sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Porrezinho 3. São Paulo, a Inglaterra no Brasil.


O engraçado e incoerente essa imprensa, a oposição e os atingidos (antipetistas, demais eleitores, essa porra toda de olavismo e, também, os anti "marxismo cultural" [até mesmo os petistas em relação ao PT]). Pois bem, ninguém nunca percebeu que em São Paulo há esse mesmo rodízio, cópia quase que perfeita da dinastia no Reino Unido? Louco isso! Não se ouve um pio de ninguém. Parece até que não existe PSDB na cabeças em quase (quase mesmo) todas as eleições.

Vejamos os governos paulista: em 1994, foi eleito Mário Covas (PSDB) e reeleito em 1998; Covas morreu em 2001 (saudoso Mário Covas!) e assumiu seu vice, Geraldo Alckmin (PSDB). Na sequência, o então vice Alckmin, se candidata e se elege… Tá, já estou cansado e sem paciência. O PSDB está no poder há 24 anos e sem prazo para o substituírem. O último tucano eleito foi João Dória (2018 - Gov. do Estado) e Bruno Covas, do PSDB, óbvio, que assumiu a prefeitura do próprio Dória pqp... em 2017. 

Será que você vai me xingar se eu disser que nas próximas eleições presidenciais - e que também inclui a de governador - Dória esteja na corrida para presidente e não tentando reeleição para Governo do Estado (tsc)? E que para o Gov. do Estado, vai se candidatar Bruno Covas ou outro tucano velho conhecido do povo paulista para o lugar de Dória (Alckmin, Serra?)

Com isso, o que fico mais puto com SP (tirando a falta de compromisso, descaso com o povo e com a gestão pública) é que seus candidatos-eleitos ficam se revezando entre candidaturas e eventuais posses de prefeitura, Governo do Estado e presidência, inclusive os vices também são do PSDB. Aquele que assume a prefeitura de SP, já é natural que daqui dois anos esse puto vai largar o cargo para se candidatar ao Governo do Estado. Quem conclui o Governo do Estado, nas eleições seguintes, é certa sua presença nas urnas para as corridas presidenciais. O vices (que são sempre do PSDB, só lembrando, de repente você se esqueceu já) assumem e posteriormente se candidatam aos cargos, vamos dizer, maiores. Repito: da prefeitura, para o Gov. do Estado e do Gov. do Estado para a Presidência - e os vices. 

Assim SP fica nesse rodízio, parecendo um covil, um enxame - sei lá a porra do coletivo para esses ratos políticos. Essa ninhada! Portanto, o PSDB manda e desmanda em SP há 24 anos e parece que infinitamente. Porém, o que mais me deixa perplexo é que o eleitor paulista não “muda o disco”; não vota diferente. Sobre os eleitores e as eleições de SP, das três, uma: ou só o projeto de políticas por parte do PSDB é que presta ou não existem candidatos de outros partidos na corrida ou as urnas são fraudadas.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Porrezinho 2. Hoje tem Fla x Flu!



Que belo exemplo sempre tivemos sobre as peripécias políticas das redes de televisão brasileira, heim? Não me refiro sobre a política do meio político, não. Mas o modo “fazer política” das emissoras e, consequentemente, pirraça. Tem emissora que não sabe perder; se acha acima do bem e do mal. Lembram da questão do futebol em plena pandemia? Sobre o campeonato do RJ? Faltou a Rede protestar com armas em punho; Campeonato Paulista, uma semana depois, foi só elogio e saudades; posteriormente o campeonato brasileiro, foi só alegria. Mas... Estranho!? Do campeonato carioca até o campeonato brasileiro - um mês depois, mais ou menos -, o número de infectados aumentou absurdamente e também os óbitos, consequentemente... O “normal” seria condenar ainda mais, qualquer evento desse porte. Bizarro! Por exemplo: se, desde o campeonato do RJ os números do COVID-19 estivessem diminuindo, então poderia-se entender tanta animosidade pela volta do esporte. Porém não foi isso que aconteceu durante a pandemia. Quando houve a final do Fla x Flu, em 15 de Julho de 2020, o número de óbitos era de 1.233; infectados em torno de 40.000. Agora em Agosto de 2020, quando o campeonato brasileiro voltou com tudo, não preciso lembrá-los de quantos já morreram e quantos estão infectados né? Vamos supor que os jogos finais do campeonato estadual do RJ tenham sido os motivadores para a proliferação do vírus. De 1.233 mortos em todo o Brasil na época, tivessem disparados para os mais de 120.000 hoje - porque, em plena pandemia, lockdown, geral em casa, só os serviços essenciais funcionando e dois clubes, com todos os seus aparatos, toda a logística e ação humana que envolve um jogo desse porte, decidem ir a campo disputar um troféu… Realmente é abusar demais! Então, se só o futebol do RJ gerou o aumento de óbitos e infectados, por que caralhos então a Federação de Futebol, a FIFA, o Governo e os cacetes todos que têm poder, permitiram o início do CAMPEONATO BRASILEIRO DE FUTEBOL? Jogos por todos os cantos do país? Gente… Tsc… Não está legal. Você encontrou coerência? Pois é… A imprensa fez até musiquinha para o retorno do campeonato Br; Cartola FC, documentários, festa e a porra toda…

