quinta-feira, 29 de março de 2018

O pobre livro do saber

Hoje a capa de um livro se apresenta mais interessante
Seu verdadeiro conteúdo jaz, esquecido na estante

Não há mais inspiradores versos
Perderam-se seus valores
Valores esses que estão inversos
em páginas frias, ausentes de cores

Não é saudosismo
E nem um desgosto com presente
Também não se anseia o iluminismo
Quiçá o absolutismo novamente

Expressar-se é o ponto chave
Contudo isolado da razão
Instintos traduzem a novidade
Pai de uma melhor opinião

Pensar penoso é
Interpretar é desumano
Quem pensa ganha a fé
Quem tem fé vive reclamando

A filosofia morreu!
Questionamentos mais, não há
Tem-se um livro aberto ao breu
Sem páginas para folhear

domingo, 25 de março de 2018

A reviravolta do agora

O tempo urge...
Quereis ainda ser os conformados?
Os indivíduos controlados?
É tempo de revolta!

De se virar a mesa
Da ida sem volta
Transmutar valores
Tornar o padrão em caos

É hora de pecar, senhoras e senhores!
Não deveis agradar a ninguém
Quiçá prestar contas, penhores
Nem na hora da vossa morte, amém

Se lhes devem? Não os pagueis
Se lhes tomarem? Os roubareis

Não deem ouvidos aos seus ideais
Vos acusam de viverem às escuras
Mas não sabem, pobres mortais
Vivem cegos sob a luz da usura

À tinta no papel, monogamia
Na distração da lei, é orgia

Viveis! Do jeito que quereis vós
Não rendeis homenagens aos céus
Não te apegais a uma santa muleta
Desfaçais dos apertados nós!

A vida é aqui, agora
A Terra é onde pisais
Deixais Deus de fora
Pois serdes ainda animais

Deus é infinito
Imortal
Sem fim, nem início
Atemporal

O que conheceis além de vosso tempo?
O que sabeis da eternidade?
Nada disso vos cabe
Estais com grave enfermidade

Respireis! É o que sobrais
A cabeça não abaixarais
Vivais como reis e rainhas
Sem julgamentos, sem morais

sábado, 24 de março de 2018

Um, descomplicado, mundo

GONZALES, Rolan. Mundo Surreal 2008.


Vamos criar um mundo?
Ou melhor, um planeta?
O que podemos instituir em um segundo?
Quantas cores usaremos na paleta?
O ar, o fogo, o mar
Terra, água… Não importa a ordem
O que primeiro criar?
Não importa o sentido
Basta apenas sonhar
Como a primeira vez de um arco-íris
da inédita palavra dita
do inesquecível primeiro beijo...
Deixe este mundo eclodir
Deixe o que há de mais belo brilhar
Sinta o doce aroma no ar
Seguremos as mãos da natureza
Assim eliminando toda a tristeza
Explícito é o anseio do novo mundo brotar
Ouça o silêncio; sinta a fragrância
Aprecie as cores, o verde em abundância
O cinza, o preto, o branco também.
À ausência de som, adicionaremos tons
Maiores, menores; sustenidos, bemóis
Intervalos consonantes, dissonantes
Alguns lentos como raios, outros rápidos como caracóis
A gravidade não será necessária
Nosso planeta será somente um adereço
Iremos voar junto ao mar
Caminhando, às nuvens tocar
Moldá-las, desenhá-las como quisermos
Voaremos nadando
Nadaremos voando
Não importa a ordem
O caos é bem-vindo
Tudo que desce, sobe (e não o contrário)
Não faremos políticas
Nossa terra não semeará prisões
Haverá jardins de flores pacíficas
Assim não colheremos corrupções
Não seremos subversivos
Sem religião, porém com fé
Sem mitos, sem deuses
Sem amém ou axé
Tendo uns aos outros desde já
a fraternidade não tardará
Não haverá ódio, nem frio ou calor
Contudo faremos um imponente Sol,
o mistério da Lua, além de muito amor
Nada terá valor, somente o abstrato
Sem dinheiro, nem capital
Haveres, só intelectual
Não poderemos ter relógios
Se não, faremos um mundo precipitado
Eterna será a construção do nosso habitat
A partir de agora até o…
Fim

