sábado, 31 de dezembro de 2022

Música-silêncio


É madrugada. Você está no meio do nada, no alto da mais alta montanha. Estás em casa, deitado numa cadeira reclinada extremamente confortável na pequena varanda. Tua vista é espetacular. A visão alcança tudo o que é tipo de montanhas e vales sob um céu lindo estrelado, pós-chuva, onde a Lua faz iluminar a paisagem a frente parecendo haver espalhados pequenos diamantes por toda a extensão verde oliva. Assim tu pensas: vou ouvir as ultimas músicas e, depois disso, irei dormir. 

Tu pões o modo aleatório e deixa… Caraio! É uma atrás da outra. "Só as que agrédi". Tu não consegues parar de ouvir. E vem outra, e outra… e tu pensas, "caraio, tem umas músicas medianas aqui na lista que eu conseguiria parar de ouvir agora para me deitar, facilmente". Mas não. O DJ virtual é venenoso. Solta só as violentas. 

Depois de meia hora tu achas uma brecha e desliga o player e tira o fone. É aí que vem o "pior". O silêncio audível de forma bem pura, mas ainda não o silêncio absoluto. Eis a música mais bela e sublime que se pode ser ouvida; a obra mais perfeita já composta. É simples, suave, lenta, profunda; acalenta e tranquiliza. É uma música só, mas a música com a maior duração que se tem registro. Ela é a transcrição do perene. 

É tão impressionante que nem pensar você consegue direito ao ouví-la. Tudo parece estar ao seu ritmo. E você também. Teu cérebro fica estável energeticamente; o coração para de pulsar. Todos os sentidos ficam em harmonia com a música-silêncio.

O que falo não é sobre a sequência de várias músicas, uma atrás da outra, havendo intervalos entre elas e até mesmo pausa nas músicas. O silêncio é inteiro, intenso, é pura música. É o fundamento da faculdade de ouvir as coisas; belas coisas.

Então, tu cais na profunda escuridão. És levado por esta música-silêncio perfeita, silenciosamente executada, ao sono profundo. E no sono alcanças um silêncio ainda maior que tua consciência, em vigília, não tens mais poder sobre si; a forma primeira da música-silêncio, seu princípio próprio, lhe toca. A mente ativa, desperta, não chega a ter qualquer contato com este nível de estado de ser: o sono profundo.

Infelizmente, não podes mais senti-la, esta música absolutamente silenciosa, sob todos os sentidos que possuís enquanto consciente, mas sabes que ela está lá, por causa do teu estado inconsciente. Tu sabes, dessa forma, de sua legitimidade última: o silêncio absoluto. Como se fosse uma metafísica da música-silêncio. Tivestes ciência disso tudo porque acordastes e ainda havia resquícios disso tudo flutuando no pensamento, no teu íntimo. 

Contudo, enfim, é um ouvir inconsciente de um silêncio inimaginável e, obviamente, inaudível. É o momento que tu sabes que o teu eu incognoscível se encontra com o silêncio absoluto, impossível de ser alcançado e, só de tentar imaginar isso é extasiante e complexo demais. Portanto, daqui não há mais como expressar sobre isso. Paremos por aqui. Silêncio…

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Novos ciclos e nossas culturas permanentes

Por Felipe Caprini



O Brasil é múltiplo mesmo não é? É ímpar! Herança de infinidades culturais. Vejam só um pouco dessa diversidade tendo como referência os dias que se aproximam: o Réveillon, ou seja, o dia 31/12 e o dia 01/01 do outro ano.

Réveillon: esta palavra francesa significa “despertar”, “acordar”, ou "nova etapa de vida" que se inicia, ou "um novo dia". Porém, antes, esta palavra se referia às festas que viravam a noite na França há muito tempo. Depois, passou a referir-se às festas de virada de ano, da realeza francesa pelo século 17.

Embora a palavra seja francesa, esta grande festa a que ela se remete vem de muito antes do que se imagina. Povos de tempos muito remotos, também realizavam suas celebrações de passagem de ano - e até hoje países mantém suas tradições conforme seus antepassados, pois as comemorações de fim de ano são diversas e bem distintas mundo afora.

A título de exemplo, tem-se registro de que há 2000 anos antes de Cristo, na Mesopotâmia, algo referente a um festival de "Ano-Novo” já era festejado. Os fenícios, os persas, assírios e, por fim, os gregos, também já celebravam neste sentido.

No entanto, atualmente, a julgar nossa mente ocidental, herdeira do catolicismo e da cultura romana, tendemos a tornar o sagrado sempre vivo e, para isso, ele tem que se tornar cíclico. Para que não "despertemos" uma só vez, ou que "não tenhamos uma só etapa na vida", trazemos todo ano o que julgamos ser os melhores momentos. Alguns destes, por exemplo, são aniversários (data de nascimento), o Réveillon, a Páscoa e o Natal. É o quê divino presente em nossas vidas naquele exato momento. Por trás disso, carrega-se diversos ritos, pois o sagrado é cíclico, sempre retorna e este é um momento de religação com o que a nós é superior, com o divino - e tudo precisa ser agradável e marcante para que o próximo ciclo (ou "no ano que vem") tudo se repita.

Deixando o Natal de lado agora, porque ele já passou, direi sobre o Réveillon e seus costumes - pelo menos os que vi e convivi aqui no RJ: usar vestimentas brancas, comer sete uvas, pular sete ondas, fazer pedidos a Deus, Deuses, ou Orixás, levar oferendas, mesa posta bastante farta, estourar champanhe, entre outras coisas.

