Resenha: O Idiota


O ocidente e o oriente se mantém tão distante, que, parece que esse “outro lado” é um outro mundo. Não só a distância quilométrica os separam, mas também a filosofia, religião, a cultura em si, e etc. A Rússia é um país que atinge esses “dois polos”: Ásia e a Europa. O ocidente e o oriente mesclados. Sua cidade mais populosa é Moscou. No mais, ao extremo oriente, a cultura já muda bastante, – a sibéria, a fronteira com Cazaquistão, a Mongólia e a China, são exemplos. Para os ocidentais, lá, tudo parece remoto, inóspito, frio, cinza, monótono. Mas não… Pelo menos, os autores russos, deixam qualquer leitor com as mãos suando e o coração quente. E um deles é, um dos mais importantes, senão o maior escritor e romancista de todos os tempos, Fiódor Dostoiévski (1821 – 1881).

Racionalismo, niilismo, miséria, violência, transtornos mentais, humilhação, sadismo, livre arbítrio e suicídio, são temas quais os personagens deste autor enfrentam em seus livros. Existencialismo e, sempre trágico, – as vezes chega a ser cômico – o autor nos leva a um universo literário muito bem detalhado, rico em situações descontroladas, beirando a loucura entre um ou outro personagem. Duas obras, de Dostoiévski, que merecem destaques, são: “Crime e Castigo” e “Irmãos Karamázov”. Mas há uma obra, muito bem recebida pelos críticos da época, e qual é o motivo desta resenha, se chama “O idiota”, datada de 1868.

Pois bem, como o título sugere, o que pensamos ser um idiota, o personagem principal, na verdade é o cara mais lúcido e puro da história toda (ou não? Cabe vossa reflexão). Na verdade, o “idiota” é um príncipe, chamado Liév Nikoláievitch Míchkin. – Um adendo, sobre a palavra “príncipe”, o autor, denomina, lá na Russia, àquela época, o seu personagem algo como “vossa excelência” aqui para nós brasileiros. É uma forma honorável, ou carinhosa, de tratamento. – As vezes dá a pensar que ele não é nada idiota, mas pelo contrário, um salafrário, usurpador (há quem, já leu o livro, pensou nisso também, com certeza). Mas o desenrolar nos mostra outro caminho. O livro nos leva a crer que o homem bom e puro, abastado de compaixão, um verdadeiro cristão, irá sofrer numa sociedade corrompida, mesquinha e vulgar, e que será alvo de todo revés possível, desde humilhação à inveja. Ou seja, o jovem príncipe, torna-se um idiota, – a julgar a sociedade em que ele se encontra – onde seus próximos possuem outros costumes e modos bem díspares dele.

A tal idiotia do príncipe é explícita, logo no início. É relatada pelo mesmo, no trem, no rápido de varsóvia. Encontram-se mais dois passageiros, na mesma cabine, junto à Míchkin, num cenário muito estranho, vulgar, quase que hostil. É uma Rússia, além de fria, óbvio, bem nacionalista; dividida entre religiosos e ateus, militares orgulhosos – que prezam a família e os negócios – e, também, outros personagens salafrários e golpistas, pobres, niilistas, porém muito avarentos.

Ainda no trem, o Míchkin, retornando da Suíça, – onde lá recebera cuidados de um especialista por conta de sua doença – mais os dois homens nada amistosos a caminho de Petersburgo, combinaram de se encontrarem no futuro para uma boa prosa, bebidas, mulheres e coisas típicas de pessoas comuns daquela época. Todos descem do trem e, a partir daí, começam a aparecer diversos novos personagens. O que deixa a história muito interessante e intrigante. Todos loucos, porém cada qual com sua história e compassivos ante ao príncipe

Mais adiante, sua doença, é posta em cheque, quando o mesmo relata seu contato com as crianças, tanto na Suíça, quanto na Rússia. Ele exalta as crianças, a pura inocência e a verdadeira alma que elas possuem. Um dos pontos altos em sua personalidade, indicando completa lucidez. E também não só o personagem principal, mas como os outros, também, têm bom contato com elas, havendo, portanto, uma notória simpatia e carisma entre um adulto e uma criança em diversas passagens.

Afanássi Ivánovitch Totski, Parfen Rogógin e Gavrila Ardaliónovitch Ívolguin, Chtch (sim, não possui vogais), Nastasya Filippovna, entre outros, vão surgindo e enfeitando a longa história do príncipe. Para nós brasileiros, é um tanto difícil até decorar estes nomes, inclusive, pode dificultar a leitura. Sugiro se apegar a alguns apelidos que o próprio autor adota aos personagens. No mais, se acostuma.

Sobre Nastasya Filippovna, que é uma das pivôs de todo o romance, não quero comentar muito sobre seu caso, pois temo em fazer spoiler. Mas os que parecem mais loucos do livro, sentem completa aversão ao dinheiro, porém possuem uma mente brilhante e abdicados de quaisquer riquezas materiais; são ricas em espírito. Por exemplo, esta linda jovem queima uma quantia grande de dinheiro, que lha é oferecida; o príncipe não se importa muito com sua abastada situação ao longo da história e acaba virando alvo dos interesseiros e o jovem príncipe não vacila em dar, ou emprestar seu dinheiro. Outra coisa interessante é que o príncipe tem compaixão pelo sofrimento da dama, Filippovna. Pensa-se que é amor, (pode até ser), mas, mais tarde acaba Míchkin sentindo paixão por outra, – filha caçula de um general.

Algo muito triste nesse livro é que o próprio Dostoiévski o escreveu em meio a crises de epilepsia. E há uns relatos sobre as mesmas no livro que… É bom estar preparados(as) porque, o relato é tenso; assim como a questão da pena de morte por guilhotina, ricamente detalhada, e friamente posta em questão, fazendo-nos pensar o que é mais atroz: o crime cometido por um condenado, ou a pena de morte imposta a ele? Incrivelmente e, infelizmente, uma condenação a morte se deu ao próprio Fiódor Dostoiévski, ao longo de sua vida. Inclusive a rara suspensão à mesma condenação que ele sofrera, também faz-nos refletir. É de se tirar o sono.

Então, prezados leitores, preparem um chá de camomila, de erva doce, desliguem-se do mundo e apreciem o diferente, o estranho, o anormal, o simples e o idiota. Uma obra prima, humanista, existencialista, da literatura russa, um romance clássico! Sua leitura e posterior releitura, em tempos diversos, sempre nos trará questões que venham nos atinjam no âmago, não importando se estivermos no ocidente, ou no oriente. A simplicidade e o carisma do personagem principal nos deixam ainda com vontade de mais leituras. Apesar do título da obra, acho que cada leitor se identificará, sui generis, com o querido príncipe. Com o príncipe, óbvio, e não com os idiotas.


Referência bibliográfica

DOSTOIEVSKI, FIODOR. O Idiota. Editora 34. 2010.
_____. Os irmãos Karamázov. Editora 34. 2008.
_____. Crime e Castigo. Editora L&PM. 2016.

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