Novos ciclos e nossas culturas permanentes

Por Felipe Caprini



O Brasil é múltiplo mesmo não é? É ímpar! Herança de infinidades culturais. Vejam só um pouco dessa diversidade tendo como referência os dias que se aproximam: o Réveillon, ou seja, o dia 31/12 e o dia 01/01 do outro ano.

Réveillon: esta palavra francesa significa “despertar”, “acordar”, ou "nova etapa de vida" que se inicia, ou "um novo dia". Porém, antes, esta palavra se referia às festas que viravam a noite na França há muito tempo. Depois, passou a referir-se às festas de virada de ano, da realeza francesa pelo século 17.

Embora a palavra seja francesa, esta grande festa a que ela se remete vem de muito antes do que se imagina. Povos de tempos muito remotos, também realizavam suas celebrações de passagem de ano - e até hoje países mantém suas tradições conforme seus antepassados, pois as comemorações de fim de ano são diversas e bem distintas mundo afora.

A título de exemplo, tem-se registro de que há 2000 anos antes de Cristo, na Mesopotâmia, algo referente a um festival de "Ano-Novo” já era festejado. Os fenícios, os persas, assírios e, por fim, os gregos, também já celebravam neste sentido.

No entanto, atualmente, a julgar nossa mente ocidental, herdeira do catolicismo e da cultura romana, tendemos a tornar o sagrado sempre vivo e, para isso, ele tem que se tornar cíclico. Para que não "despertemos" uma só vez, ou que "não tenhamos uma só etapa na vida", trazemos todo ano o que julgamos ser os melhores momentos. Alguns destes, por exemplo, são aniversários (data de nascimento), o Réveillon, a Páscoa e o Natal. É o quê divino presente em nossas vidas naquele exato momento. Por trás disso, carrega-se diversos ritos, pois o sagrado é cíclico, sempre retorna e este é um momento de religação com o que a nós é superior, com o divino - e tudo precisa ser agradável e marcante para que o próximo ciclo (ou "no ano que vem") tudo se repita.

Deixando o Natal de lado agora, porque ele já passou, direi sobre o Réveillon e seus costumes - pelo menos os que vi e convivi aqui no RJ: usar vestimentas brancas, comer sete uvas, pular sete ondas, fazer pedidos a Deus, Deuses, ou Orixás, levar oferendas, mesa posta bastante farta, estourar champanhe, entre outras coisas.

Até onde sei, alguns destes principais costumes, ritos (sagrados), vêm da religião de cunho espiritualista, mais precisamente, da Umbanda e Candomblé. Não que isto exclua a herança católica ou outras mais, mas se entrelaçam. Há, no Brasil, algo muito sui generis que se chama Sincretismo, e isso se justificará mais adiante.

Há tradições e rituais advindos de outros povos mais antigos que se possa imaginar. A mesa cheia de comidas e bebidas para se comemorar de tempos em tempos, há registros de povos pagãos, como os Viking's; superstições diversas e rituais já eram costumeiros até mesmo na Ilíada, de Homero. Estas coisas são passadas de civilizações à civilizações. Hoje, fazemos tais coisas como antigamente com mesmo intuito - não exatamente, mas mantendo as tradições.

De volta ao Brasil, aqui no RJ, SP, BA e demais lugares onde tem praia, principalmente, vemos o culto a Iemanjá e suas oferendas ao mar e os diversos pedidos de prosperidade; outro exemplo, as plantas chamadas "Espadas de São Jorge", ou Ogum, e pedidos para vencer as demandas, proteção; os lírios - as flores de Oxum ou de algumas das "Nossa Senhora de(a) …", e os rogos de riqueza material ou espiritual. Pular 7 ondas, comer 7 uvas... O número sete é cabalístico. No espiritismo, esoterismo, ele está ligado à espiritualidade, à introspecção, à reflexão, à sabedoria, entre outras coisas mais comuns ditas, inclusive que ele é o número "perfeito". Já na Bíblia, é lido com frequência o número doze; se diz muito a respeito deste número no cristianismo: doze apóstolos; 12 tribos de Israel; durante a noite cantavam-se 12 salmos; coroa de 12 estrelas de Nossa Senhora e etc.. Em vista disso, vejam, não importa quando e nem como, o ser humano busca, de certa maneira, sobre o mistério da vida, sobre o conhecimento do mundo e sobre o divino.

Estes são alguns exemplos que unem tanto católicos quanto religiosos de matriz africana e, até mesmo, aqueles que não têm religião específica, mas que crêem na força da natureza, no místico, ou possuem suas superstições, crenças diversas ou fé simplesmente.