Até onde sei, alguns destes principais costumes, ritos (sagrados), vêm da religião de cunho espiritualista, mais precisamente, da Umbanda e Candomblé. Não que isto exclua a herança católica ou outras mais, mas se entrelaçam. Há, no Brasil, algo muito sui generis que se chama Sincretismo, e isso se justificará mais adiante.

Há tradições e rituais advindos de outros povos mais antigos que se possa imaginar. A mesa cheia de comidas e bebidas para se comemorar de tempos em tempos, há registros de povos pagãos, como os Viking's; superstições diversas e rituais já eram costumeiros até mesmo na Ilíada, de Homero. Estas coisas são passadas de civilizações à civilizações. Hoje, fazemos tais coisas como antigamente com mesmo intuito - não exatamente, mas mantendo as tradições.

De volta ao Brasil, aqui no RJ, SP, BA e demais lugares onde tem praia, principalmente, vemos o culto a Iemanjá e suas oferendas ao mar e os diversos pedidos de prosperidade; outro exemplo, as plantas chamadas "Espadas de São Jorge", ou Ogum, e pedidos para vencer as demandas, proteção; os lírios - as flores de Oxum ou de algumas das "Nossa Senhora de(a) …", e os rogos de riqueza material ou espiritual. Pular 7 ondas, comer 7 uvas... O número sete é cabalístico. No espiritismo, esoterismo, ele está ligado à espiritualidade, à introspecção, à reflexão, à sabedoria, entre outras coisas mais comuns ditas, inclusive que ele é o número "perfeito". Já na Bíblia, é lido com frequência o número doze; se diz muito a respeito deste número no cristianismo: doze apóstolos; 12 tribos de Israel; durante a noite cantavam-se 12 salmos; coroa de 12 estrelas de Nossa Senhora e etc.. Em vista disso, vejam, não importa quando e nem como, o ser humano busca, de certa maneira, sobre o mistério da vida, sobre o conhecimento do mundo e sobre o divino.

Estes são alguns exemplos que unem tanto católicos quanto religiosos de matriz africana e, até mesmo, aqueles que não têm religião específica, mas que crêem na força da natureza, no místico, ou possuem suas superstições, crenças diversas ou fé simplesmente.

Outro hábito muito tradicional e, quiçá, o mais usado, herdado das religiões afro no Brasil é o vestir-se de branco: um gesto em prol da paz e uma grande reverência à Oxalá. Além dos mais, a própria Umbanda - ao menos soube por meio dela -, diz que a cor branca é a reunião de todas as cores possíveis. Outra referência a Oxalá, o pai de todos. Portanto, aquele que veste-se de branco o faz em respeito ao mais velho Orixá das mesmas vestes (branca) e em prol de estar representando todas as cores e seus diversos atributos. Não sei de outro motivo qual pessoas não religiosas usam branco no Réveillon; católicos, protestantes, budistas, muçulmanos… não sei. Porém, sei que, estando aqui no Brasil, o fazem desde há muitos anos.




Particularmente eu gosto muito do amarelo, para esta data. Me remete ao ouro, amo coisas douradas e seu brilho. Além do mais, as pessoas, à noite, com suas belas e novas roupas nesta cor, realmente, criam uma atmosfera muito aprazível. Porém, minha cor preferida é a cinza, depois a preta.

Neste sentido eu já tenho o costume de seguir as tradições. Eu não usaria preto, tipo, uma camisa de banda "Rock n Roll", ou "Death Metal" em pleno Réveillon - nem uma blusa preta simples. Isso não quer dizer que eu jamais usaria, mas não curtiria. Além do mais, sei lá, fica meio forçado dizendo que sou o diferentão do resto do mundo. Embora eu ache também que muitos usam cores brancas por, simplesmente, ser algo mercadológico e tipo "todo mundo usa, então farei o mesmo", não sabendo os reais motivos ou os porquês disto.

Então, o que vale é o que significa este nosso estado-de-ser cíclico, concebido, sei lá, desde os mesopotâmicos - talvez seja algo que não muda em nossa essência como humanos; vale é estarmos cientes de que tudo retorna e que buscamos eternizar nossos melhores momentos. É esperar que retorne aquele dia que você deixou escapar, aquela oportunidade de emergir em meio a todo o complexo em que se vive. É esperar o momento certo para, enfim, tomar uma grande decisão na vida - porque, afinal, ninguém toma grandes e lúcidas decisões aleatoriamente, tipo, do nada; há momentos para isso. Há situações que podem não ser o caso de acontecer neste ou naquele ano, mas no próximo; ou nos próximos 4 anos (!!!); talvez toma-se uma decisão, que seja, no ciclo semanal: um domingo, uma segunda, sexta-feira... Há dias e mais dias, quase que ritualísticos para tal; ou no cíclico raiar do dia, ou na quieta e escura noite, pode-se despertar para algo muito positivo. Todos estes mesmos momentos são momentos de nosso próprio Réveillon e, obviamente, o queremos mais e mais. Um retorno, eternamente, destes momentos, bons momentos.