Ainda dentro do campo de futebol, o Maracanã, mas não com a bola rolando: lembro-me exatamente, como se fosse hoje. Rock in Rio II (1991). Show do “Guns ‘N’ Roses”. (Putz que show!) Naquela época, eu com meus 11 - 12 anos curti muito. Contudo, mais tarde, ou seja, hoje em dia, lembrei-me dos fatos ocorridos nos bastidores e também no próprio palco, a transmissão e etc… Me veio à tona mais um caso entre emissora x objeto de transmissão: a briga da Rede com o Guns ‘N’ Roses. Isso tudo porque a banda não quis dar entrevista à famosa emissora de canal aberto - que transmitia o evento. Os cara só falaram com a MTV (hehe). A Rede ficou p***! Então, na hora do show os apresentadores da TV aberta, comentaristas, fizeram cara de enterro e trataram de soltar tudo o que havia de mais pessimista e os “podres” do vocalista, principalmente - como de costume, em retaliação. “Esse ‘loirinho’ aí tentou bater na vizinha”; “vendia drogas” e coisas do tipo. Em pleno canal aberto, horário nobre público infanto-juvenil assistindo… E os “comentaristas”, hoje consagrados, soltavam os verbos, como que metralhadoras em guerras de disputas de territórios. Realmente, algumas coisas até que procediam - ninguém é santo no meio artístico. Outros casos, obviamente, eram inventados. Até se fosse verdade, não é lá muito ético ficar comentando essas coisas, repito, em canal aberto, ao vivo, naquele horário. Imagine fazer isso com todo artista, jogador de futebol? Melhor parar de transmitir e virar programa de fofoca. Porque muitos artistas têm sempre “um passado que condena”. Mas é assim… Quando a emissora “leva pau”, ela se assemelha àquela criança que vai jogar futebol, é dona da bola, mas não é escalada. Com raiva, decide ir pra casa, pedindo sua bola de volta só pra terminar com o jogo, em tom de vingança.

Saindo dos eventos e espetáculos artístico-esportivos e entrando no campo econômico-financeiro agora. Cansei de ver jornais manipulando aquelas estatísticas e camuflando pesquisas, inclusive as políticas. Fato: político X (que a emissora não gosta) assinou a construção de um gigantesco centro artístico-popular. A emissora noticia e mostra-se contra. Na própria notícia sente-se isso: tom de voz, expressão de pesar, frases pessimistas... Isso influencia a população, dividindo opiniões. Porém a maioria está com o telejornal: “o apresentador falou, tá falado!” Até porque o telejornalismo costuma não dar espaço aos cidadãos antagônicos a ela. E quando dão é só para se mostrarem democrática. Porém a palavra final é da emissora, ao vivo e com tom de revolta. (Vide o caso dos políticos Brizola e, recentemente, do Garotinho). Além das TV’s virem com dados e pesquisas - que ninguém sabe a procedência -, dizendo que tal projeto vai causar rombo nos cofres públicos, que sufocará outros setores... Exemplo: Sambódromo - hoje a Globo transmite o Carnaval feliz e contente (porque lucra com isso), mas busquem notícias de quando o projeto foi lançado pelo governo; CIEPs - outro "elefante branco", mas hoje prezam, imploram, por mais escolas e educação. Na época, esses projetos citados, sofreram o mesmo processo. Assim como muitos hoje, que não vão de agrado à emissora, ela condena e joga notícias falsas para a população. 

