Como eu vejo a Filosofia




Ontem estive ouvindo Tchaikovsky – Valse Sentimentale. O YouTube rolou aleatoriamente alguns sons que costumo ouvir: Led zeppelin, Monarco, Queen, Paulinho da Viola, Van Halen, AC/DC, Jazz e musicas Barrocas. Porém, nesta lista de DJ metido a eclético, veio a calhar de tocar este senhor, russo, do século XIX – período romântico -, com esta sentimental obra supracitada.

Enquanto ouvia-o, sentia que algo me impressionava: é que sons, para mim, são mais impactantes que imagens. Quase não reajo à imagem. Agora, em contrapartida, os sons já tornam diversos sentimentos em meu interior.

Em seguida, já mais tarde, antes de deitar-me, fui ler. Livro filosófico, de cabeceira. Nietzsche. Leitura leve… Tranquila! Luz baixa, silêncio… Daquelas leituras que, ao invés de o corpo liberar hormônios que façam dormir, acabam produzindo adrenalina. Aquela normal vontade correr uma maratona, de ir a nado até Paquetá, só porque leu e conseguiu compreender um parágrafo do dito cujo com a clareza de água mineral. Uma sensação de que o próprio estava conversando com você e que te fizeste entender seu pensamento.

Dois fatos, diversas sensações: uma através da audição e outra através da visão. Sentimentos bem distintos entre o ouvir uma bela canção e fazer uma boa leitura. É coisa íntima, creio, o que cada um sente com suas músicas e suas leituras. No caso dos livros, a sensação é de que o próprio escritor está conversando com você, fazendo você entender de forma mais clara possível, o seu pensamento – compositores também, mas de uma forma muito mais abstrata. E essa troca, certamente, faz com que elaboremos melhor os nossos próprios pensamentos com mais riqueza.

Então, foi assim… Após um bela música e em meio à leitura – levando um choque existencial, em que o livro veio a cair no chão, eis o momento de assombro seguido de imobilidade e profunda reflexão. É assim que nasce, constantemente, um novo ser. É assim que o leitor, em geral, se transforma, amadurece. No fundo, é o que sinto também diante da compreensão de uma obra musical; é o que sinto, da mesma forma, quando faço uma leitura filosófica; até mesmo, enfim, é o que se passa diante das diversas questões que o mundo me traz. É daí que brotam alguns exercícios filosóficos

A partir disso, surge-me uma cara questão, que irei lançar mão da analogia com a música para explicar de certa forma a minha relação com a Filosofia. Me colocando como um espectador de uma orquestra sinfônica que, ora maravilhado, ora apavorado, atento-me a todo e qualquer detalhe a julgar o tipo da imersão que a obra proporciona. Posso assim dizer, por tabela, como eu vejo a Filosofia, ou seja, o que tenho a dizer sobre mim mesmo, enquanto leitor e enquanto um ser existente. É isso.

Primeiramente uma orquestra sinfônica não necessita de eletricidade, máquinas, aparelhos e nenhum recurso de aparelhos tecnológicos/ eletroeletrônicos. A Filosofia muito menos. Ambas vêm de mentes pensantes – ora abstratas, subjetivas, ora até mesmo de experiências -, das potências tanto dos músicos quanto dos filósofos. As duas emergem quando há ao menos um bom raciocínio lógico, criatividade e o mínimo possível em questão material – material, digo, aparelhos eletroeletronicos e tecnologias que servem como suporte à nossa vida.

Segundo, a Filosofia na sua totalidade é como uma grande obra de orquestra sinfônica sendo executada. Uma infindável obra composta onde que à cada nota segue-se outra nova e assim sucessivamente, por todos os instrumentos, até os confins deste mundo. Soa por todas as direções e ela nunca termina. Pode haver uma pausa ou outra, mas terminar? Jamais!

Em seguida, ouvindo o todo da orquestra, todos os instrumentos, uníssono, é de causar espanto: nos impacta de forma marcante. É maravilhoso!; também impressiona, vez ou outra, causando tormentos. Já dando atenção especial as suas vozes, ou seja, às sonoridades individuais, deparo-me com outro espetáculo à parte.

Outrossim, a Filosofia como um todo, é assombrosa, espetacular; potência geradora. Só ela afeta e nunca é afetada. Quanto as suas vozes, estas seriam os filósofos. Por exemplo, a atenção que se dá em um grupo de vozes na orquestra – às cordas (violino, viola, contrabaixo, piano…) -, seria o mesmo que se aprofundar em específicas correntes filosóficas – existencialismo – (Sócrates, Kierkegaard, Nietzsche e Sartre…).

Por conseguinte, a julgar as partituras, no caso, distribuídas na orquestra à cada músico – replicantes -, são as maravilhas que saem da mente do autor e ganham vida nos instrumentos. Da mesma forma as obras filosóficas. Em ambas existem belas escrituras. Na orquestra, cada parte da música tem seu ritmo, seu andamento, seu tom, todo um tema, um enredo; há começo, meio e fim – não necessariamente nesta ordem -, ou é cíclica. A Filosofia possui tudo isso. Ela é distribuída, comumente, através das escrituras, dos papéis; das falas. Seu ritmo, seu tom, e todo enredo são executados por filósofos através da gramática, da literatura, das diversas formas de como ela é contada e narrada.