Alem do mais, sendo Réveillon ou Natal, Páscoa, Aniversário ou até mesmo Dia dos Finados, que estes dias, meses ou anos, sejam de pura reflexão. Tudo bem que hoje muitas datas comemorativas, cíclicas, sejam comemorações mais mercadológicas do que religiosas e, mais remota ainda, a ideia de uma celebração da nossa vida em particular, de um momento nosso, de nossos feitos, não! Tudo bem também que o Natal seja um evento reforçado por uma religião cujos fiéis e simpatizantes, sejam maioria neste país - no mundo, melhor dizendo; tranquilo que estamos comemorando aniversário de um Homem Santo, ou de um Deus que pode-se nem crê-Lo e que, segundo as escrituras, Ele passou por aqui há exatos 2022 anos! Eu sou um tanto descrente, confesso, mas, pensando aqui... Quantos aniversários eu já invadi? Quantos aniversários eu já fui de penetra? (risos). Curti, comemorei, comi e saudei o aniversariante mesmo não o conhecendo ou não tendo ideia de quem fosse.

Por fim, sendo religioso ou não, seguindo ritos, tradições, ou não, o mais importante é acendermos nossas vontades, fazê-las explodirem e reverberar nos confins deste universo. Marcarmos nossa passagem com nossa celebração. É termos ânsia de vida, de afetos, de pares, do próximo. A cada ciclo ascendermos-nos, como uma chama, que, de forma cíclica, só se move para o alto, para cima dela própria. E é o que devemos, por nós mesmos, fazer: ascender como pessoas, como indivíduos cheios de vontades e de paixões, procurando superarmos-nos. Mas atenção! Superar, mas não como pessoas podres, asquerosas, pondo-se acima daqueles que são iguais a elas; e sim superar nossos próprios limites e nossas atuais condições sejam elas quais forem, sem prejudicar-se e muito menos levar dano algum a qualquer outra pessoa.

Excelentes ciclos novos a todos nós, indivíduos múltiplos e maravilhosos.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Como eu vejo a Filosofia




Ontem estive ouvindo Tchaikovsky – Valse Sentimentale. O YouTube rolou aleatoriamente alguns sons que costumo ouvir: Led zeppelin, Monarco, Queen, Paulinho da Viola, Van Halen, AC/DC, Jazz e musicas Barrocas. Porém, nesta lista de DJ metido a eclético, veio a calhar de tocar este senhor, russo, do século XIX – período romântico -, com esta sentimental obra supracitada.

Enquanto ouvia-o, sentia que algo me impressionava: é que sons, para mim, são mais impactantes que imagens. Quase não reajo à imagem. Agora, em contrapartida, os sons já tornam diversos sentimentos em meu interior.

Em seguida, já mais tarde, antes de deitar-me, fui ler. Livro filosófico, de cabeceira. Nietzsche. Leitura leve… Tranquila! Luz baixa, silêncio… Daquelas leituras que, ao invés de o corpo liberar hormônios que façam dormir, acabam produzindo adrenalina. Aquela normal vontade correr uma maratona, de ir a nado até Paquetá, só porque leu e conseguiu compreender um parágrafo do dito cujo com a clareza de água mineral. Uma sensação de que o próprio estava conversando com você e que te fizeste entender seu pensamento.

Dois fatos, diversas sensações: uma através da audição e outra através da visão. Sentimentos bem distintos entre o ouvir uma bela canção e fazer uma boa leitura. É coisa íntima, creio, o que cada um sente com suas músicas e suas leituras. No caso dos livros, a sensação é de que o próprio escritor está conversando com você, fazendo você entender de forma mais clara possível, o seu pensamento – compositores também, mas de uma forma muito mais abstrata. E essa troca, certamente, faz com que elaboremos melhor os nossos próprios pensamentos com mais riqueza.

Então, foi assim… Após um bela música e em meio à leitura – levando um choque existencial, em que o livro veio a cair no chão, eis o momento de assombro seguido de imobilidade e profunda reflexão. É assim que nasce, constantemente, um novo ser. É assim que o leitor, em geral, se transforma, amadurece. No fundo, é o que sinto também diante da compreensão de uma obra musical; é o que sinto, da mesma forma, quando faço uma leitura filosófica; até mesmo, enfim, é o que se passa diante das diversas questões que o mundo me traz. É daí que brotam alguns exercícios filosóficos

A partir disso, surge-me uma cara questão, que irei lançar mão da analogia com a música para explicar de certa forma a minha relação com a Filosofia. Me colocando como um espectador de uma orquestra sinfônica que, ora maravilhado, ora apavorado, atento-me a todo e qualquer detalhe a julgar o tipo da imersão que a obra proporciona. Posso assim dizer, por tabela, como eu vejo a Filosofia, ou seja, o que tenho a dizer sobre mim mesmo, enquanto leitor e enquanto um ser existente. É isso.

Primeiramente uma orquestra sinfônica não necessita de eletricidade, máquinas, aparelhos e nenhum recurso de aparelhos tecnológicos/ eletroeletrônicos. A Filosofia muito menos. Ambas vêm de mentes pensantes – ora abstratas, subjetivas, ora até mesmo de experiências -, das potências tanto dos músicos quanto dos filósofos. As duas emergem quando há ao menos um bom raciocínio lógico, criatividade e o mínimo possível em questão material – material, digo, aparelhos eletroeletronicos e tecnologias que servem como suporte à nossa vida.