Hoje mesmo ouvi um taxista xingar até o inferno o “BRT”. Não porque o serviço pode ser defeituoso, mas o projeto BRT. Para o taxista, foi horrível. “Onde que já se viu? Projeto desse porte, em pleno século 21…” - disse ele. Ele queria o que? Que não houvesse ruas, nem calçadas; cenário de ficção científica onde carros voam e não há trânsito, pedestres…? Ou, derrotado como só, queria as ruas de paralelepípedo ou terra batida ainda; sem sinalização, sem evolução nenhuma? Isso, quem incentiva é a TV. Que precariza a própria imagem do negócio. O povo compra a idéia e não quer nem pensar, repito: o engravatado da bancada falou, então ele tá certo. A pessoa não pensa no cidadão que se beneficia desses projetos. Talvez porque ele próprio reclamante está em outra realidade, não precisa disso. 

Vejamos, se eu moro em Porciúncula, preciso chegar a Manaus para trabalhar e se tiver pista livre para a locomoção coletiva, com reduzidos pontos de ônibus e mínimas sinalizações (como o sistema BRT), eu (só acho) que vou ganhar mais tempo nessa viagem e poder me dar o luxo de poder acordar 30 minutinhos - quem sabe - mais tarde. Ou demorar mais no “café”, antes de sair para o trabalho, por exemplo. Sem contar o fim do trânsito. Eis um novo sistema de transporte público, desenhado especificamente com serviços e infraestruturas para melhorar o fluxo dos passageiros e, por tabela, ajudar outros veículos. Daí me vem um desalmado criticando ou porque ideologia partidária (porque não foi no mandato do presidente que ele votou) ou porque viu na TV, (que também faz essa jogada política). Algo feito para melhorar a qualidade do sistema de trânsito com flexibilidade, baixo custo, enfim… Aqui no Brasil essas coisas são prejudiciais e consequentemente negadas. Depois reclamam que somos 3º mundo, que somos pior em tudo. (Vou deixar claro, o que comentei acima: o senhor taxista não reclamou do serviço ou da precariedade do sistema implantado, não. Ele reclamou da ideia BRT. Do ideal BRT. Porque, a filosofia da coisa - vamos dizer assim - é para uma melhoria. Agora, se o ser humano que deveria fazer funcionar essa ideia, não o fez, a culpa não é da filosofia da coisa, alvo de crítica do taxista, mas mas sim dos agentes).

E tem mais? Sim! Essa é clássica: o Presidente Y vai criar um fundo de auxílio a imigrantes: o jornal noticia, mas em tom de crítica e justifica que com esses recursos não haverá capital suficiente para outros investimentos no Estado. Já o Presidente H - o querido da emissora -, que sempre criticou essas investidas do Estado, 4 anos depois se elege e cria um fundo para refugiados. O telejornal diz, "que notícia maravilhosa! Precisa-se olhar para o social, ser mais humanitário." Tudo é o que as grandes famílias das TVs querem. Se eles querem que chuvas e alagamentos sejam um bem, assim o será. Haverá relutância no começo por parte da população, mas vai cair em costume e mais tarde será normal sim alagamento ser um bem. Além das mentiras contadas mil vezes e etc, etc, etc... 

Só para dizer que não falei das mentiras… Ops! Das pesquisas de intenções de votos. Vou registrá-las. Nisso eles são mestres! Mais um exemplo, vamos lá: O candidato A (que a emissora apoia sem se declarar oficialmente), espirrou na cara do eleitor, acidentalmente, depois de inalar muito pó advindo de uma refinaria local. O telejornal, os impressos, blogs, editorial nenhum divulgará o incidente vexaminoso, por mais que se tenha rolando pela Internet. Agora o candidato L (detestado pela mesma TV), num discurso, expressa-se com uma frase ambígua, por exemplo. "Outro dia vi um secretário, andando na avenida quase que fazendo campanha para mim..." Então, alguém da TV questiona: “Vi um secretário X do Estado, eleitor seu, por sinal, andando com seu carro de campanha". Obviamente que a emissora fará entender que há somente um meio de interpretação e que isso foi muito antiético. Ou seja, um secretário usando carro de campanha do candidato à presidência? Porém não foi isso. O carro não era da campanha e, além do mais, o carro não era do candidato a presidência e sim do próprio secretário. Seu carro pessoal. Assim que a TV jogou essa em público, isso pegou mal e até o candidato poder se expressar melhor sobre o caso, ter espaço, falar que “focinho de porco não é tomada…”, já era. No dia seguinte a emissora lança pesquisa de intenções de votos e apontam queda desse candidato L. E mais quedas e notícias má influência em sequência. Mas daí você pode questionar: Mas não pode ser verdade que o povo mudou de opinião, por acaso e não quer mais votar no candidato L? Se isso aconteceu, é invisível e talvez não atinja a tantas opiniões. Não houve influência da mídia. Agora - acontecendo escândalos ou não -, as opiniões tendendo a mudar assim, após algo transformado em matéria, ter sido transmitido em cadeia nacional, é muito mais eficaz, muito mais influente. Atinge mais abrangentemente no alvo os eleitores. Além do mais, seguida de quedas/ aumentos em pesquisas, incentiva muito mais. Pessoas tendem a se influenciar pelo que o âncora do telejornal transmite - este que está ali há quase meio século, por exemplo. Muitos tendem a seguir pesquisas e se pautarem naquele que está vencendo, geralmente. Tá… Existem aqueles eleitores (0,01%) que se compadecem com o candidato que está só com 1% das intenções e vai lá depositar sua fé nele. Existe, claro! Mas a massa, o peso, está nos que estão nas cabeças, naquele que lidera as intenções, que surge na mídia. E quando o cenário é satisfatório para as grandes famílias das emissoras do país, elas fazem de tudo para manter seu candidato e de tudo fazem para esconder, camuflar qualquer ação ou incidente não desejado ou que não iria cair bem caso se tornasse público.

