quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Levado para bem longe


Caminhando pela grama empoçada após a chuva
Ao longe se ouve trovoadas
É fim de tarde e o céu está quase escuro
No horizonte o sol se põe lentamente
Ele pinta uma faixa do céu na cor rosa-alaranjado
É uma linda imagem
Até a cor azul bem escura, vem o céu degradando
Os raios iluminam um destino a trilhar
São só calmarias, não tocam o solo
Não estouram, não fazem assustar
A estrada não tem fim
A tempestade se movimenta
Dos passos certos e rumo definido
O sonho acabou de nascer
Novos ares exalando jasmim
Um belo jardim que há de florescer
se afasta, ao longe se vai
Não olha para trás, não se lamenta
Somente o que fica é o coração latente
De um ser simples, daquele que chora
Que se emociona e vive esmeradamente
Prefere contemplar à natureza a viver da riqueza
Não julga, não dá motivos
É o mais completo indivíduo
Não sente dor ou incerteza
A estrada se estende
A noite cai
A pessoa andarilha vai…
A pé, seguindo a tempestade de outrora
Sem medo de errar
Apenas para ao fenômeno novamente apreciar
Suas cores tocar
Sua luz sentir
Seus trovões escutar
Novamente, à grama molhada pisar
Eis um novo viajante
Os clarões e as calmarias servindo de guia
Para mais uma viagem fascinante

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Resenha: O Idiota


O ocidente e o oriente se mantém tão distante, que, parece que esse “outro lado” é um outro mundo. Não só a distância quilométrica os separam, mas também a filosofia, religião, a cultura em si, e etc. A Rússia é um país que atinge esses “dois polos”: Ásia e a Europa. O ocidente e o oriente mesclados. Sua cidade mais populosa é Moscou. No mais, ao extremo oriente, a cultura já muda bastante, – a sibéria, a fronteira com Cazaquistão, a Mongólia e a China, são exemplos. Para os ocidentais, lá, tudo parece remoto, inóspito, frio, cinza, monótono. Mas não… Pelo menos, os autores russos, deixam qualquer leitor com as mãos suando e o coração quente. E um deles é, um dos mais importantes, senão o maior escritor e romancista de todos os tempos, Fiódor Dostoiévski (1821 – 1881).

Racionalismo, niilismo, miséria, violência, transtornos mentais, humilhação, sadismo, livre arbítrio e suicídio, são temas quais os personagens deste autor enfrentam em seus livros. Existencialismo e, sempre trágico, – as vezes chega a ser cômico – o autor nos leva a um universo literário muito bem detalhado, rico em situações descontroladas, beirando a loucura entre um ou outro personagem. Duas obras, de Dostoiévski, que merecem destaques, são: “Crime e Castigo” e “Irmãos Karamázov”. Mas há uma obra, muito bem recebida pelos críticos da época, e qual é o motivo desta resenha, se chama “O idiota”, datada de 1868.

Pois bem, como o título sugere, o que pensamos ser um idiota, o personagem principal, na verdade é o cara mais lúcido e puro da história toda (ou não? Cabe vossa reflexão). Na verdade, o “idiota” é um príncipe, chamado Liév Nikoláievitch Míchkin. – Um adendo, sobre a palavra “príncipe”, o autor, denomina, lá na Russia, àquela época, o seu personagem algo como “vossa excelência” aqui para nós brasileiros. É uma forma honorável, ou carinhosa, de tratamento. – As vezes dá a pensar que ele não é nada idiota, mas pelo contrário, um salafrário, usurpador (há quem, já leu o livro, pensou nisso também, com certeza). Mas o desenrolar nos mostra outro caminho. O livro nos leva a crer que o homem bom e puro, abastado de compaixão, um verdadeiro cristão, irá sofrer numa sociedade corrompida, mesquinha e vulgar, e que será alvo de todo revés possível, desde humilhação à inveja. Ou seja, o jovem príncipe, torna-se um idiota, – a julgar a sociedade em que ele se encontra – onde seus próximos possuem outros costumes e modos bem díspares dele.