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Levado para bem longe


Caminhando pela grama empoçada após a chuva
Ao longe se ouve trovoadas
É fim de tarde e o céu está quase escuro
No horizonte o sol se põe lentamente
Ele pinta uma faixa do céu na cor rosa-alaranjado
É uma linda imagem
Até a cor azul bem escura, vem o céu degradando
Os raios iluminam um destino a trilhar
São só calmarias, não tocam o solo
Não estouram, não fazem assustar
A estrada não tem fim
A tempestade se movimenta
Dos passos certos e rumo definido
O sonho acabou de nascer
Novos ares exalando jasmim
Um belo jardim que há de florescer
se afasta, ao longe se vai
Não olha para trás, não se lamenta
Somente o que fica é o coração latente
De um ser simples, daquele que chora
Que se emociona e vive esmeradamente
Prefere contemplar à natureza a viver da riqueza
Não julga, não dá motivos
É o mais completo indivíduo
Não sente dor ou incerteza
A estrada se estende
A noite cai
A pessoa andarilha vai…
A pé, seguindo a tempestade de outrora
Sem medo de errar
Apenas para ao fenômeno novamente apreciar
Suas cores tocar
Sua luz sentir
Seus trovões escutar
Novamente, à grama molhada pisar
Eis um novo viajante
Os clarões e as calmarias servindo de guia
Para mais uma viagem fascinante

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Resenha: O Idiota


O ocidente e o oriente se mantém tão distante, que, parece que esse “outro lado” é um outro mundo. Não só a distância quilométrica os separam, mas também a filosofia, religião, a cultura em si, e etc. A Rússia é um país que atinge esses “dois polos”: Ásia e a Europa. O ocidente e o oriente mesclados. Sua cidade mais populosa é Moscou. No mais, ao extremo oriente, a cultura já muda bastante, – a sibéria, a fronteira com Cazaquistão, a Mongólia e a China, são exemplos. Para os ocidentais, lá, tudo parece remoto, inóspito, frio, cinza, monótono. Mas não… Pelo menos, os autores russos, deixam qualquer leitor com as mãos suando e o coração quente. E um deles é, um dos mais importantes, senão o maior escritor e romancista de todos os tempos, Fiódor Dostoiévski (1821 – 1881).

Racionalismo, niilismo, miséria, violência, transtornos mentais, humilhação, sadismo, livre arbítrio e suicídio, são temas quais os personagens deste autor enfrentam em seus livros. Existencialismo e, sempre trágico, – as vezes chega a ser cômico – o autor nos leva a um universo literário muito bem detalhado, rico em situações descontroladas, beirando a loucura entre um ou outro personagem. Duas obras, de Dostoiévski, que merecem destaques, são: “Crime e Castigo” e “Irmãos Karamázov”. Mas há uma obra, muito bem recebida pelos críticos da época, e qual é o motivo desta resenha, se chama “O idiota”, datada de 1868.

Pois bem, como o título sugere, o que pensamos ser um idiota, o personagem principal, na verdade é o cara mais lúcido e puro da história toda (ou não? Cabe vossa reflexão). Na verdade, o “idiota” é um príncipe, chamado Liév Nikoláievitch Míchkin. – Um adendo, sobre a palavra “príncipe”, o autor, denomina, lá na Russia, àquela época, o seu personagem algo como “vossa excelência” aqui para nós brasileiros. É uma forma honorável, ou carinhosa, de tratamento. – As vezes dá a pensar que ele não é nada idiota, mas pelo contrário, um salafrário, usurpador (há quem, já leu o livro, pensou nisso também, com certeza). Mas o desenrolar nos mostra outro caminho. O livro nos leva a crer que o homem bom e puro, abastado de compaixão, um verdadeiro cristão, irá sofrer numa sociedade corrompida, mesquinha e vulgar, e que será alvo de todo revés possível, desde humilhação à inveja. Ou seja, o jovem príncipe, torna-se um idiota, – a julgar a sociedade em que ele se encontra – onde seus próximos possuem outros costumes e modos bem díspares dele.

A tal idiotia do príncipe é explícita, logo no início. É relatada pelo mesmo, no trem, no rápido de varsóvia. Encontram-se mais dois passageiros, na mesma cabine, junto à Míchkin, num cenário muito estranho, vulgar, quase que hostil. É uma Rússia, além de fria, óbvio, bem nacionalista; dividida entre religiosos e ateus, militares orgulhosos – que prezam a família e os negócios – e, também, outros personagens salafrários e golpistas, pobres, niilistas, porém muito avarentos.

