sábado, 7 de abril de 2018

Porre nº 1


Tratarei de escrever em porres, alguns temas que simplesmente vagueiam por minha cabeça. A cada porre, um bilhão de pensamentos. E como eu estou racionando tudo, não quero desperdiçar meus devaneios. Vou tentar moderar. Não quero vomitar tudo de uma vez, pois um porre não é lá algo muito prazeroso para ficar se esbanjando assim.

Dando início então, a um assunto qualquer, gostaria de falar sobre trabalho. E lembro uma vez, que, não sei quem foi que disse que trabalhar muito, arduamente, é digno e salutar. Algumas cabeças ilustríssimas entendem “relações de trabalho” como se fossem Matemática ou Física. Por exemplo: Se eu trabalhar carregando peso, ou fazendo esforço extra-humano, é mais honroso à trabalhar sentado/ parado. Parece que a dignidade vem na proporção do esforço feito no trabalho com pernas e braços. E o resultado: o salário no fim do mês, grana $². Mais força (Newton), mais sacrifício, maior salário $. Seria justo pensar assim? Karl Marx seria um bom nome para essa ideia, essa visão do bagulho, lá no século 19. Mas não quero falar dele, nem de nenhum outro, exceto Nietzsche (risos). Mas voltando a todo esse cálculo financeiro (Matemática), e a grandeza escalar e vetorial (Física), naturalmente, vemos que só o patrão enriquece e o funcionário só contrai dívidas, independentemente de muito esforço ou não. E isso se tornou tão natural que, não só algumas pessoas não enxergam, como se ofendem, sob tais argumentos.

Ademais, somos exemplos vivos do que venho a apresentar. Veja bem… Uma pessoa, que vou chamar de Frederico, trabalhou por 20 anos, carregando peso. Recebia x por seu, literalmente, esforço (x . Newton). Este, depois dos 20 anos e 1 dia, veio a se aposentar. No mesmo dia de sua aposentadoria, a empresa, qual o sr. Frederico vendia seu esforço, bate recorde de arrecadação. Ou seja, lucro $! E com isso outra filial surgiu. Frederico pagou suas dívidas e comprou uma TV de plasma, com o dinheiro da rescisão (e isso nos melhores dos mundos), uma vez que o recém aposentado recebeu os direitos trabalhistas de vinte anos de trabalho. (Ele comprou um televisor e não outra casa). Já a empresa, não tem aposentadoria, não recebe salários, não tira férias, mas, também, não se endivida... Pelo contrário! Continua recebendo, lucrando e faz com que entre ela e seus funcionários, se estenda uma distância equivalente entre a Terra e Antares.

Frederico continua a receber, agora como aposentado, algo equivalente a 2000 reais. Continua com as mesmas condições de outrora, porém com uma TV de plasma fazendo um lindo design em contraste com a parede sem sequer o reboco, em sua pequena sala. Mas é estranho, não é? Como pode, Frederico ter trabalhado tanto, se esforçado tanto e nunca ter ganhado o suficiente para ficar rico como os patrões de onde ele vendia seu trabalho? Ou nunca ter ganhado um salário jus à sua labuta? Tá, tudo bem! Surreal! O funcionário ficar tão rico quanto o seu patrão, somente pelo seu esforço braçal (pois é, surreal!). Mas, contudo, porém, humildemente, Frederico fazia suas economias. Ele guardou seus salários, deixou-os na poupança nos últimos anos antes de se aposentar. Agora, como aposentado vai poder desfrutar, com melhor disposição, sua renda. Melhorou não é? Vai rebocar sua casa, vai assinar um combo de TV, Internet e Telefone, vai lançar um plano de saúde, comprará meia dúzia de passarinhos, um cachorro e viverá até o fim da sua vida “daquele jeito”. E a empresa… Bem, seus donos, os filhos de seus donos e os netos, estarão vivendo, (ainda bem, nada mais justo) de iogurte de soja, queijo bri, chá verde, Playstation e Macbook, motorista particular, vista para o mar, mansão da "Barbie" com heliporto e os caralho. O que parece estranho é o fato de Frederico se incomodar muito com isso. Com essa inveja acumulada: “Por que eles têm, e eu não? Arre... Eu trabalhei tanto!” É Fred… Eles têm, porque eles nasceram com privilégios, e o senhor não. Deus o quis assim e amém!