Segundo, a Filosofia na sua totalidade é como uma grande obra de orquestra sinfônica sendo executada. Uma infindável obra composta onde que à cada nota segue-se outra nova e assim sucessivamente, por todos os instrumentos, até os confins deste mundo. Soa por todas as direções e ela nunca termina. Pode haver uma pausa ou outra, mas terminar? Jamais!

Em seguida, ouvindo o todo da orquestra, todos os instrumentos, uníssono, é de causar espanto: nos impacta de forma marcante. É maravilhoso!; também impressiona, vez ou outra, causando tormentos. Já dando atenção especial as suas vozes, ou seja, às sonoridades individuais, deparo-me com outro espetáculo à parte.

Outrossim, a Filosofia como um todo, é assombrosa, espetacular; potência geradora. Só ela afeta e nunca é afetada. Quanto as suas vozes, estas seriam os filósofos. Por exemplo, a atenção que se dá em um grupo de vozes na orquestra – às cordas (violino, viola, contrabaixo, piano…) -, seria o mesmo que se aprofundar em específicas correntes filosóficas – existencialismo – (Sócrates, Kierkegaard, Nietzsche e Sartre…).

Por conseguinte, a julgar as partituras, no caso, distribuídas na orquestra à cada músico – replicantes -, são as maravilhas que saem da mente do autor e ganham vida nos instrumentos. Da mesma forma as obras filosóficas. Em ambas existem belas escrituras. Na orquestra, cada parte da música tem seu ritmo, seu andamento, seu tom, todo um tema, um enredo; há começo, meio e fim – não necessariamente nesta ordem -, ou é cíclica. A Filosofia possui tudo isso. Ela é distribuída, comumente, através das escrituras, dos papéis; das falas. Seu ritmo, seu tom, e todo enredo são executados por filósofos através da gramática, da literatura, das diversas formas de como ela é contada e narrada.

O que impressiona, tanto em uma orquestra sinfônica, quanto na Filosofia, é a harmonia. Esta palavra em específico, nos remete a equilíbrio e organização. Sim, ora em uma, ora em outra, há o desejo por estes elementos – mas não são necessários. Então, o prazer que se há em ouvir notas combinadas formando um acorde, ou um conjunto de instrumentos executando ao mesmo tempo – ou em tempos distintos, que seja – belas sonoridades… Esta harmonia toda é o mesmo que se deparar com um belo raciocínio filosófico, bem encadeado, bem resolvido e quase fechado – seja de um autor e sua peculiaridade, seja de vários filósofos formando a Filosofia como um todo.

Ainda sobre este tema sobre harmonia, pode-se ter uma música que soe consonante, que pode agradar perfeitamente, ou dissonante, que pode causar desconforto. Da mesma forma a Filosofia que tanto pode causar, através de um perfeito agrupamento de proposições, uma bela consonância, quanto algo muito destoado, muito incômodo e dissonante dentro da composição filosófica entre as diversas teses dispostas por aí.

A saber, tudo isto faz parte da Filosofia, estas contraposições de ideias. Ideias que para uns podem ser análogas a uma música muito desagradável, sem conexão, sem harmonia entre suas notas e seu ritmo; ou, em contrapartida, ideias que lhes são tão perfeitas, tão caras, que parecem preencher todo o ser com maravilhas faladas ou escritas.

Em seguida, como em um dueto musical, ora eu acho esplêndido um solo de saxofone – instrumento de sopro, da classe dos metais -, ora me comprazo com um solo de piano – instrumento de cordas, da classe de percussão. São opostos, completamente distintos, em tudo, porém me deixam extasiado. Posso dizer que esta maravilha na Filosofia também me deixa “fora de si”. A sua capacidade ambígua e, mais além, aporética (sem saída, sem solução) são questões, às vezes, tão simples de se compreender, mas que geram infindáveis dúvidas; diversas posições podem emergir deste entendimento, mas elas sempre me mantém preso diante das duas vias distintas que se me abrem.

Alem do mais, como uma síncope rítmica, o meu espanto se dá com a Filosofia através da posição de incapacidade que ela me deixa. São os maiores e mais intrigantes atos filosóficos que me deixam cada vez mais intrigado aos paradoxos também: inerte, estupefato, porém com vontade de desvelar, de seguir em frente diante de um caminho já fechado e sem saída – ao menos aparentemente.

Os julgamentos, os gostos, as escolhas do que é bom ou não… Isto acontece na música. Podemos apontar uma música ser ruim por diversos motivos: técnicos ou apenas por memória afetiva. E o que fica é: existe música ruim? Já nos campos da Filosofia, tem-se o que é certo ou não; do que é incoerente ou do que é ético… Isto está tão enevoado, tão incompreensível, quanto a mais bela obra composta ou o mais perfeito livro já escrito. A Filosofia permite que possamos fazer um juízo, ser mais justo, ser “mais perfeito”, mas da mesma forma ela nos remete à pergunta: o que é o “gosto”?; o que é “justo”?; o que é “bom”, “ruim” ou “bem” ou “mal”? Esta aporia que me deixa tão extasiado como ouvir “Don’t Stop Me Now”, da banda Queen.