Ainda dentro do campo político, tem um pouco tempo já - principalmente antes de 2013 - manifestantes em geral, pessoas que participavam de greves, eram tido pelos jornais como desordeiros, arruaceiros e vagabundos. Hoje, não mais. O que se vê é até um apoio a tais descontentamentos com respectivos políticos e, também, à greves. Por exemplo, a mais recente e apoiada pela grande mídia foi a greve dos caminhoneiros. Outra manifestação popular que ganhou destaque que, obviamente, foi contra os governantes, onde que uma emissora chegou a parar transmissão de futebol, para mostrar passeatas; “pausava” novela, para mostrar quanta gente estava nas ruas contra o governo. Daí você pensa: mas isso não deve ser noticiado? Sim, mas o teor da matéria, o que cada repórter e âncora têm a dizer é que explana todo o seu apoio ou não. São transmissões parciais e narrativas preparadas para trazer os telespectadores para sem ambiente e, consequentemente, contra algum político que essa emissora odeie. Além do mais, existiram outras manifestações gigantescas quais as de 2013, 2014, mas a emissora passava apenas uma notinha; quando não fazia uma matéria com tempero bem ácido, críticas com pitadas de fel. Agora, com o “sucesso” das manifestações de 2013, qual uma parcela da sociedade e da alta roda da elite brasileira tinha interesse, o tom mudou nos bastidores dos telejornais e mídias tradicionais em geral. Eles começaram a usá-las em seu favor. Entende-se que foi um período muito agitado de 2013 até o impeachment da ex-presidenta Dilma. Arrisco a dizer que a dicotomia entre os deliciosos lanches tradicionais se acirraram a partir daí: coxinhas e mortadelas passaram a ser consumidas em pratos diferentes com gostos peculiares na sociedade civil. Os atos contra e a favor do governo mobilizaram muita gente, realmente. Porém a maior parte da massa, o peso mesmo foi encabeçado pela classe média, pela política neoliberal, com apoio das polícias (e até militares do exército posteriormente) e que tinha como fim a derrubada do “comunismo” e consequentemente do governo petista, este no poder há 8 anos com o Lula, + 4 já concluídos com a Dilma e que ia para mais um mandato de 4 anos - até que fora impeachmada, concluindo apenas 2 anos. (Pensando aqui… Catso! Olhem para isso! Percebam o desespero da oposição e das mídias tradicionais: se Dilma completa sua gestão e Lula se candidata novamente em 2018 [ia ser eleito, fato], então seriam os 4 + 4 anos de Lula/ Dilma e mais novos 4 anos de Lula - correndo risco de reeleição 2026. Ou seja, no mínimo, nessa brincadeira toda aí de PT, ia render uma dinastia estilo kardashians hohoho. Uma eternidade para as oposições, de fato. Então, as notícias sobre esses mandatos preocupavam: “Ditadura!”, “sede por poder”, “aparelhamento do Estado”, “urna fraudada”).

Continua... 

(Ah! É dever continuar sim, porque preciso falar da “ditadura” que há no Governo Est. e Mun. de SP).

terça-feira, 21 de julho de 2020

O brasileiro pode se superar e viver uma democracia racial?

Senado e Câmara aprovaram Lei Áurea em 5 dias. Fonte: Agência Senado

Pensando no Brasil de hoje fui remetido a um conceito de Gilberto Freyre chamado de “democracia racial”, na obra "Casa-Grande & Senzala". Isso fez-me refletir rapidamente sobre um ponto: por que não foi superado o regime escravista além de outros preconceitos advindos do período colonial no Brasil? Haveria um motivo, ao menos, para essa superação? Pode-se até dizer que sim, mas há uns entraves nisso aí.