O problema todo (Matemático ou não) nesse caso não é a inveja, e sim a meritocracia utópica produzida pelas camadas superiores da sociedade já dada. Os filhos do Frederico perpetuarão a vida simples, quiçá a pobreza, (dependendo do nível de exploração do mais rico); os filhos do dono da empresa, … Foda-se! Perpetuarão a desigualdade. Só que os ricos nascem em berços de ouro; os pobres no papelão prensado, compensado, reciclado das casas Bahia. Se simularmos uma pista de corrida, o “pole position” será algum puto endinheirado, barriga forrada com leite ninho sem lactose, pão integral 254 grãos, "Whey Protein" e já com carteira de ações, vaga em Harvard, posicionado a 1,0 x 10¹² km de distância do seu concorrente mais próximo.

Eu estive pensando seriamente no sr. Frederico (risos) e vi o quão difícil é entender como este senhor, apesar de um personagem fictício, lidava com as questões do tempo = Δt. (Ainda respeitando a Física e tocando agora a Filosofia). Mas por que caralhos apareceu tempo e Filosofia no assunto? É o seguinte, segura ai! Sr. Fred trabalhava, e só chegava em casa para dormir. Ele ganhava seu salário, mas não gastava quase, somente o supérfluo. Solteiro sem família… Não tinha custos a não ser consigo mesmo. O homem só fazia trabalhar, achando que, quanto mais trabalhasse, mais ia receber dinheiro.

Porém surge aí uma aporia (Ἀπορία). Vamos raciocinar agora. Teremos outra simulação aqui para entendermos o tempo: Se, você trabalha muito, para ganhar muito, conclui-se que o consumo do teu tempo (Δt) será todo e, completamente, para o seu trabalho, certo? Pois mais tempo trabalhando, mais dinheiro entrando. Então, onde, então, em que raios de mundo, haverá tempo (Δt) para você usufruir de toda a riqueza (Δ$), de todo salário acumulado? Quem sabe o Tio Patinhas pode responder? Se, só faz trabalhar, servir, servir e servir? Como vais gastar a grana toda que recebes no trabalho, se só tens tempo para o trabalho? Eu ouvi “férias”? A ganância é tamanha que alguns a negam. Máquinas Modernas Revolucionárias (M.M.R.), implantaram em alguns de seus funcionários, neurônios artificiais, programados, que fazem entender que, quanto mais horas/trabalho (h/Newton), mais salário/mês (Δ$/h), maior felicidade (Δfoda-se).

(Ah, o M.M.R. é uma fábula tá, gente? Por favor, desconsiderem. Não vão levar a sério essa invenção, ok?).

Contudo, deve ser muito bom mesmo, o Tio Patinhas, olhar todo o seu acúmulo de fim de mês, ou de um ano todo, e não saber o que fazer para gastar aquela porra toda. Tem gênios que conseguem sim! Gastam em um dia, o que amontoou em 10 anos ininterruptos. Uma vez que não consegue-se gastar o salário gordo de um mês, se em um mês o trabalhador só tira uma mísera folga. Será então nesta folga que a pessoa, aflita e ansiosa irá consumir? Seria o mesmo que pegar todo o seu capital (Δ$) e dizer: “toma patrão, estou lhe devolvendo tudo o que o senhor me deu no decorrer desta jornada maravilhosa aqui com o senhor.” A lei da oferta e do consumo: "eu lhe pago, por sua insubstituível força de trabalho (Newton), e você me devolve comprando bens produzidos por mim e por meus empresários colegas (Δ$.Δt)". Mas ai, espertamente, o Tio Patinhas faz o que? Tira férias, para ter mais tempo para torrar sua grana. E ele faz isso. Gasta tudo nas suas férias. Viaja para o exterior e pega a riqueza que foi produzida por ele aqui, em sua pátria amada, salve, salve, e dá para seu colonizador (EUA/Δescravo). Matemática, Física e Filosofia interessante, não?