***

Ademais, como em algumas composições sinfônicas, o autor pode sugerir diálogos entre instrumentos (vozes) que dentro de um Tema há a polifonia, duetos, solos, fugas e etc. Nada mais são que as vozes em diálogo enredando a música ou a obra da orquestra. Na Filosofia não há diferença. Pode-se ver, pois, como o próprio nome já diz da dialética. Desde os pré-socráticos até os dias atuais, dentro de um Tema, há respostas, contrapontos, controvérsias, sínteses, debates diversos – não necessariamente consonantes, harmônicos e rítmicos; podem soar, como já foi dito, caóticos, desagradáveis. Eis mais uma parte em que a Música e a Filosofia dão as mãos em um grande impacto.

E, assim como para toda uma orquestra soar de forma perfeita é necessária a afinação, para a Filosofia é necessária a lógica. Da mesma forma que se escreve textos – como este, por exemplo -, escreve-se obras musicais. Dentro da partitura há toda uma lógica. Há regras a serem seguidas, por mais que se queira ser dissonante e caótico, tem de haver lógica. Primeiramente, todos os instrumentos têm de estarem falando a mesma língua, ou seja, estarem afinados, seguindo um campo harmônico. Caso contrário não se tem uma obra musical, tem-se ruídos, barulhos quaisquer. Com a Filosofia não é diferente. Precisa-se de um encadeamento, uma sequência de premissas fortes, rumo a uma tese com desfecho convincente, uma afinidade no raciocínio do autor, seja na escrita, seja na fala, seja em qual for o tipo de comunicação – a lógica tem de estar presente. Caso contrário…

Por fim, os dois casos pedem práticas. Tanto para a música quanto para a Filosofia é fundamental os estudos e a prática: seja escrita, seja falada e, principalmente, os atos cotidianos, de fato. A partir disso, segue-se a habilidade, a sagacidade, a desenvoltura. Tanto para uma orquestra se expor, quanto para a Filosofia, pede-se a indecência, o despudor, a dissipação de tabus, a emancipação moral, a exposição feroz da palavra, da voz (musical), do corpo; necessita-se da audácia e, acima de tudo, de coragem.

domingo, 11 de dezembro de 2022

Nietzsche e os conceitos de transvaloração dos valores e o além-homem



Primeiramente, precisa-se saber sobre a transvaloração dos valores. Devemos nos perguntar que valores são esses. Nietzsche se refere aos antigos valores, que são dois. A começar pelo valor que teve início lá em Platão. Para este antigo filósofo grego, existem:
- O mundo das ideias, dos padrões ideais, do belo, da perfeição, o mundo da realidade primeira não aqui no mundo que vivemos;
- E o mundo dos sentidos, mutável, cópia do real, suscetível ao erro. Um mundo aparente, mundo no qual estamos inseridos.

O outro valor criticado por Nietzsche, que ainda está vigente, junto com o mais antigo valor do Platão, é o mundo cristão religioso:
- É o valor que prega que existe o céu que acolherá aqueles que seguem a Cristo, um ser transcendente; aí existe a ideia de benevolência; do justo, do belo, do perfeito, enfim, o paraíso cristão; vê-se um mundo ideal, um mundo em que no céu há Deus, como figura absoluta.
- Já na terra, as coisas mundanas, a vida mundana, as imperfeições; o mundo terreno, perecível, suscetível ao erro, ao pecado.

Estes valores afetam profundamente as concepções sobre nós mesmos. Passamos a valorizar o que está no além, o que não está aqui - quiçá temos provas cabais que exista "algo lá fora" -, e desvalorizamos o que está aqui, negando fundamentalmente a vida.

A julgar que não existe bem e mal, virtude e pecado, perfeição absoluta e imperfeição, estes conceitos acima não condizem com nossa vida. Não foi criado, por um ser superior, a qualidade do bem, do que é supremamente bom. Também não foi criado por alguém dotado de poder extra ou sobrenatural. São criações nossas próprias a considerar a época e o lugar em que vivemos. Portanto não há bem supremo, algo absolutamente bom externa a nossa realidade.

Por conseguinte, Nietzsche mesmo diz não haver um mundo transcendente, algo externo a nós, que devemos dar valor e segui-lo. Pois, ao fazer isso, o homem se afasta da própria vida, porque, ao buscar o ideal fora dela, vivemos uma vida para um céu ditoso em detrimento da vida aqui. Invertendo-se os valores.

Portanto, em se afastando da vida aqui, adotando o ideal platônico-cristão ou do "homem ideal", acaba que nos enfraquecemos. Isso afasta cada vez mais do que somos. E, neste caso, somos potência de vida, de existência aqui e de desejos. Se tais valores criticados por Nietzsche prevalecem, então acabamos vivendo uma vida fora daqui, ainda que estejamos aqui - que é um contrassenso.

Por isso a superação destas ideias. Superando-as, reduzirá o platonismo e o consequente cristianismo ao pó. Haverá, assim sendo, apenas registros históricos destes e não mais imposições de valores como fontes de vida. Eis que a famosa e controversa frase entra em ação: Deus está morto. Morto porque seus valores pereceram. Seus valores foram reavaliados.

Ademais, não tem como deixar de lado este filósofo do século XVIII, Immanuel Kant, que foi o terceiro e último deicida, aquele que deu o tiro de misericórdia em Deus. Sua filosofia, em grosso modo, diz sobre os limites do conhecimento e diz que o mundo como ele é, é incognoscível. Não podemos alcançá-lo - nem com o intelecto (conforme pensou Platão) e nem após a morte (promessa cirstã). Ou seja, mundos que existem, mas são inalcançáveis? Então, são valores ou filosofia, inúteis - segundo Nietzsche. Isso é o afastamento máximo do homem consigo mesmo, com a terra, com o que está aqui, com o que é imanente e que, portanto, deve ser reavaliado, superado.