Ainda no trem, o Míchkin, retornando da Suíça, – onde lá recebera cuidados de um especialista por conta de sua doença – mais os dois homens nada amistosos a caminho de Petersburgo, combinaram de se encontrarem no futuro para uma boa prosa, bebidas, mulheres e coisas típicas de pessoas comuns daquela época. Todos descem do trem e, a partir daí, começam a aparecer diversos novos personagens. O que deixa a história muito interessante e intrigante. Todos loucos, porém cada qual com sua história e compassivos ante ao príncipe

Mais adiante, sua doença, é posta em cheque, quando o mesmo relata seu contato com as crianças, tanto na Suíça, quanto na Rússia. Ele exalta as crianças, a pura inocência e a verdadeira alma que elas possuem. Um dos pontos altos em sua personalidade, indicando completa lucidez. E também não só o personagem principal, mas como os outros, também, têm bom contato com elas, havendo, portanto, uma notória simpatia e carisma entre um adulto e uma criança em diversas passagens.

Afanássi Ivánovitch Totski, Parfen Rogógin e Gavrila Ardaliónovitch Ívolguin, Chtch (sim, não possui vogais), Nastasya Filippovna, entre outros, vão surgindo e enfeitando a longa história do príncipe. Para nós brasileiros, é um tanto difícil até decorar estes nomes, inclusive, pode dificultar a leitura. Sugiro se apegar a alguns apelidos que o próprio autor adota aos personagens. No mais, se acostuma.

Sobre Nastasya Filippovna, que é uma das pivôs de todo o romance, não quero comentar muito sobre seu caso, pois temo em fazer spoiler. Mas os que parecem mais loucos do livro, sentem completa aversão ao dinheiro, porém possuem uma mente brilhante e abdicados de quaisquer riquezas materiais; são ricas em espírito. Por exemplo, esta linda jovem queima uma quantia grande de dinheiro, que lha é oferecida; o príncipe não se importa muito com sua abastada situação ao longo da história e acaba virando alvo dos interesseiros e o jovem príncipe não vacila em dar, ou emprestar seu dinheiro. Outra coisa interessante é que o príncipe tem compaixão pelo sofrimento da dama, Filippovna. Pensa-se que é amor, (pode até ser), mas, mais tarde acaba Míchkin sentindo paixão por outra, – filha caçula de um general.

Algo muito triste nesse livro é que o próprio Dostoiévski o escreveu em meio a crises de epilepsia. E há uns relatos sobre as mesmas no livro que… É bom estar preparados(as) porque, o relato é tenso; assim como a questão da pena de morte por guilhotina, ricamente detalhada, e friamente posta em questão, fazendo-nos pensar o que é mais atroz: o crime cometido por um condenado, ou a pena de morte imposta a ele? Incrivelmente e, infelizmente, uma condenação a morte se deu ao próprio Fiódor Dostoiévski, ao longo de sua vida. Inclusive a rara suspensão à mesma condenação que ele sofrera, também faz-nos refletir. É de se tirar o sono.

Então, prezados leitores, preparem um chá de camomila, de erva doce, desliguem-se do mundo e apreciem o diferente, o estranho, o anormal, o simples e o idiota. Uma obra prima, humanista, existencialista, da literatura russa, um romance clássico! Sua leitura e posterior releitura, em tempos diversos, sempre nos trará questões que venham nos atinjam no âmago, não importando se estivermos no ocidente, ou no oriente. A simplicidade e o carisma do personagem principal nos deixam ainda com vontade de mais leituras. Apesar do título da obra, acho que cada leitor se identificará, sui generis, com o querido príncipe. Com o príncipe, óbvio, e não com os idiotas.