Então, por falar em Filosofia, pura e unicamente, alguém pensou aqui e resolveu fazer uma pergunta: “Por mais pobre e simples que seja o sr. Frederico; por mais humildes que sejam os seus filhos; por mais que não tenham nada, exceto uma TV de plasma, cama de papelão e parede sem reboco, se eles são dotados de felicidade, o que importa isso tudo. É tudo materialismo, e o que vale é a felicidade. Estado de consciência, boas qualidades de emoções e sentimentos, blá blá blá… Felicidade não está numa televisão ou em uma cama “king size” de mogno, ou em bem nenhum. Felicidade está em outro lugar. No céu, no ar, no mar, no inferno… Mas não em coisas materiais”.

Uma vez que a felicidade brotou neste trecho, para nossa alegria, vamos então nos fundamentar e tentar destrinchar esse tema, empiricamente falando, ou seja, com base no que temos em mãos agora. Sobre a felicidade: Posso me inspirar numa pirâmide (Δ). De pronto ela me lembra um psicólogo (Δpsi). Ele se chama Abraham Maslow (1908 - 1970). Na base de sua ideia hierárquica encontramos o que ele chamou de "Necessidades fisiológicas". São necessidades que se relacionam com o cidadão, a pessoa, o ser humano.

Quando pensamos em necessidades, o que é que nos vem à mente, exceto a vontade de mijar, cagar, beber pra cacete e fazer sexo? ... Pense! ... Se alimentar. Comer. Almoçar e jantar. Pois bem. Tire o prato de comida de qualquer ser vivente, e veja o que acontece. Não dá para ser feliz com fome. Não se encontra felicidade sem se ter perspectiva do que se irá comer tão logo. Não existe qualquer alegria quando se está passando fome.

Maslow quebra qualquer hipótese que diz que a felicidade é somente algo que se busca fora de si, ou em algo subjetivo, imaginário, extrafísico. Não somente! Repito, não somente! Por mais que o ser humano tenha sua fé, sua crença, um poder enorme dentro de si, não é racional e nem são, dizer que existe alguém feliz quando se está passando fome. Necessidade fisiológica básica, na pirâmide de Maslow, a mais marcante é a fome. Pois a pessoa que não é agraciada com o simples e natural ato de se alimentar, tende a não evoluir, a não passar a outro nível na pirâmide louca lá do psicólogo. Com fome, nada evolui, sequer se estabiliza. Tudo perece. Vide qualquer forma de vida. Todos precisam se alimentar.

Por fim, Frederico se alimenta bem, por sinal, e é o que está mais próximo de passar fome, em relação aos seus patrões ou os filhos dos mesmos. Por quê? Olha só! Um miserável, ou aquele que ganha menos que um salário mínimo, nos dias de hoje, sobrevive com 3 dígitos. Um milionário, um dono de terras, um mega empresário, vive de rendas, ou sei lá, vive exorbitantemente, perfeitamente, maravilhosamente bem e, sua Matemática está em torno de 7 dígitos e uns quebrados. Entre estes dois encontra-se nosso personagem virtual, sempre pensando, calculando em torno dos 4 dígitos. Nesse raciocínio, Frederico vive mais próximo da classe milionária, não é? 4 dígitos, para 7... É mais próximo do que 3 dígitos para 7. Matemática! Mas veja bem. Abra esses dígitos e veja quem está mais próximo a quem? Milionário > 1.000.000,00; Frederico = 2.000,00; miserável < 950,00. Frederico se acha um "classe média" perante um pobre, necessitado. Porém Fred é tão pobre quanto o necessitado que vive de assistência do governo. E também é pobre de espírito, esse tal de Frederico, ao pensar desta forma, porque, repito, o mundo quando "der voltas", vai esvaziar, tão logo, a  sua geladeira e as suas panelas, e não dos seus patrões donos dos negócios milionários.