A tal idiotia do príncipe é explícita, logo no início. É relatada pelo mesmo, no trem, no rápido de varsóvia. Encontram-se mais dois passageiros, na mesma cabine, junto à Míchkin, num cenário muito estranho, vulgar, quase que hostil. É uma Rússia, além de fria, óbvio, bem nacionalista; dividida entre religiosos e ateus, militares orgulhosos – que prezam a família e os negócios – e, também, outros personagens salafrários e golpistas, pobres, niilistas, porém muito avarentos.

Ainda no trem, o Míchkin, retornando da Suíça, – onde lá recebera cuidados de um especialista por conta de sua doença – mais os dois homens nada amistosos a caminho de Petersburgo, combinaram de se encontrarem no futuro para uma boa prosa, bebidas, mulheres e coisas típicas de pessoas comuns daquela época. Todos descem do trem e, a partir daí, começam a aparecer diversos novos personagens. O que deixa a história muito interessante e intrigante. Todos loucos, porém cada qual com sua história e compassivos ante ao príncipe

Mais adiante, sua doença, é posta em cheque, quando o mesmo relata seu contato com as crianças, tanto na Suíça, quanto na Rússia. Ele exalta as crianças, a pura inocência e a verdadeira alma que elas possuem. Um dos pontos altos em sua personalidade, indicando completa lucidez. E também não só o personagem principal, mas como os outros, também, têm bom contato com elas, havendo, portanto, uma notória simpatia e carisma entre um adulto e uma criança em diversas passagens.

Afanássi Ivánovitch Totski, Parfen Rogógin e Gavrila Ardaliónovitch Ívolguin, Chtch (sim, não possui vogais), Nastasya Filippovna, entre outros, vão surgindo e enfeitando a longa história do príncipe. Para nós brasileiros, é um tanto difícil até decorar estes nomes, inclusive, pode dificultar a leitura. Sugiro se apegar a alguns apelidos que o próprio autor adota aos personagens. No mais, se acostuma.

Sobre Nastasya Filippovna, que é uma das pivôs de todo o romance, não quero comentar muito sobre seu caso, pois temo em fazer spoiler. Mas os que parecem mais loucos do livro, sentem completa aversão ao dinheiro, porém possuem uma mente brilhante e abdicados de quaisquer riquezas materiais; são ricas em espírito. Por exemplo, esta linda jovem queima uma quantia grande de dinheiro, que lha é oferecida; o príncipe não se importa muito com sua abastada situação ao longo da história e acaba virando alvo dos interesseiros e o jovem príncipe não vacila em dar, ou emprestar seu dinheiro. Outra coisa interessante é que o príncipe tem compaixão pelo sofrimento da dama, Filippovna. Pensa-se que é amor, (pode até ser), mas, mais tarde acaba Míchkin sentindo paixão por outra, – filha caçula de um general.

Algo muito triste nesse livro é que o próprio Dostoiévski o escreveu em meio a crises de epilepsia. E há uns relatos sobre as mesmas no livro que… É bom estar preparados(as) porque, o relato é tenso; assim como a questão da pena de morte por guilhotina, ricamente detalhada, e friamente posta em questão, fazendo-nos pensar o que é mais atroz: o crime cometido por um condenado, ou a pena de morte imposta a ele? Incrivelmente e, infelizmente, uma condenação a morte se deu ao próprio Fiódor Dostoiévski, ao longo de sua vida. Inclusive a rara suspensão à mesma condenação que ele sofrera, também faz-nos refletir. É de se tirar o sono.

Então, prezados leitores, preparem um chá de camomila, de erva doce, desliguem-se do mundo e apreciem o diferente, o estranho, o anormal, o simples e o idiota. Uma obra prima, humanista, existencialista, da literatura russa, um romance clássico! Sua leitura e posterior releitura, em tempos diversos, sempre nos trará questões que venham nos atinjam no âmago, não importando se estivermos no ocidente, ou no oriente. A simplicidade e o carisma do personagem principal nos deixam ainda com vontade de mais leituras. Apesar do título da obra, acho que cada leitor se identificará, sui generis, com o querido príncipe. Com o príncipe, óbvio, e não com os idiotas.


