações rivais e deslocantes – advindas, especialmente, da erosão da “identidade mestra” da classe e da emergência de novas identidades, pertencentes à nova base política definida pelos novos movimentos sociais: o feminismo, as lutas negras, os movimentos de libertação nacional, os movimentos antinucleares e ecológicos (Mercer, 1990).


* Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de política de identidade (de classe) para uma política de diferença.


HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Laparina. 2015



33 anos depois – um número bem simbólico – Exu é vingado! Parabéns à G.R.E.S Acadêmicos do Grande Rio

 


Em 1989 – data marcante em comemoração dos 100 anos da República no Brasil -, a G.R.E.S Beija-Flor de Nilópolis fez um desfile revolucionário. Este desfile histórico, com o enredo “Ratos e urubus, larguem minha fantasia!”, falava sobre o lixo, críticas sociais, favelas, moradores de rua e tinha como seu principal – vamos dizer – protetor, Lebara, ligado a Exu. Por uma infelicidade, os jurados justificaram “palavras de outras línguas” e “incompreensibilidade” na letra do samba e tiraram nota da escola dizendo não haver contexto. A Beija-Flor amargurou o segundo lugar. Uma pena… Bastava saber que Candomblé lidava com isso e quem era Lebara e o seu significado (em yorubá). Ou seja, o refrão “Leba larô ô ô ô ô / Ébo lebará laiá laiá ô”, tirou o título da Escola naquele ano.


Em contrapartida, a campeã, G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense trazia o “luxo e a nobreza” do Império e a passagem para a República; a abolição da escravidão sob a lei assinada pela princesa Isabel e uma nova vida de liberdade e alegria para os ex-cativos. (Contestadíssimo, atualmente, esse fato. Mas não vem ao caso). Com o samba “Liberdade, liberdade! Abra as asas sobre nós”, bravamente, a Imperatriz foi a campeã daquele disputadíssimo ano.


Particularmente, achei um resultado injusto. A Beija-Flor deveria ter ganhado. Para mim, com todo respeito à gigante Imperatriz, o título deveria ficar em Nilópolis. Até hoje se comenta aquele desfile. Quem narrou, ficou em êxtase; quem estava lá, viu algo surreal, viu uma história sendo contada se transformando em história. Que carnaval! Acompanhei, com meus 10 anos de idade, mas em casa, pela TV.


Hoje, enfim, temos Exu novamente em destaque, mas agora ocupando o título máximo da festa popular, o único rei em sua coroa por direito. Sua celebração vai ser regada à cachaça, acaçá vermelho, farinha de milho amarelo mergulhada no dendê (rs), pimenta, cebola, muita carne e muita alegria! Eis o mínimo que se deve ter como celebração, hoje, na GRES Grande Rio. Lindo desfile, linda homenagem, justíssimo título! Salve Exu, Salve Lebara, Salve o Candomblé, a Umbanda e todas as demais religiões de cunho africano.



Trechos e contextos - Sujeitos.

Dentre três concepções de sujeito, há duas interessantes. A primeira, pode-se dizer do "sujeito cartesiano" - o advento do indivíduo no "centro do Universo". Grande parte da história da Filosofia Ocidental levou essa concepção de sujeito, que consiste em reflexões sobre seus poderes e capacidades depois de uma espécie de deslocamento de Deus do centro do Universo e de toda uma Filosofia, até então, pautada Nele. Sobre isso, partindo do sujeito que pensa e age por si, até a uma concepção de Deus, Descartes elaborou duas substâncias distintas. Pode-se dizer que são “matéria” e “mente”. Sobre a mente - adiantando muito o assunto -, o filósofo francês pôs o sujeito individual no centro das tomadas de decisões e capacidade para produzir, constituído por sua capacidade para raciocinar e pensar - o famoso "(eu) penso, logo existo". Desde então, esse vinha sendo o sujeito racional, pensante e consciente no centro do conhecimento.

(HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Laparina. 2015).