(E a título de curiosidade, a segunda camada da teoria de Maslow é a Segurança: estabilidade, liberdade, família, moradia, emprego, saúde, recursos...)

Continuo no próximo porre...

quinta-feira, 29 de março de 2018

O pobre livro do saber

Hoje a capa de um livro se apresenta mais interessante
Seu verdadeiro conteúdo jaz, esquecido na estante

Não há mais inspiradores versos
Perderam-se seus valores
Valores esses que estão inversos
em páginas frias, ausentes de cores

Não é saudosismo
E nem um desgosto com presente
Também não se anseia o iluminismo
Quiçá o absolutismo novamente

Expressar-se é o ponto chave
Contudo isolado da razão
Instintos traduzem a novidade
Pai de uma melhor opinião

Pensar penoso é
Interpretar é desumano
Quem pensa ganha a fé
Quem tem fé vive reclamando

A filosofia morreu!
Questionamentos mais, não há
Tem-se um livro aberto ao breu
Sem páginas para folhear

domingo, 25 de março de 2018

A reviravolta do agora

O tempo urge...
Quereis ainda ser os conformados?
Os indivíduos controlados?
É tempo de revolta!

De se virar a mesa
Da ida sem volta
Transmutar valores
Tornar o padrão em caos

É hora de pecar, senhoras e senhores!
Não deveis agradar a ninguém
Quiçá prestar contas, penhores
Nem na hora da vossa morte, amém

Se lhes devem? Não os pagueis
Se lhes tomarem? Os roubareis

Não deem ouvidos aos seus ideais
Vos acusam de viverem às escuras
Mas não sabem, pobres mortais
Vivem cegos sob a luz da usura

À tinta no papel, monogamia
Na distração da lei, é orgia

Viveis! Do jeito que quereis vós
Não rendeis homenagens aos céus
Não te apegais a uma santa muleta
Desfaçais dos apertados nós!

A vida é aqui, agora
A Terra é onde pisais
Deixais Deus de fora
Pois serdes ainda animais

Deus é infinito
Imortal
Sem fim, nem início
Atemporal

O que conheceis além de vosso tempo?
O que sabeis da eternidade?
Nada disso vos cabe
Estais com grave enfermidade

Respireis! É o que sobrais
A cabeça não abaixarais
Vivais como reis e rainhas
Sem julgamentos, sem morais

sábado, 24 de março de 2018

Um, descomplicado, mundo

GONZALES, Rolan. Mundo Surreal 2008.


Vamos criar um mundo?
Ou melhor, um planeta?
O que podemos instituir em um segundo?
Quantas cores usaremos na paleta?
O ar, o fogo, o mar
Terra, água… Não importa a ordem
O que primeiro criar?
Não importa o sentido
Basta apenas sonhar
Como a primeira vez de um arco-íris
da inédita palavra dita
do inesquecível primeiro beijo...
Deixe este mundo eclodir
Deixe o que há de mais belo brilhar
Sinta o doce aroma no ar
Seguremos as mãos da natureza
Assim eliminando toda a tristeza
Explícito é o anseio do novo mundo brotar
Ouça o silêncio; sinta a fragrância
Aprecie as cores, o verde em abundância
O cinza, o preto, o branco também.
À ausência de som, adicionaremos tons
Maiores, menores; sustenidos, bemóis
Intervalos consonantes, dissonantes
Alguns lentos como raios, outros rápidos como caracóis
A gravidade não será necessária
Nosso planeta será somente um adereço
Iremos voar junto ao mar
Caminhando, às nuvens tocar
Moldá-las, desenhá-las como quisermos
Voaremos nadando
Nadaremos voando
Não importa a ordem
O caos é bem-vindo
Tudo que desce, sobe (e não o contrário)
Não faremos políticas
Nossa terra não semeará prisões
Haverá jardins de flores pacíficas
Assim não colheremos corrupções
Não seremos subversivos
Sem religião, porém com fé
Sem mitos, sem deuses
Sem amém ou axé
Tendo uns aos outros desde já
a fraternidade não tardará
Não haverá ódio, nem frio ou calor
Contudo faremos um imponente Sol,
o mistério da Lua, além de muito amor
Nada terá valor, somente o abstrato
Sem dinheiro, nem capital
Haveres, só intelectual
Não poderemos ter relógios
Se não, faremos um mundo precipitado
Eterna será a construção do nosso habitat
A partir de agora até o…
Fim