Referência bibliográfica

DOSTOIEVSKI, FIODOR. O Idiota. Editora 34. 2010.
_____. Os irmãos Karamázov. Editora 34. 2008.
_____. Crime e Castigo. Editora L&PM. 2016.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A orquestra do Maestro Silêncio


Um casebre em um paraíso. Mais ninguém. Nenhum bípede. Exceto eu e uma abelha. Ah, havia o Sol. Era o que mais se contava de "tecnológico", irradiando intensamente sua luz, e junto com um gerador de energia elétrica, para as frias noites. Um lugar isolado. Não só verde e azul, havia também o branco diante dos meus olhos. E tudo muito gelado. Mata, árvores, um céu infinito e um lago... Neve ao longe no topo das montanhas, que enormes, imponentes, se erguiam a frente. Algumas nuvens cobriam suas pontas, mas tão gigantescas, tão volumosas, que deveria se inventar um novo nome para aquele tipo de branco, tão puro, uma nova cor. 

A Patagônia chilena é realmente incrível, é mágica, surreal! Tudo lá é de tal maneira, porque não há as mãos dos homens, não há nem sequer algo que o ser humano tenha pensado ali e criado. Mesmo que existisse tal quimera, não há nada no lindo lugar com a força ou o pensamento humano. Nada que o homem tenha feito naquela paisagem, naquela natureza ali.

Então, dentro do recinto, fazia silêncio, mas nem tanto: o barulho que vinha do gerador (que só podia ser obra humana) não parava. E se mantinha numa vibração sonora no tom de Sol maior, que é percebido na música em geral. Notei, também, que a abelha, sobrevoando minha cabeça, fazia um tom de Si maior. Passava por meus ouvidos um longo “Sssiiiiii…”. Para completar, ao fundo, Vivaldi, um concerto para cordas, em Ré maior, (RV 121), - graças a ajuda do gerador. Assim, formava-se, então, no ambiente um lindo acorde de Sol maior. Um gerador, uma abelha e Vivaldi. Sim eles tiveram algo em comum. Três tons, em alturas distintas, sobrepostas, soando perfeitamente no espaço - a Patagônia permite esse universo.

Tudo perfeito, sincronizado, harmônico, orquestrado… Porém Faltou luz! Não! Não a do Sol, que nos aquece e sim a do gerador - que nos satisfaz com prazeres mundanos e modernos. Então, o silêncio se instalou em definitivo. De forma justa, é claro. Como que retomando seu lugar na natureza, que já lhe pertence de praxe. A abelha, ciente da imposição aplicada, pousou, e pôs-se a escutar o "nada". Eu apenas respirava.

Ambos, eu e a abelha, buscávamos algum ruído, alguma coisa, um farfalhar qualquer que fosse. Nada! Silêncio absoluto, completo! Impressionante! Eu nunca havia ouvido um silêncio tão... Ou melhor, eu nunca havia ensurdecido daquela maneira. Eu tive medo em falar qualquer coisa, pois o silêncio era imponente, digno de profundo respeito e obediência. Creio que a abelha, coitada, não queria ser descoberta, em seu canto e por lá ficou.

A bichana, passados alguns minutos, naquela calmaria toda, dormiu. Pegou no sono. Roncou! Aquele “zi… zi…” começou a me incomodar. Eu fui lá acordá-la, mas ela, por algum fenômeno que possua, acordou antes de eu chegar. (É assim com humanos também, estudos devem ser feitos). Eu não ousei falar nada, mas arregalei os olhos e cerrei os lábios, encarando-a. Ela, retrucou se enchendo de ar, e soltando, repetitivamente apontando para mim, - reclamando de minha respiração. Ou seja, eu também a incomodava.

O silêncio então, ciente de nosso respeito e devoção, propôs-nos: permito-lhes sonoridade, porém, que me agrade. A abelha congelou! Tadinha, suas luzentes cores pretas e amarelas, ficaram cinzas e brancas. Eu virei pedra e fiquei roxo, prendendo a respiração, de tanto temor diante do desafio. O silêncio deu-nos uma dica, anexando um ultimato: “apenas sejam; façam!” 

A abelha voou… Eu fui atrás dela.