Primeiramente, esta é uma questão complexa e que não se pode responder simploriamente. Porém com o pouco que se possui de lembrança e conhecimento histórico dá para traçar um esboço como resposta e até mesmo introduzir mais questionamentos. 

Contudo, em segundo lugar, como se pode ver, um país tão diversificado etnicamente: pretos, brancos, nordestinos, nortistas, diversos povos indígenas, região centro, sul, sudeste… Território gigantesco, país continental e cada qual com suas peculiaridades. Esses povos resultam beleza e riqueza cultural: o Brasil encarnado. Isso deveria ser atraente e agregador às vistas do próprio povo. Só que não é o caso, assim, vamos dizer plenamente. Há rachaduras nessa democracia racial, no convívio entre pessoas com a mesma nacionalidade. Isso que não surgiu agora, nem há 50 anos, mas que é passado de geração à geração desde o início da exploração, em 1500. Portanto há de se afirmar que o regime escravista não foi superado, que guardamos ainda com ele muita intolerância. 

Outro ponto, a saber, é que a diversidade não é premissa necessária para tornar verdade uma harmonia, ou seja, é ingênuo pensar que diversidade traz consigo a união. Porém, também pensar que em meio às diferenças só ocorra preconceitos e segregação é errado. Tanto um caso como outro, não se pode generalizar. 

Retornando, então, à pergunta no primeiro parágrafo, sobre a superação do período de escravidão, deveria ser "normal", pelo menos, uma certa união com esse fim, além de respeito mútuo e progresso entre um povo de origem comum. Essa origem tão exposta entre colonizador e colonizado deixou herdeiros, por parte dos colonizadores, uma parcela muito ínfima da população. Por outro lado, os trabalhadores desta “terra Brasil”, seus verdadeiros filhos, se agigantam em quantidade e qualidade. Milhões de pessoas e suas diversidades: porém, povo com origens similares. O que mais poderia uni-los de verdade a não ser o fato de serem filhos da mesma Terra, do mesmo sangue, suor, das mesmas mãos que arquitetaram a diversificada paisagem desse território que hoje conhecemos como Brasil?

Infelizmente, todo dia sobe nos jornais um acometimento violento contra um preto, um indígena; um abastado com poder se sobrepondo a um pobre trabalhador... Parece haver uma guerra. Reina o famoso conceito de Karl Marx: luta de classes - mas daí entrar-se-ia em outro assunto, com mais ramificações e o texto se estenderia demais. Porém, havendo classes, realmente, não se tem paz. E vou além: não é só de uma simples disputa de interesses em que se originam os preconceitos, não. Há um genocídio em curso no Brasil. Há interesses tão maiores do que uma simples disputa que chega-se ao extremo. Isso sai estampado todos os dias na imprensa e nas redes sociais; diversos números e dados estatísticos “eufemizam” essa atrocidade; diversas fotos e vídeos conotam esses crimes pelo Brasil afora. Tudo pelo poder, pelo acúmulo de riqueza. Logo, quem sofre com isso?

Todavia, apesar de toda essa tragédia, ainda há uma premissa bastante forte para manter de pé a fé numa democracia racial e com isso tentar responder à pergunta lá do começo, qual evidencia, pelo menos, um motivo para superar todo o preconceito: os 388 anos de escravidão. Como pode o povo brasileiro, depois de tudo o que foi feito contra seus antepassados, tudo o que há de triste em sua história, não se compadecer consigo mesmo? Seria justo e, não só, mas natural, depois de tanto domínio, tanta concentração de poder, de terras e de gente, o cidadão brasileiro refletir sobre seu passado e seu legado. Expropriação de terras, exploração, negócios escusos, crimes hediondos em larga escala, dizimação de povos… E o que se configurou? Desigualdade, marginalidade (em todos os sentidos), injustiça, crescimento sócio-econômico desigual, disparidade enorme entre as classes sociais. Como pode isso parecer que é normal? O mais estranho é que a desigualdade no epicentro do problema se dá com pouquíssimos abastados, poderosos detendo os bens que a Terra dá. No mais, é todo um país com seus milhões de trabalhadores carentes destes benefícios que a Terra se dispõe a fornecer. Desse modo, superando esses problemas impostos pelo neo-liberalismo, achar-se-ia uma resposta para a pergunta: "por que não foi superado o regime escravista além de outros preconceitos advindos do período colonial no Brasil?" Eis que se teria que entrar em outro assunto, qual não é o intento desse texto.