O que impressiona, tanto em uma orquestra sinfônica, quanto na Filosofia, é a harmonia. Esta palavra em específico, nos remete a equilíbrio e organização. Sim, ora em uma, ora em outra, há o desejo por estes elementos – mas não são necessários. Então, o prazer que se há em ouvir notas combinadas formando um acorde, ou um conjunto de instrumentos executando ao mesmo tempo – ou em tempos distintos, que seja – belas sonoridades… Esta harmonia toda é o mesmo que se deparar com um belo raciocínio filosófico, bem encadeado, bem resolvido e quase fechado – seja de um autor e sua peculiaridade, seja de vários filósofos formando a Filosofia como um todo.

Ainda sobre este tema sobre harmonia, pode-se ter uma música que soe consonante, que pode agradar perfeitamente, ou dissonante, que pode causar desconforto. Da mesma forma a Filosofia que tanto pode causar, através de um perfeito agrupamento de proposições, uma bela consonância, quanto algo muito destoado, muito incômodo e dissonante dentro da composição filosófica entre as diversas teses dispostas por aí.

A saber, tudo isto faz parte da Filosofia, estas contraposições de ideias. Ideias que para uns podem ser análogas a uma música muito desagradável, sem conexão, sem harmonia entre suas notas e seu ritmo; ou, em contrapartida, ideias que lhes são tão perfeitas, tão caras, que parecem preencher todo o ser com maravilhas faladas ou escritas.

Em seguida, como em um dueto musical, ora eu acho esplêndido um solo de saxofone – instrumento de sopro, da classe dos metais -, ora me comprazo com um solo de piano – instrumento de cordas, da classe de percussão. São opostos, completamente distintos, em tudo, porém me deixam extasiado. Posso dizer que esta maravilha na Filosofia também me deixa “fora de si”. A sua capacidade ambígua e, mais além, aporética (sem saída, sem solução) são questões, às vezes, tão simples de se compreender, mas que geram infindáveis dúvidas; diversas posições podem emergir deste entendimento, mas elas sempre me mantém preso diante das duas vias distintas que se me abrem.

Alem do mais, como uma síncope rítmica, o meu espanto se dá com a Filosofia através da posição de incapacidade que ela me deixa. São os maiores e mais intrigantes atos filosóficos que me deixam cada vez mais intrigado aos paradoxos também: inerte, estupefato, porém com vontade de desvelar, de seguir em frente diante de um caminho já fechado e sem saída – ao menos aparentemente.

Os julgamentos, os gostos, as escolhas do que é bom ou não… Isto acontece na música. Podemos apontar uma música ser ruim por diversos motivos: técnicos ou apenas por memória afetiva. E o que fica é: existe música ruim? Já nos campos da Filosofia, tem-se o que é certo ou não; do que é incoerente ou do que é ético… Isto está tão enevoado, tão incompreensível, quanto a mais bela obra composta ou o mais perfeito livro já escrito. A Filosofia permite que possamos fazer um juízo, ser mais justo, ser “mais perfeito”, mas da mesma forma ela nos remete à pergunta: o que é o “gosto”?; o que é “justo”?; o que é “bom”, “ruim” ou “bem” ou “mal”? Esta aporia que me deixa tão extasiado como ouvir “Don’t Stop Me Now”, da banda Queen.

***

Ademais, como em algumas composições sinfônicas, o autor pode sugerir diálogos entre instrumentos (vozes) que dentro de um Tema há a polifonia, duetos, solos, fugas e etc. Nada mais são que as vozes em diálogo enredando a música ou a obra da orquestra. Na Filosofia não há diferença. Pode-se ver, pois, como o próprio nome já diz da dialética. Desde os pré-socráticos até os dias atuais, dentro de um Tema, há respostas, contrapontos, controvérsias, sínteses, debates diversos – não necessariamente consonantes, harmônicos e rítmicos; podem soar, como já foi dito, caóticos, desagradáveis. Eis mais uma parte em que a Música e a Filosofia dão as mãos em um grande impacto.

E, assim como para toda uma orquestra soar de forma perfeita é necessária a afinação, para a Filosofia é necessária a lógica. Da mesma forma que se escreve textos – como este, por exemplo -, escreve-se obras musicais. Dentro da partitura há toda uma lógica. Há regras a serem seguidas, por mais que se queira ser dissonante e caótico, tem de haver lógica. Primeiramente, todos os instrumentos têm de estarem falando a mesma língua, ou seja, estarem afinados, seguindo um campo harmônico. Caso contrário não se tem uma obra musical, tem-se ruídos, barulhos quaisquer. Com a Filosofia não é diferente. Precisa-se de um encadeamento, uma sequência de premissas fortes, rumo a uma tese com desfecho convincente, uma afinidade no raciocínio do autor, seja na escrita, seja na fala, seja em qual for o tipo de comunicação – a lógica tem de estar presente. Caso contrário…

Por fim, os dois casos pedem práticas. Tanto para a música quanto para a Filosofia é fundamental os estudos e a prática: seja escrita, seja falada e, principalmente, os atos cotidianos, de fato. A partir disso, segue-se a habilidade, a sagacidade, a desenvoltura. Tanto para uma orquestra se expor, quanto para a Filosofia, pede-se a indecência, o despudor, a dissipação de tabus, a emancipação moral, a exposição feroz da palavra, da voz (musical), do corpo; necessita-se da audácia e, acima de tudo, de coragem.

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