Logo, constata-se que o homem, ou o além-homem, é o superar-se. Superar seus limites, superar esses valores ditos ou escritos não se sabe por quem; quem é este "quem", onde ele viveu, como viveu e quando? E tudo o que foi dito em outras épocas ou o que vem de uma realidade externa, cabe a nossa vida aqui, agora? Isto não é possível.

Além do mais, esta forma de superação não é uma superação de forma vertical e sim uma forma de ir além, de forma horizontal. Pode-se dizer que seja uma superação dos seus próprios limites, dos seus próprios medos, dos seus próprios valores. Afinal, somos criadores de nossos valores, somos donos de nós mesmos e nada há de errado em um dia superarmos-nos. A partir disso, Deus e qualquer valor transcendente deve ser transvalorado. E, só se reavalia, só se pondera os valores vigentes, com a "morte de Deus".

Sobre o termo "superar o homem", "além-homem", que Nietzsche cunhou em alemão, o "über_mensch" que eu queria me estender um pouco.

Obs: "über_mensch", mas tudo junto, sem a linha - senão sou bloqueado de novo por discursos abomináveis conforme a imagem em anexo.

Este é um conceito que foi mal interpretado e ainda o é hoje. Ele nada tem a ver com uma superação humana em detrimento de outros. Este conceito é sobre singularidade - é uma questão de individualidade, porém de um indivíduo potente vivendo em meio a conexões, em um sistema complexo de tantas outras potencialidades no mundo aqui. Praticamente, este conceito em alemão, pode-se entender como uma forma de superação de valores que estão aí e não a de superação - seja lá de que forma - dos outros que convivem, que coabitam. Não é o caso de um se achar mais poderoso, melhor, mais belo e perfeito em relação ao próximo. Não! Isso é má interpretação e isso já levou a sérios problemas no que diz respeito ao homem antropologicamente falando. O além-homem é deixar para trás valores, medos, traumas e, inclusive, esta ideia de vítima, de sofrido - ideia pessimista da vida.

Estes valores impostos, cunhados por outros, que reinam sobre nosso consciente estão de certa forma taxando-nos como seres primatas que não conseguem reavaliá-los; como pessoas que ainda são como recém-nascidos na Terra; pessoas domesticadas, sem potência alguma, sem independência. Alguém que não tem capacidade de se auto-aplicar seus próprios valores e que com isso fazem de muletas os valores platônico-cristãos.

O além-homem é se expandir individualmente por si, apenas. É ter potência como, por exemplo, o Sol - aquele que possui luz própria e que não necessita de nenhum outro astro para ser iluminado. É o que se entende, analogamente, por além-homem: aquele que pode, que tem potência e desejos (diferentemente de "daquele que tem poder" - talvez por isso muitas más interpretações).

Embora alguns homens e mulheres tenham se superado, saído do seu estado de pura obediência, de pura passividade a estes valores e tenham se superado e, ainda mais, trazido às vidas dos seus próximos diversas melhorias, avanços em diversas áreas, ainda assim alguns atribuem a Deus, a algum ser superior externo, tais feitos. Isto é venerar o Céu em detrimento da Terra! Vide o avanço tecnológico e científico; a medicina, a ciência em geral... Não foram obras de um saber externo, de um modelo ideal de consciência transcendente, ou inspiração divina. Foram potencialidades, desejos humanos, valores mundanos! Foram fatos que se deram devido as nossas interações, nossas pulsões e nossas complexidades.

Diferentemente dos "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; os que sofrem perseguição […] porque terão seu lugar ao lado do Pai", que entregam suas vidas ao reino do céu - ainda que estejam aqui -; vivem, estes, uma realidade externa que mal sabem se existe de fato, sob tais promessas de consolação, justiça e de bem maior. Tudo isso em um lugar longe, imaginado por sabe-se lá quem; e, pior, dito por um Deus transcendente ou um Ser que está fora da nossa realidade.

E assim, por fim, que entra o conceito além-homem, em alemão "über_mensch": a transvaloração de todos estes valores confusos e irreais. É o entendimento que deve-se ter dos seres humanos, ou os homens, (como você preferir) no seu devido lugar: aqui! Na sua própria realidade, cheia de afetos, potência, desejos e vontades de superar a si mesmos. Analogamente, é a forma qual as pessoas, sem milagres e sem medos, atravessem, elas mesmas, as diversas pontes construídas sobre as violentas forças das águas dos rios da vida, deste mundo aqui e agora.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

O DIA EM UM SEGUNDO



 Amanheceu, os raios do sol anunciam.

Os pássaros cantam, filhotes piam…

Há um movimento natural nas coisas pela manhã

e o pobre silêncio da madrugada anterior é amordaçado

Tirânico e real, novo dia

Eis que ele surge e nos coage ao movimento, a seguir em frente, a viver

Porém não é o que pretendo fazer

Não preciso obedecê-lo

É a escuridão e a madrugada, que me atentam

Me deixam com calor; em graus, à beira dos “40”

A mim elas se perpetuam

Sejam em vigília, sejam em meus sonhos

É uma vontade imensa que a intensa noite jamais termine

Não porque ela é agreste, acolhedora e silenciosa (e o é de fato),

mas por estar-lhe atado

Me comprazo e daqui não arredo

Quando nos segredos das sombras me adentro, desejo

que o Sol, em um segundo, porcorra;

voe por minha cabeça, se esconda atrás da montanha

para que de novo anoiteça.