Por que não parece revoltante ou, apenas comovente, toda história pretérita, a ponto de o cidadão, hoje, nunca mais aceitar qualquer tipo de preconceito ou injustiça por perto? Qualquer ato que remete ao terrível fato de outrora, lá pelos pavorosos séculos que edificaram a nossa pátria, deveria causar não só repulsa, mas também medo. Qualquer povo que, depois de findado um sistema, ou regime atroz, genocida, temeria qualquer traço deste na sociedade, qualquer marca, qualquer gesto. Mas não é o que se vê em sua totalidade aqui no Brasil. Por conseguinte, toda a atrocidade passada deveria, no mínimo, tornar o povo ansiando igualdade perante a lei e respeito às diferenças e caminharem juntos rumo ao que de mais há de democrático no país: a harmonia racial. Pois, depois de tanto sofrimento e sangue derramado, por que as pessoas ainda não se identificam umas com as outras? Pior, segregam.

Embora diversificado e multicultural, todos são brasileiros e têm um passado não lá muito louvável e isso requer reflexão, acerto, progresso. Não à toa se fala muito em dívida histórica. Tudo bem... O passado é um tanto doloroso, mas ainda resta um quê de orgulho. Esse seria o ponto fundamental para o vislumbre do progresso. Portanto, por esse motivo, apenas esse, a princípio, o povo brasileiro talvez pudesse ser o mais democrático, o mais unido possível entre si e recíproco para com outros povos. Unidos racialmente, culturalmente - apesar da disparidade sócio-econômica -, todas as identidades, unas, por si, tornariam o Brasil e os brasileiros mais justos e prósperos. Infelizmente esse tema torna-se utópico, difícil imaginá-lo, porém não pode cair no esquecimento, no desânimo. 

Por que utópico? Qual seria a dificuldade para se tomar o rumo da prosperidade? Outro percalço no caminho que não se pode ser esquecido: apesar do passado, e que, ainda há um esperança em orgulhar-se de si, o brasileiro, ainda esbarra em uma resistência ultra-conservadora, nos moldes escravocratas, xenófoba, deveras preconceituosa que, por menor que seja esse grupo, acaba por contaminar muitos inocentes de diversas gerações. Tanto fizeram com as posteriores como também aos que ainda estão por vir. Milhões de pessoas que estão expostas a um contágio de informações; discursos de ódio, ora camuflados no anticientificismo, ora relativizado, com intuito de distorcer os fatos e fadar uma minoria a uma espécie de vítima às avessas. Do fundo de vossas almas, certas pessoas não seriam preconceituosas caso vivessem outra cultura - ninguém nasce racista; pelo menos fossem sempre lembradas e remetidas ao problema que foram as longas e árduas viagens dos navios negreiros, o comércio de escravos e o que se resultou disso, certamente muitos cidadãos não estariam enroscados nas redes do racismo estrutural e demais preconceitos. Caso tivesse outra cultura, o Brasil, muito desses preconceitos evaporar-se-iam da consciência coletiva.

Vejamos, por exemplo, no ano de 2003, foi criado o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) - detalhe, em 2003! Porém, este é um dia que poucos brasileiros refletem - pelo contrário, gera polêmica por causa de Zumbi dos Palmares e dos negacionistas (vide o atual presidente da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento Camargo) que ainda relutam em afirmar histórias pouco embasadas cientificamente sobre o Brasil e sem contar os diversos ataques contra tais manifestações comemorativas; o feriado ocorre em 16 dos 26 Estados da Federação; em torno de 1200 municípios aderiram ao feriado, dentro dos 5570 de todo o país. Não me parece muito interesse em se rever a história, refleti-la, estudá-la, ou simplesmente respeitá-la.

Ademais, há, também, o dia 3 de maio: Dia da Abolição da Escravatura (1888). Esta que não é uma data comemorativa ou em homenagem a ninguém e sim um dia histórico. A partir de 1530 - quando oficialmente o Império português formou a elite colonial no Brasil e decidiu explorar sua nova terra descoberta - até 1888, foram 358 anos (pode-se contar a partir de 1500 também). Portanto, depois de 358 anos oficiais de regime escravista, o Brasil, o último a findar-se com esse regime, manteve o controverso dia 3 de Maio (não que ele não devesse acabar, mas da forma que foi e seus motivos reais) nos anais da história. Tudo muito tardio, muito atrasado e injusto.