Referência bibliográfica

DOSTOIEVSKI, FIODOR. O Idiota. Editora 34. 2010.
_____. Os irmãos Karamázov. Editora 34. 2008.
_____. Crime e Castigo. Editora L&PM. 2016.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A orquestra do Maestro Silêncio


Um casebre em um paraíso. Mais ninguém. Nenhum bípede. Exceto eu e uma abelha. Ah, havia o Sol. Era o que mais se contava de "tecnológico", irradiando intensamente sua luz, e junto com um gerador de energia elétrica, para as frias noites. Um lugar isolado. Não só verde e azul, havia também o branco diante dos meus olhos. E tudo muito gelado. Mata, árvores, um céu infinito e um lago... Neve ao longe no topo das montanhas, que enormes, imponentes, se erguiam a frente. Algumas nuvens cobriam suas pontas, mas tão gigantescas, tão volumosas, que deveria se inventar um novo nome para aquele tipo de branco, tão puro, uma nova cor. 

A Patagônia chilena é realmente incrível, é mágica, surreal! Tudo lá é de tal maneira, porque não há as mãos dos homens, não há nem sequer algo que o ser humano tenha pensado ali e criado. Mesmo que existisse tal quimera, não há nada no lindo lugar com a força ou o pensamento humano. Nada que o homem tenha feito naquela paisagem, naquela natureza ali.

Então, dentro do recinto, fazia silêncio, mas nem tanto: o barulho que vinha do gerador (que só podia ser obra humana) não parava. E se mantinha numa vibração sonora no tom de Sol maior, que é percebido na música em geral. Notei, também, que a abelha, sobrevoando minha cabeça, fazia um tom de Si maior. Passava por meus ouvidos um longo “Sssiiiiii…”. Para completar, ao fundo, Vivaldi, um concerto para cordas, em Ré maior, (RV 121), - graças a ajuda do gerador. Assim, formava-se, então, no ambiente um lindo acorde de Sol maior. Um gerador, uma abelha e Vivaldi. Sim eles tiveram algo em comum. Três tons, em alturas distintas, sobrepostas, soando perfeitamente no espaço - a Patagônia permite esse universo.

Tudo perfeito, sincronizado, harmônico, orquestrado… Porém Faltou luz! Não! Não a do Sol, que nos aquece e sim a do gerador - que nos satisfaz com prazeres mundanos e modernos. Então, o silêncio se instalou em definitivo. De forma justa, é claro. Como que retomando seu lugar na natureza, que já lhe pertence de praxe. A abelha, ciente da imposição aplicada, pousou, e pôs-se a escutar o "nada". Eu apenas respirava.

Ambos, eu e a abelha, buscávamos algum ruído, alguma coisa, um farfalhar qualquer que fosse. Nada! Silêncio absoluto, completo! Impressionante! Eu nunca havia ouvido um silêncio tão... Ou melhor, eu nunca havia ensurdecido daquela maneira. Eu tive medo em falar qualquer coisa, pois o silêncio era imponente, digno de profundo respeito e obediência. Creio que a abelha, coitada, não queria ser descoberta, em seu canto e por lá ficou.

A bichana, passados alguns minutos, naquela calmaria toda, dormiu. Pegou no sono. Roncou! Aquele “zi… zi…” começou a me incomodar. Eu fui lá acordá-la, mas ela, por algum fenômeno que possua, acordou antes de eu chegar. (É assim com humanos também, estudos devem ser feitos). Eu não ousei falar nada, mas arregalei os olhos e cerrei os lábios, encarando-a. Ela, retrucou se enchendo de ar, e soltando, repetitivamente apontando para mim, - reclamando de minha respiração. Ou seja, eu também a incomodava.

O silêncio então, ciente de nosso respeito e devoção, propôs-nos: permito-lhes sonoridade, porém, que me agrade. A abelha congelou! Tadinha, suas luzentes cores pretas e amarelas, ficaram cinzas e brancas. Eu virei pedra e fiquei roxo, prendendo a respiração, de tanto temor diante do desafio. O silêncio deu-nos uma dica, anexando um ultimato: “apenas sejam; façam!” 

A abelha voou… Eu fui atrás dela.

Já fora do casebre, sob um céu extremamente azul, pisei descalço uma grama pouco úmida e fresca. Respirei fundo, sorri e "cantei". Como que em sussurros. Balbuciava qualquer coisa. Corri para a parte mais próxima ao lago, que repousava no centro do vale e onde a vegetação era mais alta em seu entorno. Meus passos se tornaram rítmicos, ao pisar em folhas soltas, no verde campo que se abria à minha frente. A abelha, muito feliz, voava cruzando meu caminho, alternando a força aplicada em suas asas, tornando um zumbido diferente a cada vez que por mim passava. Algo como um "zi... zom... zum...". Arrisquei um assobio, e lembrei-me do recado: “apenas seja”.