Já fora do casebre, sob um céu extremamente azul, pisei descalço uma grama pouco úmida e fresca. Respirei fundo, sorri e "cantei". Como que em sussurros. Balbuciava qualquer coisa. Corri para a parte mais próxima ao lago, que repousava no centro do vale e onde a vegetação era mais alta em seu entorno. Meus passos se tornaram rítmicos, ao pisar em folhas soltas, no verde campo que se abria à minha frente. A abelha, muito feliz, voava cruzando meu caminho, alternando a força aplicada em suas asas, tornando um zumbido diferente a cada vez que por mim passava. Algo como um "zi... zom... zum...". Arrisquei um assobio, e lembrei-me do recado: “apenas seja”.

Após uma melodia esboçada com o sopro entre meus lábios, decidi solfejá-la: “lá, laia lalá…” Mesmo sem saber o que cantar, vi que não precisei falar qualquer palavra, pois, quem precisava ouvir a língua dos homens naquele paraíso? E assim decidido, mais leve e em outra dimensão, cheguei à beira do lago, do gélido lago. Não supus adentrar-me, mas mexi em sua borda com os pés. As águas respondiam, suavemente, num doce e sonoro movimento, semicircular, até desaparecer no meio do lago.

A abelha pousou em meu ombro e, maravilhada, me disse: "amigo, eu trouxe a brisa!" Todos entramos em êxtase… O som daquela tenra brisa tocando nossos ouvidos. Um sopro acalentador passando levemente por sobre a vegetação, às folhas das árvores… Tudo tornou-se novamente um esplêndido agrupamento sonoro, uma sinfonia perfeita. 

Ali a música mais bela. Essa união mágica! Essa natureza maravilhosa, onde eu e minha nova amiga, a simpática abelhinha, nos tornamos importantes músicos. Fizemos parte de um todo, dessa orquestra, que, diga-se de passagem, perfeitamente comandada pelo Maestro Silêncio. Basta estar em paz, atento, interligado ao ambiente, que ele chega e dá o tom. Afinal, antes de qualquer barulho, há um natural silêncio.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Um dia, um fantasma

(Ilustração do filme "Os Caça-Fantasmas III" para servir de contrapeso)

Um dia qualquer eu peguei no sono
Sono profundo
De repente me abre uma imagem: 
Eu me olhando, me encarando no espelho do banheiro
Seria um sonho? 
Que medonho! 
Seria sim um pesadelo…
Fiquei poucos segundo me olhando 
Então uma transformação foi começando
Tão depressa que de pronto me assustou
Eu passei de um belo rosto jovem a um rosto velho
Assustador demais! Cadavérico... 
Rugas, tão profundas, iam talhando-me 
Meu rosto, nova expressão foi tomando
Em apavoro, eu fugi da frente do espelho
E me afastando, a partir dali, começou algo a fazer sentido
Eu não pisava o chão, não caminhava, 
Ou, pelo desespero no momento, eu deveria estar correndo, mas não… 
Levemente eu me deslocava
Tão sutil que como se eu não me saísse do lugar
Mas a tudo eu podia alcançar
Olhei onde deveriam estar minhas mãos 
Não conseguia vê-las 
Meus pés… Nada, somente o chão 
Só via o que de material existia em meu apartamento 
Me senti leve, uma fantástica sensação 
Sem dor, sem preocupações, sem angústias, sem sofrimento
Não havia o medo do amanhã e o remorso do passado também não 
As dores físicas, o peso do corpo, as batidas do coração… Não mais
Havia tudo morrido 
Apenas algo permanecia, isso eu não tinha perdido
Não sei definir
Eu apenas flutuava, de verdade!
Finjamos que somente meus olhos e meu cérebro estivessem ali
Óbvio, porque eu pensava e sentia vontades 
Uma delas foi a de acordar meu marido
Eu sabia que ele se encontrava na cama
Fui até meu quarto
Eu queria estender-lhes as mãos,
(Mas eu não as tinham)
Lhe chamar, lhe acordar...
Era tudo em vão
Não conseguia soltar um ruído sequer
Nem forçando muito a mente
Uma tentativa inútil, incoerente
Então a única sensação triste foi a da despedida
Esta eu não ia poder realizar
Olhei para trás a fim de meu corpo encontrar
Nele me apoderar
Retornar ao quarto, abraçar ao meu amado
Beijar-lhe, tocar seu rosto, suas mãos um bocado
Dizer o quanto amo e que nos veríamos em breve
Mas não: fui deixando tudo inclusive minha consciência
Fui embora muito leve
Tudo foi embranquecendo, tamanha eminência
Por algo fui muito grata, de verdade:
mereci um último suspiro que valeu por toda eternidade

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Da morte...