Diferentemente do sujeito descrito acima, a segunda concepção vem afirmando que ele é tratado como aquele que não é dono de seu discurso, nem de sua vontade. Ou seja, sua consciência é produzida fora dele. O que leva ao sujeito a não saber o que diz, nem o que faz, ou seja: “não pensa”, logo “não existe”. Considerando isso, quem fala é um sujeito anônimo, social, coletivo; um sujeito dependente, repetidor. Ele tem apenas a ilusão de ser a origem de seu enunciado. Fato que a ideologia utiliza para fazê-lo pensar que é livre, que diz o que deseja. Isto é, esse sujeito está, de fato, inserido numa ideologia, numa instituição da qual é apenas porta-voz - uma antena repetidora. Porque há um discurso por trás dele, que o utiliza como replicador, sem filtros, de discursos já prontos. Os enunciados não têm origem no sujeito, e são em grande parte um emaranhado que já se perderam de sua origem, apenas vagam por aí. Ademais, por fim, os sentidos que os enunciados carregam são consequência dos discursos que pertencem a outras instâncias, as RELIGIOSAS, POLÍTICAS E SOCIAIS.

(KOCH, Ingedore. Desvendando os segredos do texto; Cortex Editora).

Soneto onde o vento parou na curva

Aos meus olhos ela se põe

Como uma santa ao devoto

Delicadeza que nela eu noto

Além do mais que ela expõe


Deveras pura é sua tez

Me atenho à forma sinuosa

Bela, porém, curva perigosa

Acidento-me em minha timidez


Gosto quando encara sem pudor

Não és lá uma santa eu sei

Contudo tem tamanho valor


Em seu ardente olhar esbarrei

Tudo em meu corpo é só calor

Confesso, amor, logo me apaixonei

terça-feira, 15 de novembro de 2022

O Mal



O Filme ”O Ritual” (2011) trata do percurso de um seminarista cético e decidido a abandonar sua vida como religioso na igreja católica. Durante este processo, seu superior o orienta a passar um período no Vaticano para estudar rituais de exorcismo - talvez com intuito de o jovem noviço reforçar sua crença. Nesse ínterim suas dúvidas e questionamentos só aumentam, porque é nítido o ceticismo ante a teologia, sobre a questão do bem e do mal e, enfim, a descrença em Deus, quando nada de novo acontece nestes dias. Eis que surgem alguns acontecimentos, que é a grande virada no filme, que faz o jovem seminarista ganhar uma forte crença por conta de um caso intrigante de exorcismo: não uma crença em Deus e Seus milagres - primeiramente -, mas no mal e suas artimanhas. Então, surge uma questão lógica: primeiramente, seu ceticismo o deixava no mesmo lugar: não tinha fé no mal, nem em Deus; ademais, sua descrença em Deus não era condição para crer que o diabo existisse. Todavia, uma vez que ele passa a crer em uma das duas situações, no caso, que o mal existe, logo, o seminarista passa a crer no bem também. A partir de então, com esta constatação, com sua crença em Deus, Ele passa a representar o bem supremo e o diabo o mal equivalente.

Confesso que, após assistir ao filme, fiquei muito crente na existência de um mal; um mal que nos ronda, que nos observa e nos tenta. Obviamente um mal externo que eu não sabia explicar, mas tinha fé que existia. Estranhamente, eu nunca ousei questioná-lo; jamais tive a coragem de enfrentá-lo ou, sequer, ignorá-lo por completo. Criei a ideia de mal e passei a temê-lo, a respeitá-lo. Concebi algo inexistente.

Entretanto, com o passar do tempo, através do exercício filosófico natural da nossa existência, em princípio, percebi que ao longo da nossa existência houve um processo de idealização em respeito a este tema: o mal. 

A começar pela Ilíada, de Homero, através dos seus belos registros, houve, na Grécia antiga, uma exaltação à bravura, aos guerreiros, à busca pelo reconhecimento e pela eternização de seus feitos. Não havia espaço para fracos, medrosos, covardes. As lutas eram marcadas somente entre os nobres homens e, inclusive, deuses. Sim, deuses brigavam, tramavam e apoiavam, alguns, os gregos e, outros deuses, os troianos. Via-se também que os deuses conviviam, estavam presentes. O Olimpo era aqui na Terra, um pouco acima das nuvens; havia morada também de outros deuses nas profundezas dos mares e da Terra. 

