Música-silêncio


É madrugada. Você está no meio do nada, no alto da mais alta montanha. Estás em casa, deitado numa cadeira reclinada extremamente confortável na pequena varanda. Tua vista é espetacular. A visão alcança tudo o que é tipo de montanhas e vales sob um céu lindo estrelado, pós-chuva, onde a Lua faz iluminar a paisagem a frente parecendo haver espalhados pequenos diamantes por toda a extensão verde oliva. Assim tu pensas: vou ouvir as ultimas músicas e, depois disso, irei dormir. 

Tu pões o modo aleatório e deixa… Caraio! É uma atrás da outra. "Só as que agrédi". Tu não consegues parar de ouvir. E vem outra, e outra… e tu pensas, "caraio, tem umas músicas medianas aqui na lista que eu conseguiria parar de ouvir agora para me deitar, facilmente". Mas não. O DJ virtual é venenoso. Solta só as violentas. 

Depois de meia hora tu achas uma brecha e desliga o player e tira o fone. É aí que vem o "pior". O silêncio audível de forma bem pura, mas ainda não o silêncio absoluto. Eis a música mais bela e sublime que se pode ser ouvida; a obra mais perfeita já composta. É simples, suave, lenta, profunda; acalenta e tranquiliza. É uma música só, mas a música com a maior duração que se tem registro. Ela é a transcrição do perene. 

É tão impressionante que nem pensar você consegue direito ao ouví-la. Tudo parece estar ao seu ritmo. E você também. Teu cérebro fica estável energeticamente; o coração para de pulsar. Todos os sentidos ficam em harmonia com a música-silêncio.

O que falo não é sobre a sequência de várias músicas, uma atrás da outra, havendo intervalos entre elas e até mesmo pausa nas músicas. O silêncio é inteiro, intenso, é pura música. É o fundamento da faculdade de ouvir as coisas; belas coisas.

Então, tu cais na profunda escuridão. És levado por esta música-silêncio perfeita, silenciosamente executada, ao sono profundo. E no sono alcanças um silêncio ainda maior que tua consciência, em vigília, não tens mais poder sobre si; a forma primeira da música-silêncio, seu princípio próprio, lhe toca. A mente ativa, desperta, não chega a ter qualquer contato com este nível de estado de ser: o sono profundo.

Infelizmente, não podes mais senti-la, esta música absolutamente silenciosa, sob todos os sentidos que possuís enquanto consciente, mas sabes que ela está lá, por causa do teu estado inconsciente. Tu sabes, dessa forma, de sua legitimidade última: o silêncio absoluto. Como se fosse uma metafísica da música-silêncio. Tivestes ciência disso tudo porque acordastes e ainda havia resquícios disso tudo flutuando no pensamento, no teu íntimo. 

Contudo, enfim, é um ouvir inconsciente de um silêncio inimaginável e, obviamente, inaudível. É o momento que tu sabes que o teu eu incognoscível se encontra com o silêncio absoluto, impossível de ser alcançado e, só de tentar imaginar isso é extasiante e complexo demais. Portanto, daqui não há mais como expressar sobre isso. Paremos por aqui. Silêncio…

Comentários

  1. Viva o silêncio de nossa existência

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  2. Nossos sentidos, por mais poluídos que possam estar pelas tantas coisas já vividas, ainda conseguem experiências únicas se estivermos atentos. Por vezes também nos pegam destraidos e isso é um "Nirvana."

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