Assim, que retornem o silêncio e a escuridão 

Entidades que me confortam o ser

Porque herdo o silêncio e abandono o que cansa os olhos

É o que mais gosto nas noites e madrugadas

Essa vontade de não ter vontade

Refletindo sem fazer nada

Ficar inerte, sem contato,

nem inteiro ou pela metade

Simplesmente não ser

Passar a não existir, porém presente, ciente

Embora que triste durante o dia,

mas feliz à noite com o imortal elixir

É durante esse momento que surge a veia anárquica

Tirar seu poder, fazê-lo ruir

Sair da teoria e por tudo em prática

Até aos confins noturnos, viajar

Nele estar e deixar meu suspiro

Eternamente noite, Lua, estrelas

Sonhos, alegrias, brincadeiras

A noite é uma criança

Nunca cresce, envelhece, sequer morre

Eu a torno assim e assim também me tornei:

Um Deus que nem atingiu a puberdade

Que tem diante de si toda eterna noite, espaço-tempo e liberdade

Jean-Paul Sartre: a liberdade. Somos livres mesmo?



Vou tentar ser breve no conceito filosófico de Jean-Paul Sartre, francês (1905 – 1980). Filósofo da corrente Existencialista, mas existencialismo ateu. Lembrando que para o filósofo francês, a existência de Deus, ou divindades não é ponto focal para sua filosofia. Sartre fala sobre a Liberdade. Seu pilar filosófico, naturalmente. A liberdade pertence a essência do humano, lhe é intrínseca. Não só somos livres, contudo, estamos condenados a isso. Condenados a sermos livres. Mas não é uma liberdade no senso-comum; não é essa a qual temos ciência, como de costume. Ou seja, fazer tudo o que der na telha quando as oportunidades nos batem à porta. Não é bem isso.


Todavia, existem outras definições: liberdade é você não ser servo da sua mente, inclusive da vontade desenfreada de ser livre. Ou melhor, segundo Kant, liberdade é você sobrepor a razão às pulsões, não se tornando refém delas. Entretanto, outro caso, não podemos nos tornar refém da razão em detrimento das pulsões – assim falava Nietzsche, contrapondo-se ao iluminista. Maquiavel definia a liberdade como ser fiel ao seu próprio Estado; para Etienne La Boétie, era simplesmente não servir, nada fazer ante a um governante, um tirano ou a quem quisesse lhe extinguir a liberdade ou pleno direito a escolhas por si só.


Mais um pouco sobre esse tema, temos uma alegoria e um fato: Primeiramente, o carcereiro e o preso, tanto um quanto o outro, estão condenados. Quiçá o carcereiro mais ainda que o preso, pois que o preso pode estar se sentindo mais livre do que muitos imaginam. Segundo, o genial, astrofísico Stephen Hawking, uma vez disse num documentário – desses de TV à cabo -, qual ele fazia parte: “Apesar de eu estar preso a esta cadeira e não mover nenhum músculo, minha mente é completamente livre e alcança os confins do universo.”


Tendo uma ideia já do que somos e podemos, na perspectiva de Sartre, podemos partir para uma próxima premissa: a escolha. Toda liberdade se submete à escolha – paradoxal essa submissão, totalmente avessa à liberdade. Então, ainda assim, por mais que não queiramos a nada escolher, ainda assim estamos fazendo uma escolha. Estamos condenados a isso. “Condenados a ser livres” – diz Sartre. Contudo, a partir desse ponto é que surgem alguns problemas, porque, escolhas requerem descartes, negações, deliberações e em paralelo a isso, responsabilidades Somos humanos, não advindo de nenhuma divindade, bastamo-nos por nós mesmos. Somos autossuficientes e responsáveis e somos a consequência das nossas escolhas.


É verdade, somos humanos. Sofremos – a morte e o sofrimento são os queridinhos da Filosofia, diga-se de passagem. Nossas escolhas geram angústias, crise. Não há como fugir disso: devemos escolher. E escolher é responsabilidade. Escolher é renunciar, é deixar algo. Isso nos custa e machuca muito. Imagina a gama de coisas que renunciamos durante o nosso dia-a-dia e, dentre essas, devemos optar por somente uma? O quanto de coisas descartamos, não é? E fica aquela reflexão: será que fiz a escolha certa? Isso veremos mais adiante*. A partir daí temos duas situações: Optarmos por algo, porém com certas angústias e futuras responsabilidades ou delegamos aos outros a escolherem por nós. Primeiro que, ao se escolher algo, da mesma forma os outros também o fazem. Daí há um choque de interesses, conflitos. Por exemplo, todos anseiam ao mesmo fim, ou a um idêntico desejo, ou objeto… Isso não é sadio. Acaba que um torna o outro como um inferno em suas vidas. Eis a famosa frase “o inferno são os outro”. E, em segundo lugar, todos nós nos burlamos. Com isso solicitamos ou deixamos que o próximo faça escolhas por nós – devido a conta das nossas angústias por tanto rejeitar opções -, jogando a própria sorte aos riscos de uma pessoa escolher errado por nós. E por que mais esse “sofrimento”? Porque aquele que não vive minha existência, minhas dores, minhas vontades, minha existência, não pode fazer uma perfeita escolha por mim. Para que haja liberdade devemos ter o poder da escolha; para a escolha, somente o indivíduo, sua deliberação, sua vontade intrínseca.