Dentro desse universo, podemos ver que não havia um fundamento moral, uma verdade, não havia ideia do mal - do que era a maldade - e, consequentemente, do bem - e suas bondades. Já nos primeiros cantos da Ilíada, via-se invasões de terras, povos escravizados e mortos de formas cruéis. No entanto, aquilo tudo era o que era. Os jogos entre os deuses; as batalhas interpessoais; as belas escravas, Criseida e Briseida, sendo manipuladas em disputas; Helena deixando seu marido, Rei de Esparta, numa fuga com Paris… Tudo sem o mínimo senso de moral, de zelo; nenhum princípio era posto à frente das atitudes, nenhum respeito mútuo e tudo aquilo com a aprovação ou retaliação dos deuses.

Séculos depois, ainda no ocidente, com o decálogo de Moisés ao advento do cristianismo, algumas noções foram ganhando forma e lugar. As leis que Deus teria dado a Moisés seriam uma forma de compreender todas as nossas ações enumeradas em dez deveres. Eis as leis definitivas para que o indivíduo levará consigo para se ter uma vida virtuosa. Esta espécie de princípio da moralidade foi se alastrando, se estabelecendo e, a partir daí, algumas coisas foram postas em margens opostas do rio da vida. Bem e mal foram inculcados nas mentes daquela época: virtude e vício, certo e errado, pecado e obediência e, por fim, Deus e o Diabo. Aquele que não caminhar nas linhas definitivas dos mandamentos, será considerado um pecador, um violador das leis e portanto, o mal - sem contar o mundo das ideias e o mundo dos sentidos, onde que se foi criado um mundo externo para aplicar neles todas as imperfeições que assombravam a nossa realidade mundana.

Mais séculos à frente, um filósofo chamado Immanuel Kant, tratou de reduzir praticamente todas as nossas atitudes em uma só, em um só “mandamento”, ordinariamente a chamada de "regra de ouro”. Eis o seu famoso conceito de imperativo categórico. Isso é até coerente, porque, o ser humano não podia estar limitado a apenas dez atitudes a cumprir para se estar dentro das benesses mundanas e suas relações. Isso até procede, porque, em vista dos dez mandamentos, o que dizer de uma pessoa que não viola nenhuma lei, mas que de alguma forma prejudica o outro? Não há um terceiro excluído neste jogo de bem e mal da moralidade cristã: ou a pessoa é boa, porque segue os mandamentos, ou é má porque as viola. Porém , nossas atitudes são milhares… O nosso agir, nossas relações. Somos afetados diversas vezes, quiçá em um único instante. Então, apenas dez leis não seriam suficientes para julgamentos certeiros sobre milhares de ações. Dessa forma, sendo impossível ampliá-las ao infinito, o sensato foi resumi-las em uma só. Uma que abarcasse todas as nossas atitudes. Uma lei que pudéssemos dizer: o que eu fiz foi bom. Com este único “mandamento”, Kant sintetizou todas as nossas ações, de todas as pessoas e de todos os lugares e tempo. 

Para não me estender muito, pararei em Kant para retomar ao questionamento que me fez demolir algumas destas questões supracitadas aceitas como verdades irretocáveis sobre o bem e o mal. Supondo, primeiramente, que existam fora da nossa psiquê: seriam eles entidades fora da nossa realidade, questões externas a nossa existência? Se sim, teremos que assumir um “fora” da nossa realidade. O que seria impossível, pois uma realidade primeira não pode criar outra realidade fora dela. Aceitável seria uma realidade criar algo para dentro de si, em seu universo. Logo, descarta-se a possibilidade de haver um bem e, concomitantemente, o mal externamente, transcendente. 

Em segundo lugar, supondo que o bem e o mal são imanentes, que estão em nossa realidade, então, não foram criados por nada externamente a nossa existência. Se isso procede, quem cunhou o bem e o mal? Como e quando se bateu o martelo sobre o que é o bem e o que é o mal? E mais: isto já veio escrito, anterior a nossa existência? Quem o escreveu? - e, se alguém ditou estas regras antes mesmo de nossa existência, já cai na contradição de algo ter dito do bem e do mal fora da nossa realidade - pois entendemos que não há nada exterior a ela. No máximo pode-se dizer que o bem e mal são criações de convenções das próprias pessoas. 

