Nietzsche e os conceitos de transvaloração dos valores e o além-homem



Primeiramente, precisa-se saber sobre a transvaloração dos valores. Devemos nos perguntar que valores são esses. Nietzsche se refere aos antigos valores, que são dois. A começar pelo valor que teve início lá em Platão. Para este antigo filósofo grego, existem:
- O mundo das ideias, dos padrões ideais, do belo, da perfeição, o mundo da realidade primeira não aqui no mundo que vivemos;
- E o mundo dos sentidos, mutável, cópia do real, suscetível ao erro. Um mundo aparente, mundo no qual estamos inseridos.

O outro valor criticado por Nietzsche, que ainda está vigente, junto com o mais antigo valor do Platão, é o mundo cristão religioso:
- É o valor que prega que existe o céu que acolherá aqueles que seguem a Cristo, um ser transcendente; aí existe a ideia de benevolência; do justo, do belo, do perfeito, enfim, o paraíso cristão; vê-se um mundo ideal, um mundo em que no céu há Deus, como figura absoluta.
- Já na terra, as coisas mundanas, a vida mundana, as imperfeições; o mundo terreno, perecível, suscetível ao erro, ao pecado.

Estes valores afetam profundamente as concepções sobre nós mesmos. Passamos a valorizar o que está no além, o que não está aqui - quiçá temos provas cabais que exista "algo lá fora" -, e desvalorizamos o que está aqui, negando fundamentalmente a vida.

A julgar que não existe bem e mal, virtude e pecado, perfeição absoluta e imperfeição, estes conceitos acima não condizem com nossa vida. Não foi criado, por um ser superior, a qualidade do bem, do que é supremamente bom. Também não foi criado por alguém dotado de poder extra ou sobrenatural. São criações nossas próprias a considerar a época e o lugar em que vivemos. Portanto não há bem supremo, algo absolutamente bom externa a nossa realidade.

Por conseguinte, Nietzsche mesmo diz não haver um mundo transcendente, algo externo a nós, que devemos dar valor e segui-lo. Pois, ao fazer isso, o homem se afasta da própria vida, porque, ao buscar o ideal fora dela, vivemos uma vida para um céu ditoso em detrimento da vida aqui. Invertendo-se os valores.

Portanto, em se afastando da vida aqui, adotando o ideal platônico-cristão ou do "homem ideal", acaba que nos enfraquecemos. Isso afasta cada vez mais do que somos. E, neste caso, somos potência de vida, de existência aqui e de desejos. Se tais valores criticados por Nietzsche prevalecem, então acabamos vivendo uma vida fora daqui, ainda que estejamos aqui - que é um contrassenso.

Por isso a superação destas ideias. Superando-as, reduzirá o platonismo e o consequente cristianismo ao pó. Haverá, assim sendo, apenas registros históricos destes e não mais imposições de valores como fontes de vida. Eis que a famosa e controversa frase entra em ação: Deus está morto. Morto porque seus valores pereceram. Seus valores foram reavaliados.

Ademais, não tem como deixar de lado este filósofo do século XVIII, Immanuel Kant, que foi o terceiro e último deicida, aquele que deu o tiro de misericórdia em Deus. Sua filosofia, em grosso modo, diz sobre os limites do conhecimento e diz que o mundo como ele é, é incognoscível. Não podemos alcançá-lo - nem com o intelecto (conforme pensou Platão) e nem após a morte (promessa cirstã). Ou seja, mundos que existem, mas são inalcançáveis? Então, são valores ou filosofia, inúteis - segundo Nietzsche. Isso é o afastamento máximo do homem consigo mesmo, com a terra, com o que está aqui, com o que é imanente e que, portanto, deve ser reavaliado, superado.

Logo, constata-se que o homem, ou o além-homem, é o superar-se. Superar seus limites, superar esses valores ditos ou escritos não se sabe por quem; quem é este "quem", onde ele viveu, como viveu e quando? E tudo o que foi dito em outras épocas ou o que vem de uma realidade externa, cabe a nossa vida aqui, agora? Isto não é possível.