Sobre o feriado supracitado, na verdade, não é referente a um dia onde se deva comemorar, fazer festa. Não é isso também, mas o que se vê é um relaxamento ante à importância da data. Tudo bem que os movimentos e coletivos, pesquisadores, cientistas, fazem de tudo para levar à sociedade o peso que há na história do país dentro dos 388 anos de escravidão (1500 - 1888) e o que foi herdado até então. Porém ainda há muita mensagem a ser levada e, quiçá, a lugares nunca ainda tocados por ela.

Enfim, o que entristece, quando não revolta, é que a cada dia ao assistir racismo, homofobia, machismo e demais preconceitos contra o próximo e presenciar a impunidade é não crer que possa haver uma solução por parte da sociedade civil brasileira. Parece que todos os justos estão impotentes. Não se esboça uma reação. Longe disso! Recentemente tivemos escancarado o famoso "quem é você?", "tu sabes com quem está falando?". Sem contar diversos outros casos de violência com vítimas fatais que não quero explicitar aqui. Isso torna "déjà vu" todos os 388 anos de crimes contra a humanidade. Está longe, mesmo que seja um rascunho, superar o passado histórico e parece cada vez menos haver motivos para isso.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

O caminho para o céu


Eu estava ouvindo uma música, "Stairway to Heaven", do Led Zeppelin, ao vivo, num show em Nova Iorque, no Madison Square Garden, em 1973. Um verdadeiro rock and roll. E fiquei pensando os integrantes tocando essa música naquela época como deve ter sido louco o show. 

Então vejo outro show com a mesma música, mas agora cover. De 1973, quase 50 anos depois, viajei para outro vídeo: agora, em 2012, outros músicos homenageando o lendário Led Zeppelin, lindamente, porém com um quê de frio na barriga: os próprios integrantes da banda original estavam assistindo ao espetáculo - inclusive o então ex-presidente dos EUA, na época, Barack Obama. Imagina a sensação que devem ter passado os próprios criadores da canção original, em que, no passado eram os artistas no palco, arrasando, e ,hoje, são plateia? Deve ser uma loucura imensa. O que se passou na cabeça dos caras? O filme que rodou na lembrança de cada integrante da banda Led Zeppelin e também dos que estavam tocando no palco a homenagem. Ou melhor, de todos ali presentes e… Vou além: o que passa na cabeça daquele que acompanha a banda desde 70, por exemplo? O misto de lembranças e sensações… E na platéia o vocalista ouvindo sua música, emocionado, chorando nitidamente. Isso é banal para uns, mas complicado até para se expressar, para outras pessoas, de tão emocionante que é e o que envolve a música.

Eu fico imaginando um ser extraterrestre se, por acaso, pousasse aqui na Terra e a primeira coisa que ele viesse a ouvir fosse esta música. O que ele iria pensar, sentir, ouvir de fato?

Primeiro íriamos dizer: não ia entender nada. Ele não sabe nenhum idioma nosso aqui da Terra. Logo, não ia saber do que estava se tratando, a música.

Portanto, aí temos uns detalhes importantes no rock (e, obviamente, outros gêneros). O ET não ia compreender o idioma em inglês da música, com certeza, mas isso não mudaria o seu gosto pela parte instrumental dela. Porque este gênero não depende da composição literária, de escrever bem, falar coisas belas ou não. O rock and roll está muito além de letrinhas bonitinhas. Inclusive  há experimentos e estudos sobre o conjunto da obra em si, por exemplo: a letra pode não ter "pé nem cabeça", ser cantada em outro idioma do ouvinte, mas sendo bem apresentada, bem exposta, representada, melodicamente agradável, isso não faz da música incompreensível ou ruim. Se os integrantes se dedicam e tocam com vontade, até o silêncio é espetacularmente lindo (eu sei, é paradoxal. Tá... Nem tanto, mas adoro!).

Ademais este gênero é peculiar, pois existem variados instrumentos que podem complementar sua musicalidade e torná-la maravilhosamente boa e, quiçá, eternizando-a, como no caso desta música que vos falo aqui como exemplo. Porém não é um ou outro instrumento que tem sua marca primordial que se destaca não. E quando eu falo instrumento a voz também é um deles. O rock, a música em si, é pluralidade e puramente atitude, performance. Você até pode fazer uma canção somente com a guitarra. Sem nada mais. Uma música somente com o contrabaixo ou, só com a bateria. Ok. Vai ficar horrível (risos). Salvo algumas composições clássicas, como, por exemplo, as Seis Suítes para Violoncelo Solo, por Johann Sebastian Bach. Mas aí é outra história.