"O conhecimento, ao contrário, bem longe de ser a causa do apego à vida, atua em sentido oposto; ele revela o pouco valor da vida, e combate, desse modo, o medo da morte. Quando prevalece o conhecimento o homem avança ao encontro da morte com o coração firme e tranquilo, e daí honramos sua conduta como grandiosa e nobre" (SCHOPENHAUER, Arthur. Da morte. Martin Claret. 2001. p. 26)


A vida é complexa, irracional, não se estuda a vida, o nascimento, não se pensa sobre isso; do contrário a morte é a musa inspiradora da filosofia e de todas ciências. O fenômeno da morte é o que move. Há quem tente eternizar a vida, evitando a morte; artistas se expressam, muitas vezes, com intuito de se perpetuar de alguma forma, como um símbolo ante ao perecimento. 

A Vida é amarga, cheia de altos e baixos, indefinível, pois uma vez vivos, não sabemos o que virá pela frente, infortúnios, doenças, e por fim, o medo máximo, a morte. 

Mas aquele que a teme, é um fraco. Um indivíduo irracional. Do contrário, quem a espera tranquilo, lúcido e com o coração firme, este é especial. Digno da razão. Este enfrentamento se dá somente pela razão. Essa razão supera a vontade da vida, essa essência. 

Da vida pode-se dizer que já é vontade do nosso ser. Não se tem uma razão por ela. Buscar a razão da vida, estando vivo, é o mesmo que a hélice do ventilador se achar o próprio ventilador (lembrando que hélice nenhuma se moveria a não ser pelo motor e a eletricidade).

O conhecimento sobre a vontade da vida, princípio da nossa existência, é desprezível. Não é o amor à vida que nos mantém felizes, mas o medo da morte. (Não é a luz que vive por si só, e sim a escuridão; não é o som que é eterno, e sim o silêncio). Então, cada dia vivo, uma vitória, e vitória, gera satisfação. 

Se há medo da morte, qual o porquê do valor à vida? O medo prevalece, o medo é a razão. E essa razão, o conhecimento, não dá a noção do sentido da vida, pelo contrário, nos dá ciência da morte. E este é o rotor, o que nos move, o que nos, paradoxalmente, mantém vivos.

Mais uma coisa, sobre o "não-ser". Voltaire e Sócrates alegam que seria preferível não existir, caso tivéssemos (o ser humano) essa escolha entre viver ou não existir. Deixam, eles, dessa forma, a noção que a vida é complexa, sofrível, chata e amarga: 

"... pois o valor objetivo da vida é bem incerto, e é pelo menos duvidoso se a ela, a vida, não seria preferível o não-ser [...] Vá bater nos túmulos e perguntar aos mortos se querem ressuscitar: eles sacudirão a cabeça em movimento de recusa"



segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Espere!

http://img14.deviantart.net/a3b2/i/2010/308/b/e/killing_time_by_quartertofour-d326g4f.jpg

O cidadão do século XXI se tornou um super-herói. Não um super-homem, aqueles com poderes como força, raios ou supernova, nem um X-Men mutante, (nem muito menos o ubermensch, o super-homem de Friedrich Nietzsche), mas o homem com o poder da velocidade. O “Flash”. Tudo se é feito “para ontem”. Não se pode tardar. É uma corrida contra o tempo. Um tempo surreal, diga-se de passagem, tornando o indivíduo em máquina. Parece que a mente humana tem de acompanhar a tecnologia. Vide os anúncios: processadores, memórias, internet, microondas, impressoras, tudo, a cada dia mais rápido. Claro, ótimo! Se a máquina funciona desta forma, maravilha! A máquina… Só ela, ok?

A cultura da indústria e da mídia, associa, de alguma forma, o cérebro humano ao avanço tecnológico. Claro, médicos devem saber operar, utilizar instrumentos, assim como engenheiros também, conforme surge uma nova tecnologia, ou algum novo instrumento, e para isso há exigência de estudos, atualizações e tudo mais. Mas é um trabalho cerebral (vamos assim dizer) em uma área específica. Um foco numa região, uma luz em uma determinada área, e isso pode se chamar ciência. Isso é salutar, desde que não seja algo massivo, claro!