Além do mais, esta forma de superação não é uma superação de forma vertical e sim uma forma de ir além, de forma horizontal. Pode-se dizer que seja uma superação dos seus próprios limites, dos seus próprios medos, dos seus próprios valores. Afinal, somos criadores de nossos valores, somos donos de nós mesmos e nada há de errado em um dia superarmos-nos. A partir disso, Deus e qualquer valor transcendente deve ser transvalorado. E, só se reavalia, só se pondera os valores vigentes, com a "morte de Deus".

Sobre o termo "superar o homem", "além-homem", que Nietzsche cunhou em alemão, o "über_mensch" que eu queria me estender um pouco.

Obs: "über_mensch", mas tudo junto, sem a linha - senão sou bloqueado de novo por discursos abomináveis conforme a imagem em anexo.

Este é um conceito que foi mal interpretado e ainda o é hoje. Ele nada tem a ver com uma superação humana em detrimento de outros. Este conceito é sobre singularidade - é uma questão de individualidade, porém de um indivíduo potente vivendo em meio a conexões, em um sistema complexo de tantas outras potencialidades no mundo aqui. Praticamente, este conceito em alemão, pode-se entender como uma forma de superação de valores que estão aí e não a de superação - seja lá de que forma - dos outros que convivem, que coabitam. Não é o caso de um se achar mais poderoso, melhor, mais belo e perfeito em relação ao próximo. Não! Isso é má interpretação e isso já levou a sérios problemas no que diz respeito ao homem antropologicamente falando. O além-homem é deixar para trás valores, medos, traumas e, inclusive, esta ideia de vítima, de sofrido - ideia pessimista da vida.

Estes valores impostos, cunhados por outros, que reinam sobre nosso consciente estão de certa forma taxando-nos como seres primatas que não conseguem reavaliá-los; como pessoas que ainda são como recém-nascidos na Terra; pessoas domesticadas, sem potência alguma, sem independência. Alguém que não tem capacidade de se auto-aplicar seus próprios valores e que com isso fazem de muletas os valores platônico-cristãos.

O além-homem é se expandir individualmente por si, apenas. É ter potência como, por exemplo, o Sol - aquele que possui luz própria e que não necessita de nenhum outro astro para ser iluminado. É o que se entende, analogamente, por além-homem: aquele que pode, que tem potência e desejos (diferentemente de "daquele que tem poder" - talvez por isso muitas más interpretações).

Embora alguns homens e mulheres tenham se superado, saído do seu estado de pura obediência, de pura passividade a estes valores e tenham se superado e, ainda mais, trazido às vidas dos seus próximos diversas melhorias, avanços em diversas áreas, ainda assim alguns atribuem a Deus, a algum ser superior externo, tais feitos. Isto é venerar o Céu em detrimento da Terra! Vide o avanço tecnológico e científico; a medicina, a ciência em geral... Não foram obras de um saber externo, de um modelo ideal de consciência transcendente, ou inspiração divina. Foram potencialidades, desejos humanos, valores mundanos! Foram fatos que se deram devido as nossas interações, nossas pulsões e nossas complexidades.

Diferentemente dos "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; os que sofrem perseguição […] porque terão seu lugar ao lado do Pai", que entregam suas vidas ao reino do céu - ainda que estejam aqui -; vivem, estes, uma realidade externa que mal sabem se existe de fato, sob tais promessas de consolação, justiça e de bem maior. Tudo isso em um lugar longe, imaginado por sabe-se lá quem; e, pior, dito por um Deus transcendente ou um Ser que está fora da nossa realidade.

E assim, por fim, que entra o conceito além-homem, em alemão "über_mensch": a transvaloração de todos estes valores confusos e irreais. É o entendimento que deve-se ter dos seres humanos, ou os homens, (como você preferir) no seu devido lugar: aqui! Na sua própria realidade, cheia de afetos, potência, desejos e vontades de superar a si mesmos. Analogamente, é a forma qual as pessoas, sem milagres e sem medos, atravessem, elas mesmas, as diversas pontes construídas sobre as violentas forças das águas dos rios da vida, deste mundo aqui e agora.

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