Após uma melodia esboçada com o sopro entre meus lábios, decidi solfejá-la: “lá, laia lalá…” Mesmo sem saber o que cantar, vi que não precisei falar qualquer palavra, pois, quem precisava ouvir a língua dos homens naquele paraíso? E assim decidido, mais leve e em outra dimensão, cheguei à beira do lago, do gélido lago. Não supus adentrar-me, mas mexi em sua borda com os pés. As águas respondiam, suavemente, num doce e sonoro movimento, semicircular, até desaparecer no meio do lago.

A abelha pousou em meu ombro e, maravilhada, me disse: "amigo, eu trouxe a brisa!" Todos entramos em êxtase… O som daquela tenra brisa tocando nossos ouvidos. Um sopro acalentador passando levemente por sobre a vegetação, às folhas das árvores… Tudo tornou-se novamente um esplêndido agrupamento sonoro, uma sinfonia perfeita. 

Ali a música mais bela. Essa união mágica! Essa natureza maravilhosa, onde eu e minha nova amiga, a simpática abelhinha, nos tornamos importantes músicos. Fizemos parte de um todo, dessa orquestra, que, diga-se de passagem, perfeitamente comandada pelo Maestro Silêncio. Basta estar em paz, atento, interligado ao ambiente, que ele chega e dá o tom. Afinal, antes de qualquer barulho, há um natural silêncio.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Um dia, um fantasma

(Ilustração do filme "Os Caça-Fantasmas III" para servir de contrapeso)

Um dia qualquer eu peguei no sono
Sono profundo
De repente me abre uma imagem: 
Eu me olhando, me encarando no espelho do banheiro
Seria um sonho? 
Que medonho! 
Seria sim um pesadelo…
Fiquei poucos segundo me olhando 
Então uma transformação foi começando
Tão depressa que de pronto me assustou
Eu passei de um belo rosto jovem a um rosto velho
Assustador demais! Cadavérico... 
Rugas, tão profundas, iam talhando-me 
Meu rosto, nova expressão foi tomando
Em apavoro, eu fugi da frente do espelho
E me afastando, a partir dali, começou algo a fazer sentido
Eu não pisava o chão, não caminhava, 
Ou, pelo desespero no momento, eu deveria estar correndo, mas não… 
Levemente eu me deslocava
Tão sutil que como se eu não me saísse do lugar
Mas a tudo eu podia alcançar
Olhei onde deveriam estar minhas mãos 
Não conseguia vê-las 
Meus pés… Nada, somente o chão 
Só via o que de material existia em meu apartamento 
Me senti leve, uma fantástica sensação 
Sem dor, sem preocupações, sem angústias, sem sofrimento
Não havia o medo do amanhã e o remorso do passado também não 
As dores físicas, o peso do corpo, as batidas do coração… Não mais
Havia tudo morrido 
Apenas algo permanecia, isso eu não tinha perdido
Não sei definir
Eu apenas flutuava, de verdade!
Finjamos que somente meus olhos e meu cérebro estivessem ali
Óbvio, porque eu pensava e sentia vontades 
Uma delas foi a de acordar meu marido
Eu sabia que ele se encontrava na cama
Fui até meu quarto
Eu queria estender-lhes as mãos,
(Mas eu não as tinham)
Lhe chamar, lhe acordar...
Era tudo em vão
Não conseguia soltar um ruído sequer
Nem forçando muito a mente
Uma tentativa inútil, incoerente
Então a única sensação triste foi a da despedida
Esta eu não ia poder realizar
Olhei para trás a fim de meu corpo encontrar
Nele me apoderar
Retornar ao quarto, abraçar ao meu amado
Beijar-lhe, tocar seu rosto, suas mãos um bocado
Dizer o quanto amo e que nos veríamos em breve
Mas não: fui deixando tudo inclusive minha consciência
Fui embora muito leve
Tudo foi embranquecendo, tamanha eminência
Por algo fui muito grata, de verdade:
mereci um último suspiro que valeu por toda eternidade

Apolítica

Um ato de violência política não revela apenas um crime de uma ação isolada. Ele expõe a fragilidade de nossas crenças políticas. Depois dos...