Seja na área humanas, saúde, ou exatas; seja o cidadão que for, - até mesmo o médico ou engenheiro, quando não estão, também, em seus devidos ofícios - todos sofrem esta “cultura da pressa”, todos encontram-se completamente inseridos neste caso.

Tudo é movido à pressa. Tudo é muito corrido nesse mundo... (Coitado do motociclista que faz entregas). Não me refiro somente à pessoa querer ganhar a corrida contra o fenômeno tempo, não… Me preocupa, também, a quantidade (e a qualidade) de informações por nós recebidas (e enviadas). Isso que é o agressor principal do cérebro humano. Tudo é informação. Tudo é corrido. Tudo é um complexo.

Apesar de haver uma ordem no mundo, - na natureza - existe, também, um caos pairando por sobre nós. Estamos vivendo em um caos de informações. Querem (a indústria, a mídia) controlar tanto as coisas, que acabam deixando tudo em desordem. Querem tanto nos manter informados, nos dar conforto, que acabam trazendo o apocalipse para nossas vidas.

A rotina de sair de casa e ir ao trabalho, por exemplo, se tornou algo tão surreal, que você penetra num universo tão caótico e bizarro que às vezes é de se refletir que um consumidor de drogas sintéticas está mais inserido na realidade e no bem-estar do que uma pessoa “limpa”. A gente passa por tanta coisa, vê, olha, ouve, escuta, sente, se atenta, se desespera, se cuida, se previne, calcula, pensa, repensa, se lembra, se emociona, se irrita, se alegra, que… Ufa! É melhor viver no “mundo sintético”. O que é gasto de neurônios com essa “ida ao trabalho pela manhã”… Se a pessoa gastar o que gasta nessa brincadeira ai, apenas focada numa experiência com física quântica, estaria apta a criar um novo planeta Terra, com um novo Sol e Lua (risos).

Nada comprovado cientificamente, óbvio, apenas uma descontração, mas realmente há uma preocupação no dia-a-dia de uma cidade grande. Vejo sim um problema no complexo e na quantidade de informações a nós impostas.

Problemas cardíacos e estomacais, apresentados hoje, - se buscar mesmo a origem dessa doença - irão apontar para outra doença: a mental. Sim! Problemas de estresse, depressão e etc, causam “ferimentos” na matéria; refletem em órgãos mais importantes do corpo humano. Má digestão, por exemplo, pode estar associada à pressa maldita que alguém tem da vida: o almoço atrapalha às coisas mais importantes (fúteis) do cotidiano da vida moderna. A ansiedade, de repente, por concluir algum trabalho, algum projeto, devido à cobranças, ou até mesmo a imposição que a mídia faz ao cidadão, - que o coitado “tem que ter”, “tem que possuir”, “tem que lutar”, pode vir a afetar o sistema circulatório.

A vida não é mais vida, propriamente dita. A vida é luta, guerra, conquista. A “ganância”, palavra e atitude ruim, que até outro dia soava como um desejo exacerbado por algo, hoje se tornou tão normal que é igual unhas nos dedos. O cidadão hoje é desesperado, mas não tem noção.

O que me fez digitar essa “trozoba” toda, foi para falar sobre a espera, na verdade. Até quando se digita, para busca na internet, a palavra “espere” o site de busca lhe mostra imagens e dizeres se opondo: “Não espere”. Nem os bits, nem a internet, a tecnologia gostam de esperar. Claro foram criados por humanos, humanos não podem esperar. Digite “espere” e busque por imagens… Encontrarás algumas resistências, mas haverá um bom punhado de imagens apressadinhas solicitando “não esperar”. Não esperar o que, por que? Quem quer esperar ou o que quer esperar não pode? Qual é a desta imposição? 

Esperar (transitivo direto, transitivo indireto e intransitivo), não existe mais para a mulher, ou o homem moderno. Este ato, este verbo, é indigno. Quem espera é desprezado; quem se adianta, se apressa é benquisto. Claro, ninguém gosta de atraso, ou de ausência, de fato, num encontro, por exemplo. Mas isto está envolvido mais com moral/ ética de alguém do que a opressão que este mundo moderno está fazendo ao seu habitante.