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Levado para bem longe


Caminhando pela grama empoçada após a chuva
Ao longe se ouve trovoadas
É fim de tarde e o céu está quase escuro
No horizonte o sol se põe lentamente
Ele pinta uma faixa do céu na cor rosa-alaranjado
É uma linda imagem
Até a cor azul bem escura, vem o céu degradando
Os raios iluminam um destino a trilhar
São só calmarias, não tocam o solo
Não estouram, não fazem assustar
A estrada não tem fim
A tempestade se movimenta
Dos passos certos e rumo definido
O sonho acabou de nascer
Novos ares exalando jasmim
Um belo jardim que há de florescer
se afasta, ao longe se vai
Não olha para trás, não se lamenta
Somente o que fica é o coração latente
De um ser simples, daquele que chora
Que se emociona e vive esmeradamente
Prefere contemplar à natureza a viver da riqueza
Não julga, não dá motivos
É o mais completo indivíduo
Não sente dor ou incerteza
A estrada se estende
A noite cai
A pessoa andarilha vai…
A pé, seguindo a tempestade de outrora
Sem medo de errar
Apenas para ao fenômeno novamente apreciar
Suas cores tocar
Sua luz sentir
Seus trovões escutar
Novamente, à grama molhada pisar
Eis um novo viajante
Os clarões e as calmarias servindo de guia
Para mais uma viagem fascinante

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Resenha: O Idiota


O ocidente e o oriente se mantém tão distante, que, parece que esse “outro lado” é um outro mundo. Não só a distância quilométrica os separam, mas também a filosofia, religião, a cultura em si, e etc. A Rússia é um país que atinge esses “dois polos”: Ásia e a Europa. O ocidente e o oriente mesclados. Sua cidade mais populosa é Moscou. No mais, ao extremo oriente, a cultura já muda bastante, – a sibéria, a fronteira com Cazaquistão, a Mongólia e a China, são exemplos. Para os ocidentais, lá, tudo parece remoto, inóspito, frio, cinza, monótono. Mas não… Pelo menos, os autores russos, deixam qualquer leitor com as mãos suando e o coração quente. E um deles é, um dos mais importantes, senão o maior escritor e romancista de todos os tempos, Fiódor Dostoiévski (1821 – 1881).

Racionalismo, niilismo, miséria, violência, transtornos mentais, humilhação, sadismo, livre arbítrio e suicídio, são temas quais os personagens deste autor enfrentam em seus livros. Existencialismo e, sempre trágico, – as vezes chega a ser cômico – o autor nos leva a um universo literário muito bem detalhado, rico em situações descontroladas, beirando a loucura entre um ou outro personagem. Duas obras, de Dostoiévski, que merecem destaques, são: “Crime e Castigo” e “Irmãos Karamázov”. Mas há uma obra, muito bem recebida pelos críticos da época, e qual é o motivo desta resenha, se chama “O idiota”, datada de 1868.