Mas agora, outra questão: se bem e mal foram criados, o foram em algum momento; então, que momento foi esse? Por quais pessoas? Algum papa, algum rei, antigos filósofos, os primeiros habitantes da Terra? Será que o pensamento destes, seja do indivíduo, seja de um coletivo, abarca todo e qualquer ser humano de cada canto deste planeta e de tempos diferentes? O que seria bom para os hindus de 3 mil anos atrás também era para os egípcios da mesma época? Quem era a medida para todo o bem e o mal a ponto de eternizá-los como bem e um mal supremo? Qual era a régua, qual balança que se usou para medir o bem e o mal? Então, com certeza, pode se dizer que esta aplicação de bem e mal é subjetiva; é um julgamento individual e diversifica-se com o tempo, com as vivências, com contextos distintos. Logo, não se tem uma equidade para se dizer o que que é bom para um indivíduo ou para um povo em espaço e tempos díspares. 

Portanto, uma moralidade que traz a ideia do que é bom e o que é mal está, analogamente, em uma correnteza, em um fluxo quase que heraclitiano, onde que não se pode entrar duas vezes no mesmo rio - quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou: a mesma coisa se dá com esta sensação de bem e mal. Não há uma ideia fixa, eterna de bem e mal. Estes quesitos morais, adotados por aqueles que acreditam em algo superior transcendente, estariam - caso entende-se que há um bem e um mal exterior - em constante devir. Sendo assim, seria correto afirmar que a ideia de bem e mal são fincadas em bases nada firmes, sob fortes correntezas. 

Ademais, é importante entender que, o que existe, de fato, é a nossa potencialidade, nosso agir, nossa relação para com o próximo e que vão se modificando conforme o tempo vai perpassando nossas vidas e trazendo outras, com novas experiências e potencialidades - dado que não existe nada sobrenatural, nada além da natureza, externamente, que rege os acontecimentos do mundo. Esta questão, pois, traz-nos um problema. Se cremos que nos acontecimentos há uma ordem para além de nosso mundo, entendemos que esta ordem precisa ser obedecida, compreendida, que nos conforta e, assim, possamos seguir nesta ordem de mundo perfeitamente. Isto porque acaba surtindo, em nós, um efeito moral, pois esta ordem é vista como a verdade plena. Agora, se acontece um evento fatídico, por exemplo, uma injustiça, qual não se consiga compreender, aplicamos-na a este ordenamento verdadeiro externo, com finalidade de uma busca lógica, racional, para que expliquemos e nos consolemos diante da triste injustiça. Portanto, julgamos o que é mau àquilo que não conseguimos compreender, aquilo que foge a nossa compreensão.

Por fim, com base nestes conceitos da negação do bem e do mal, Spinoza e Nietzsche entendem de formas semelhantes o conceito em si, porém há uma leve distinção entre eles. Para Spinoza, o bem e mal são medidos por nosso estado de alegria ou tristeza e que, tais estados, sob a ação dos afetos, podem amplificar ou não nossa potência de agir. A partir disso o filósofo holandes diz que ainda que tenhamos um conhecimento real do que é o bem e o mal, não poderemos refreá-lo - não enquanto conhecimento real, mas sim como um afeto. Portanto, para Spinoza, bem e mal é um julgamento subjetivo em meio a afetos sob uma rede complexa de potencializações. Por outro lado, para Nietzsche, bem e mal surgem de interesses de classes, precisamente, da maior potencialização de uma classe em detrimento de outra. Assim, sua investigação se dá de forma histórica e crítica da maturação dos conceitos morais nas sociedades. De fato, o conceito de bem e mal, nasce do antagonismo das classes sociais, onde Nietzsche procurou investigar a historicidade das alterações que a moral veio sofrendo. Neste sentido, ele percebeu que as palavras bem e mal expõem uma a psiquê com origem no platonismo onde despontou o espírito de ressentimento contrários aos valores naturais da nobreza e da classe guerreira; isso provocou as classes inferiores, que tentavam usar tais valores para si invertendo-os. Além disso, é com o advento do cristianismo que consolida-se a ideia de que o que é bom é aquilo que é humilde e sem força em contrapartida daquilo que é forte e nobre, que é tido como algo ruim e, consequentemente, mal. Portanto, para Nietzsche, bem e mal é pensado de forma que o homem é, por natureza, um ser dominante, porque, lhe é intrínseco os instintos de dominação. Além do mais, a partir de uma perspectiva geral, há um julgamento mútuo, objetivo, entre as redes complexas de potencialidades das que dominam e das que são dominadas.


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