O instantâneo é uma virtude. O esperar morreu e foi esquecido… Ninguém mais quer ouvir esta palavra, ou saber de alguém que “está esperando”. Esperar… Mas tem aí, dois sentidos, dois pontos de vista. Vejamos... O ato de se esperar, que causa repulsa a uns, está se tornando um bom viés para outros.

Algumas pessoas estão recorrendo à “espera”, como uma alternativa, uma dose diária de virtude, de bem-estar. Antes havia meditação, yoga, tai chi chuan, chá, sauna, massagens… Não! Hoje basta sentar e esperar, algo, ou alguém, que… Pronto! Renovado, relaxado, mundo caótico esquecido por alguns minutos, ou horas.

Sentar e esperar parece, no mundo moderno, ser a solução, a fuga, para muitos problemas. É andar na contramão da correria desenfreada imposta por indústrias em conluio com meios de comunicação. “Tire 30 minutinhos, 1 horinha para esperar e veja o bem que esta espera lhe fará”. Novo slogan do mundo moderno. Chegamos a este ponto… Pois é! “Esperar”, agora é um meio que se encontraram para fugir do mundo bizarro, atroz, que foi criado por pessoas insanas e egoístas.  O que era uma coisa comum, como unhas nos dedos, agora se tornou uma jóia rara e preciosa. Agende com seu médico, ou com algum serviço no setor público/ privado e espere… Espere, que faz um bem danado.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Seria um sonho a felicidade?


(Não sei se defino como pesadelo ou um sonho)


Eu estava escrevendo meus humildes textos, - essas rimas que alguns a definem como poesia - e quando terminei, um senhor, com vestes estranhas, barbas longas, chegou ao meu lado e pediu para lê-lo:

- O que tu escrevestes aqui? Mas que horror!

- Considere... Não sou profissional... Nunca nem estudei para tal.

- Esta segunda estrofe aqui, não condiz com o "ser" e o "um"... - dizia o senhor. 

Ele falou, falou, falou e eu não entendi duas palavras ligadas uma à outra. O cara parecia falar grego. (Ah e por falar em grego, o homem se apresentou, após as críticas. Era ninguém menos que Aristóteles. Mas como era um sonho, ele se expressava em português mesmo). E continuou... Ele simplesmente escreveu um livro, a partir de teses e antíteses baseadas na minha pobre poesia... Seu livro se chama "Metafísica". Só o título já é de difícil compreensão.

Enquanto debatíamos, eu me defendia, óbvio. Eu me expressava, em forma de poesia, sobre mim mesmo - e que não era lá aquela poesia. E somente eu, creio, posso falar o que sinto e que, de fato, eu sou e, ao que me conecto. 

Quando percebi que Aristóteles estava chegando a uma conclusão sobre meu trabalho, - que é uma vitória para mim, realmente, pois filósofo que é filósofo, grandioso, é aquele que pensa, pensa e não se chega a lugar algum, deixando sua dúvida (ou suas assertivas) em aberto, e ao longo do infinito ninguém também consegue defini-la -  surge, do nada, seu conterrâneo, Epicuro.

 Este chegou cheio de atitude e me esculhambando, me acusando de faltar com respeito ao tempo e ao prazer. Aristóteles o chamou de louco. E ficaram discutindo, dialogando sobre milhões de coisas. Eu dormi em meu próprio sonho. 

Então Epicuro tratou de escrever o que pensava. Dizia ser uma carta a um amigo seu. Seu rascunho tão logo ficou pronto e posteriormente fiquei sabendo que a "Carta sobre a Felicidade (A Meneceu)" viera deste pequeno encontro em meu sonho. 

Eu fui criticado por Aristóteles e Epicuro, e ainda assim não me envergonho de lançar o que penso sobre mim, como um indivíduo, como “ser” e “um”, aliado à felicidade:

A felicidade é, na verdade, quero dizer, 
ficar, nem que seja por um minuto, 
proporcionalmente longe do prazer.
A medida que dele se afasta, resoluto,
mais feliz se torna o nosso ser.

Apolítica

Um ato de violência política não revela apenas um crime de uma ação isolada. Ele expõe a fragilidade de nossas crenças políticas. Depois dos...