Pois bem, como o título sugere, o que pensamos ser um idiota, o personagem principal, na verdade é o cara mais lúcido e puro da história toda (ou não? Cabe vossa reflexão). Na verdade, o “idiota” é um príncipe, chamado Liév Nikoláievitch Míchkin. – Um adendo, sobre a palavra “príncipe”, o autor, denomina, lá na Russia, àquela época, o seu personagem algo como “vossa excelência” aqui para nós brasileiros. É uma forma honorável, ou carinhosa, de tratamento. – As vezes dá a pensar que ele não é nada idiota, mas pelo contrário, um salafrário, usurpador (há quem, já leu o livro, pensou nisso também, com certeza). Mas o desenrolar nos mostra outro caminho. O livro nos leva a crer que o homem bom e puro, abastado de compaixão, um verdadeiro cristão, irá sofrer numa sociedade corrompida, mesquinha e vulgar, e que será alvo de todo revés possível, desde humilhação à inveja. Ou seja, o jovem príncipe, torna-se um idiota, – a julgar a sociedade em que ele se encontra – onde seus próximos possuem outros costumes e modos bem díspares dele.

A tal idiotia do príncipe é explícita, logo no início. É relatada pelo mesmo, no trem, no rápido de varsóvia. Encontram-se mais dois passageiros, na mesma cabine, junto à Míchkin, num cenário muito estranho, vulgar, quase que hostil. É uma Rússia, além de fria, óbvio, bem nacionalista; dividida entre religiosos e ateus, militares orgulhosos – que prezam a família e os negócios – e, também, outros personagens salafrários e golpistas, pobres, niilistas, porém muito avarentos.

Ainda no trem, o Míchkin, retornando da Suíça, – onde lá recebera cuidados de um especialista por conta de sua doença – mais os dois homens nada amistosos a caminho de Petersburgo, combinaram de se encontrarem no futuro para uma boa prosa, bebidas, mulheres e coisas típicas de pessoas comuns daquela época. Todos descem do trem e, a partir daí, começam a aparecer diversos novos personagens. O que deixa a história muito interessante e intrigante. Todos loucos, porém cada qual com sua história e compassivos ante ao príncipe

Mais adiante, sua doença, é posta em cheque, quando o mesmo relata seu contato com as crianças, tanto na Suíça, quanto na Rússia. Ele exalta as crianças, a pura inocência e a verdadeira alma que elas possuem. Um dos pontos altos em sua personalidade, indicando completa lucidez. E também não só o personagem principal, mas como os outros, também, têm bom contato com elas, havendo, portanto, uma notória simpatia e carisma entre um adulto e uma criança em diversas passagens.

Afanássi Ivánovitch Totski, Parfen Rogógin e Gavrila Ardaliónovitch Ívolguin, Chtch (sim, não possui vogais), Nastasya Filippovna, entre outros, vão surgindo e enfeitando a longa história do príncipe. Para nós brasileiros, é um tanto difícil até decorar estes nomes, inclusive, pode dificultar a leitura. Sugiro se apegar a alguns apelidos que o próprio autor adota aos personagens. No mais, se acostuma.

Sobre Nastasya Filippovna, que é uma das pivôs de todo o romance, não quero comentar muito sobre seu caso, pois temo em fazer spoiler. Mas os que parecem mais loucos do livro, sentem completa aversão ao dinheiro, porém possuem uma mente brilhante e abdicados de quaisquer riquezas materiais; são ricas em espírito. Por exemplo, esta linda jovem queima uma quantia grande de dinheiro, que lha é oferecida; o príncipe não se importa muito com sua abastada situação ao longo da história e acaba virando alvo dos interesseiros e o jovem príncipe não vacila em dar, ou emprestar seu dinheiro. Outra coisa interessante é que o príncipe tem compaixão pelo sofrimento da dama, Filippovna. Pensa-se que é amor, (pode até ser), mas, mais tarde acaba Míchkin sentindo paixão por outra, – filha caçula de um general.