Sobre a escolha certa*: a alusão ao “preso e o carcerário” que Sartre tenta nos passar a ideia de liberdade: o preso reflete: “o carcereiro está tão preso quanto eu. Uma grade, dois homens. Quiçá eu ainda sou mais livre do que ele”. (Isto não se encontra escrito exatamente em Sartre [risos]). Sim, na verdade, a prisão ou a privação não está remetida somente ao corpo ou ao espaço físico, mas ao ato de pensar, se pronunciar, de ser/ estar. Ninguém pode nos impedir de pensar, de refletir, de desejar, sonhar e etc. Isso é liberdade para Sartre. Então, essa noção de liberdade é o estado de consciência, de uma escolha assertiva e, a partir disso, viver bem com ela. Esse movimento é um processo intrínseco que só o indivíduo pode passar, pode saber. Entretanto, lembrando que a liberdade é um fardo, gera responsabilidades.


Por fim, existe alguns entraves, alguns percalços externos que supõe-se atrapalhar nossa caminhada, nossa liberdade. Saiba que nada disso é impedimento. Nenhuma ação é impedida. Vide a alegoria do preso e o carcereiro, a vida de Stephen Hawking? Algo nesse mundo os impedia de escolher? De serem livres? Uma pessoa cega, por exemplo, tem privação de sua liberdade? Não enxergar o mundo não a faz completamente inútil. Esta pessoa ainda exerce plenamente suas faculdades, que lhe são inatas: os outros sentidos. Ela pode estudar braile, música, dança, trabalhar com as mãos, utilizar todo seu potencial intelectual e etc. Esses conceitos de Jean-Paul Sartre não são para reforçar e justificar àqueles que carecem de necessidades básicas. Pelo contrário! A liberdade não se afrouxa ante a necessidade, ela se relaciona. Seja de um cego, seja de um paraplégico. O conceito de liberdade, nesse caso de necessidade, não diz respeito àquilo que se precisa, mas àquilo que não pode ser diferente do que é. Uma pessoa pobre, talvez de uma favela, está privada, completamente, de fazer suas escolhas, de ser livre? (Cabe reflexão). Porém são nesses casos que a liberdade, segundo Sartre, torna-se um potencial para o indivíduo. Para o filósofo francês, isso é engajamento, é a autonomia da pessoa posta à prova diante de si; de livrar-se daquilo que ela não controla; de transformar-se, aliada à liberdade, ao poder de escolhas. Sempre haverá uma escolha, se intrínseca, se assertiva, haverá sucesso. Afinal, somos livres. Condenados a ser livres, não é? Portanto, é aproveitar sabiamente



A ESTRANGEIRA




Lembra-te, estrangeira, estavas comigo
Eu também era todinho teu
Saímos de um rústico abrigo
Rumo a luz, para bem longe do breu

“Olha o que temos à frente
Uma bela e vasta campina
Tão verde, de chão tão quente
Pronta para deitarmos em cima”

Eis que você se jogou na grama rasa
Deitada com um olhar faceiro
Como quem não quisesse nada
Convidou-me a ser seu parceiro

O campo tinha suas ondulações
Ficamos tão bem acomodados
A terra, dócil, pegou-nos no colo
Porém para manter-nos acordados

Não seria justo caírmos no sono
Na verdade nem havia como ou porquê
Estávamos ávidos demais não tinha como
Queríamos muito a uma coisa só fazer

Era algo como que programado:
Olhávamos nos olhos sem piscar
Com isso ficávamos arrepiados
nossos rostos começavam a corar

Você tocava suavemente meu rosto
Minha mão contornava tua cintura
Beijavamo-nos sem pressa, com gosto
Com todo o cenário: arte, bela pintura

Nossos corpos ardiam como magma
Ofegantes parecíamos dois tornados
Transpirávamos como a uma enxurrada
Gemidos e sussurros um som orquestrado

Na aromática relva rolávamos
Como folhas soltas ao vento
Daquela forma nos amávamos
Apenas nós, por nós, sedentos

O Sol era única testemunha
Seus raios a nós banhavam
Nu, riscavam-me gramas e unhas
Nua, tua úmida tez se bronzeava

Nossos movimentos tremiam a Terra
Chocávamo-nos fortemente contra o outro
Parecíamos, estrangeira, estar em guerra
Não por petróleo, território ou ouro

Em meu corpo queria-te plenamente
As pulsações marcavam nosso ritmo
Tu também me desejavas internamente
Explorando lentamente todo teu íntimo

“Está tudo bem intenso, marcante
Sentiste-me quente, latejante
Tu, estrangeira, rosa desabrochada
Macia, lisa, cheirosa e molhada”

Eis uma bela manhã que não terá fim
Estamos ainda aqui, deitados, pensando
descansando agora em um florido jardim
Com nossos tesões ainda pulsando

ATUALIZAÇÃO BETA v.5.7.0: AGORA MEUS ELETRODOMÉSTICOS SÃO PÓS-ESTRUTURALISTAS

Dizem, os pós-estruturalistas , que a linguagem constrói a realidade. Isso é ótimo, exceto nos dias em que eu preferiria que minha realidade...