Outro hábito muito tradicional e, quiçá, o mais usado, herdado das religiões afro no Brasil é o vestir-se de branco: um gesto em prol da paz e uma grande reverência à Oxalá. Além dos mais, a própria Umbanda - ao menos soube por meio dela -, diz que a cor branca é a reunião de todas as cores possíveis. Outra referência a Oxalá, o pai de todos. Portanto, aquele que veste-se de branco o faz em respeito ao mais velho Orixá das mesmas vestes (branca) e em prol de estar representando todas as cores e seus diversos atributos. Não sei de outro motivo qual pessoas não religiosas usam branco no Réveillon; católicos, protestantes, budistas, muçulmanos… não sei. Porém, sei que, estando aqui no Brasil, o fazem desde há muitos anos.




Particularmente eu gosto muito do amarelo, para esta data. Me remete ao ouro, amo coisas douradas e seu brilho. Além do mais, as pessoas, à noite, com suas belas e novas roupas nesta cor, realmente, criam uma atmosfera muito aprazível. Porém, minha cor preferida é a cinza, depois a preta.

Neste sentido eu já tenho o costume de seguir as tradições. Eu não usaria preto, tipo, uma camisa de banda "Rock n Roll", ou "Death Metal" em pleno Réveillon - nem uma blusa preta simples. Isso não quer dizer que eu jamais usaria, mas não curtiria. Além do mais, sei lá, fica meio forçado dizendo que sou o diferentão do resto do mundo. Embora eu ache também que muitos usam cores brancas por, simplesmente, ser algo mercadológico e tipo "todo mundo usa, então farei o mesmo", não sabendo os reais motivos ou os porquês disto.

Então, o que vale é o que significa este nosso estado-de-ser cíclico, concebido, sei lá, desde os mesopotâmicos - talvez seja algo que não muda em nossa essência como humanos; vale é estarmos cientes de que tudo retorna e que buscamos eternizar nossos melhores momentos. É esperar que retorne aquele dia que você deixou escapar, aquela oportunidade de emergir em meio a todo o complexo em que se vive. É esperar o momento certo para, enfim, tomar uma grande decisão na vida - porque, afinal, ninguém toma grandes e lúcidas decisões aleatoriamente, tipo, do nada; há momentos para isso. Há situações que podem não ser o caso de acontecer neste ou naquele ano, mas no próximo; ou nos próximos 4 anos (!!!); talvez toma-se uma decisão, que seja, no ciclo semanal: um domingo, uma segunda, sexta-feira... Há dias e mais dias, quase que ritualísticos para tal; ou no cíclico raiar do dia, ou na quieta e escura noite, pode-se despertar para algo muito positivo. Todos estes mesmos momentos são momentos de nosso próprio Réveillon e, obviamente, o queremos mais e mais. Um retorno, eternamente, destes momentos, bons momentos.

Alem do mais, sendo Réveillon ou Natal, Páscoa, Aniversário ou até mesmo Dia dos Finados, que estes dias, meses ou anos, sejam de pura reflexão. Tudo bem que hoje muitas datas comemorativas, cíclicas, sejam comemorações mais mercadológicas do que religiosas e, mais remota ainda, a ideia de uma celebração da nossa vida em particular, de um momento nosso, de nossos feitos, não! Tudo bem também que o Natal seja um evento reforçado por uma religião cujos fiéis e simpatizantes, sejam maioria neste país - no mundo, melhor dizendo; tranquilo que estamos comemorando aniversário de um Homem Santo, ou de um Deus que pode-se nem crê-Lo e que, segundo as escrituras, Ele passou por aqui há exatos 2022 anos! Eu sou um tanto descrente, confesso, mas, pensando aqui... Quantos aniversários eu já invadi? Quantos aniversários eu já fui de penetra? (risos). Curti, comemorei, comi e saudei o aniversariante mesmo não o conhecendo ou não tendo ideia de quem fosse.

Por fim, sendo religioso ou não, seguindo ritos, tradições, ou não, o mais importante é acendermos nossas vontades, fazê-las explodirem e reverberar nos confins deste universo. Marcarmos nossa passagem com nossa celebração. É termos ânsia de vida, de afetos, de pares, do próximo. A cada ciclo ascendermos-nos, como uma chama, que, de forma cíclica, só se move para o alto, para cima dela própria. E é o que devemos, por nós mesmos, fazer: ascender como pessoas, como indivíduos cheios de vontades e de paixões, procurando superarmos-nos. Mas atenção! Superar, mas não como pessoas podres, asquerosas, pondo-se acima daqueles que são iguais a elas; e sim superar nossos próprios limites e nossas atuais condições sejam elas quais forem, sem prejudicar-se e muito menos levar dano algum a qualquer outra pessoa.

Excelentes ciclos novos a todos nós, indivíduos múltiplos e maravilhosos.

Comentários

  1. Excelente texto. Parabéns, Silvio...

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  2. Que venham bons ventos a beijar nossos lábios, trazendo o frescor e suavidade necessárias para saborearmos a vida.

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