Algo muito triste nesse livro é que o próprio Dostoiévski o escreveu em meio a crises de epilepsia. E há uns relatos sobre as mesmas no livro que… É bom estar preparados(as) porque, o relato é tenso; assim como a questão da pena de morte por guilhotina, ricamente detalhada, e friamente posta em questão, fazendo-nos pensar o que é mais atroz: o crime cometido por um condenado, ou a pena de morte imposta a ele? Incrivelmente e, infelizmente, uma condenação a morte se deu ao próprio Fiódor Dostoiévski, ao longo de sua vida. Inclusive a rara suspensão à mesma condenação que ele sofrera, também faz-nos refletir. É de se tirar o sono.

Então, prezados leitores, preparem um chá de camomila, de erva doce, desliguem-se do mundo e apreciem o diferente, o estranho, o anormal, o simples e o idiota. Uma obra prima, humanista, existencialista, da literatura russa, um romance clássico! Sua leitura e posterior releitura, em tempos diversos, sempre nos trará questões que venham nos atinjam no âmago, não importando se estivermos no ocidente, ou no oriente. A simplicidade e o carisma do personagem principal nos deixam ainda com vontade de mais leituras. Apesar do título da obra, acho que cada leitor se identificará, sui generis, com o querido príncipe. Com o príncipe, óbvio, e não com os idiotas.


Referência bibliográfica

DOSTOIEVSKI, FIODOR. O Idiota. Editora 34. 2010.
_____. Os irmãos Karamázov. Editora 34. 2008.
_____. Crime e Castigo. Editora L&PM. 2016.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A orquestra do Maestro Silêncio


Um casebre em um paraíso. Mais ninguém. Nenhum bípede. Exceto eu e uma abelha. Ah, havia o Sol. Era o que mais se contava de "tecnológico", irradiando intensamente sua luz, e junto com um gerador de energia elétrica, para as frias noites. Um lugar isolado. Não só verde e azul, havia também o branco diante dos meus olhos. E tudo muito gelado. Mata, árvores, um céu infinito e um lago... Neve ao longe no topo das montanhas, que enormes, imponentes, se erguiam a frente. Algumas nuvens cobriam suas pontas, mas tão gigantescas, tão volumosas, que deveria se inventar um novo nome para aquele tipo de branco, tão puro, uma nova cor. 

A Patagônia chilena é realmente incrível, é mágica, surreal! Tudo lá é de tal maneira, porque não há as mãos dos homens, não há nem sequer algo que o ser humano tenha pensado ali e criado. Mesmo que existisse tal quimera, não há nada no lindo lugar com a força ou o pensamento humano. Nada que o homem tenha feito naquela paisagem, naquela natureza ali.

Então, dentro do recinto, fazia silêncio, mas nem tanto: o barulho que vinha do gerador (que só podia ser obra humana) não parava. E se mantinha numa vibração sonora no tom de Sol maior, que é percebido na música em geral. Notei, também, que a abelha, sobrevoando minha cabeça, fazia um tom de Si maior. Passava por meus ouvidos um longo “Sssiiiiii…”. Para completar, ao fundo, Vivaldi, um concerto para cordas, em Ré maior, (RV 121), - graças a ajuda do gerador. Assim, formava-se, então, no ambiente um lindo acorde de Sol maior. Um gerador, uma abelha e Vivaldi. Sim eles tiveram algo em comum. Três tons, em alturas distintas, sobrepostas, soando perfeitamente no espaço - a Patagônia permite esse universo.

Tudo perfeito, sincronizado, harmônico, orquestrado… Porém Faltou luz! Não! Não a do Sol, que nos aquece e sim a do gerador - que nos satisfaz com prazeres mundanos e modernos. Então, o silêncio se instalou em definitivo. De forma justa, é claro. Como que retomando seu lugar na natureza, que já lhe pertence de praxe. A abelha, ciente da imposição aplicada, pousou, e pôs-se a escutar o "nada". Eu apenas respirava.

Ambos, eu e a abelha, buscávamos algum ruído, alguma coisa, um farfalhar qualquer que fosse. Nada! Silêncio absoluto, completo! Impressionante! Eu nunca havia ouvido um silêncio tão... Ou melhor, eu nunca havia ensurdecido daquela maneira. Eu tive medo em falar qualquer coisa, pois o silêncio era imponente, digno de profundo respeito e obediência. Creio que a abelha, coitada, não queria ser descoberta, em seu canto e por lá ficou.

A bichana, passados alguns minutos, naquela calmaria toda, dormiu. Pegou no sono. Roncou! Aquele “zi… zi…” começou a me incomodar. Eu fui lá acordá-la, mas ela, por algum fenômeno que possua, acordou antes de eu chegar. (É assim com humanos também, estudos devem ser feitos). Eu não ousei falar nada, mas arregalei os olhos e cerrei os lábios, encarando-a. Ela, retrucou se enchendo de ar, e soltando, repetitivamente apontando para mim, - reclamando de minha respiração. Ou seja, eu também a incomodava.

O silêncio então, ciente de nosso respeito e devoção, propôs-nos: permito-lhes sonoridade, porém, que me agrade. A abelha congelou! Tadinha, suas luzentes cores pretas e amarelas, ficaram cinzas e brancas. Eu virei pedra e fiquei roxo, prendendo a respiração, de tanto temor diante do desafio. O silêncio deu-nos uma dica, anexando um ultimato: “apenas sejam; façam!” 

A abelha voou… Eu fui atrás dela.

Já fora do casebre, sob um céu extremamente azul, pisei descalço uma grama pouco úmida e fresca. Respirei fundo, sorri e "cantei". Como que em sussurros. Balbuciava qualquer coisa. Corri para a parte mais próxima ao lago, que repousava no centro do vale e onde a vegetação era mais alta em seu entorno. Meus passos se tornaram rítmicos, ao pisar em folhas soltas, no verde campo que se abria à minha frente. A abelha, muito feliz, voava cruzando meu caminho, alternando a força aplicada em suas asas, tornando um zumbido diferente a cada vez que por mim passava. Algo como um "zi... zom... zum...". Arrisquei um assobio, e lembrei-me do recado: “apenas seja”.

Após uma melodia esboçada com o sopro entre meus lábios, decidi solfejá-la: “lá, laia lalá…” Mesmo sem saber o que cantar, vi que não precisei falar qualquer palavra, pois, quem precisava ouvir a língua dos homens naquele paraíso? E assim decidido, mais leve e em outra dimensão, cheguei à beira do lago, do gélido lago. Não supus adentrar-me, mas mexi em sua borda com os pés. As águas respondiam, suavemente, num doce e sonoro movimento, semicircular, até desaparecer no meio do lago.

A abelha pousou em meu ombro e, maravilhada, me disse: "amigo, eu trouxe a brisa!" Todos entramos em êxtase… O som daquela tenra brisa tocando nossos ouvidos. Um sopro acalentador passando levemente por sobre a vegetação, às folhas das árvores… Tudo tornou-se novamente um esplêndido agrupamento sonoro, uma sinfonia perfeita. 

Ali a música mais bela. Essa união mágica! Essa natureza maravilhosa, onde eu e minha nova amiga, a simpática abelhinha, nos tornamos importantes músicos. Fizemos parte de um todo, dessa orquestra, que, diga-se de passagem, perfeitamente comandada pelo Maestro Silêncio. Basta estar em paz, atento, interligado ao ambiente, que ele chega e dá o tom. Afinal, antes de qualquer barulho, há um natural silêncio.

ATUALIZAÇÃO BETA v.5.7.0: AGORA MEUS ELETRODOMÉSTICOS SÃO PÓS-ESTRUTURALISTAS

Dizem, os pós-estruturalistas , que a linguagem constrói a realidade. Isso é ótimo, exceto nos dias em que eu preferiria que minha realidade...