Agora, algo que não podemos negar é música cantada à capela. Portanto, o conjunto da obra, no rock, o que conta é: o timbre da guitarra, a potência do contrabaixo, o ritmo da bateria, talvez um piano, ou teclado e etc. A voz, ou a composição literal têm sua importância e creio ser a qual mais os ouvintes se atentam, porém a música passa da mesma forma com ou sem sua compreensão. Nada está em evidência numa música com duas ou mais vozes. Outro exemplo, da mesma forma que um extraterrestre - não entendendo uma palavra do que esteja sendo cantada -, muitos de nós também não entendemos certos idiomas e somos levados para outro caminho de interpretação e/ou gosto musical. O que nos faz gostar desse gênero é o seu modo de expressar, repito, é a sua atitude, a sua explosão. A tal pegada que o rock possui e atrai. É um magnetismo gigantesco e de uma beleza surreal. Quando estmos ouvindo, sabemos. O corpo todo responde, age, parece que cada célula do nosso corpo fuinciona com mais perfeição; Tudo, inclusive a mente; cada batida do coração é uma resposta, em júbilo, ao que se estamos ouvindo.

Para melhor esclarecer (ou não [risos]) uma analogia: o circo. Não são as estacas, nem a arquibancada, nem a lona, o trapézio, as cordas, os malabaristas e seus instrumentos, o mágico, os palhaços, enfim, os artistas e a plateia... Não. Não são nenhum desses componentes que fazem o espetáculo, mas sim todos eles em conjunto e harmonia é que fazem o circo ser a beleza, o lúdico, a magia que é. É o todo e não suas partes que cria a atmosfera maravilhosa que é o circo. Tudo funciona como num projeto perfeito, impecável de amor e fantasia. Assim, pode-se dizer de uma música. Ainda mais executada ao vivo!

Ademais, voltando ao extraterrestre, concluo, também, que o mesmo iria gostar muito de ouvir um bom rock and roll. Ia gostar muito de Stairway to Heaven e ia amar Led Zeppelin, sem dúvidas. Mesmo sem compreender o que é uma guitarra, uma bateria, baixo e o que o vocalista está cantando, sua a composição total e etc… Este ser ia ter as maiores e melhores sensações de sua vida.

Quero abrir um parêntese aqui para explicar que estou falando de uma banda que eu gosto desde criança. Estou falando de uma música que me marca, desde a infância e, ela é mais antiga que minha existência, registrada em 1971. Obviamente é um gosto pessoal e eu não quero sobrepor este ao de ninguém. Não quero dizer que o rock ou que o Led Zeppelin é melhor do que outro gênero musical, outra banda ou outro grupo qualquer musical. O que falo por mim cada um tem em si; sua música, seu gênero, sua banda e assim por diante. O que expresso agora, provavelmente, é o que muita gente sente também quando ouve uma boa música, uma que lhe agrade. Uma boa música obviamente agrada, porém o que é boa para um não é para outro. Isso é relativo e não podemos entrar em discussão em respeito a isso. Portanto se eu estou falando em Led Zeppelin você pode transferir para o seu artista preferido; se eu estou falando em Stairway to Heaven você pode migrar para sua canção favorita, seja ela cantada, instrumental, rítmica e etc.

Por fim, a música é coisa que nos toca a alma. Explica o inexplicável; que traz a luz o incompreensível; assim como outros ramos da arte a música é a única que consegue dar vida à morte e, da morte, trazer as coisas à vida. A música realiza todos os sonhos, concretiza o que é abstrato; abstrai do todo, quando não, sintetiza distintos particulares... Quando ela nos agrada parece que sentimos uma coisa em nosso ser, uma potência, uma vontade de viver que não dá para expressar de forma alguma. Só mesmo ouvindo para entender e somente a musica para traduzir isso. É algo que sentimos em nosso íntimo. É como se fosse uma chama acesa e o que a alimenta é um combustível muito potente, consequentemente, levando essa chama às alturas e ao calor extremo: é a vida escancarada, nua, crua, plena e cheia de potência. O único momento em que eu não desejaria morrer seria ouvindo uma boa música de rock, porque, seria o cúmulo do desgosto (e da sacanagem) que, no melhor momento da vida a morte venha reaver seu lugar.


Led Zeppelin: Ex-integrantes: Jimmy Page; John Paul Jones; Robert Plant; John Bonham. Londres. 1968 - 1980 e outras reuniões até os dias atuais.

Letra de Stairway To Heaven © Warner Chappell Music, Inc. Compositores : Jimmy Page / Robert Plant

domingo, 5 de julho de 2020

A metamorfose e o perigo de se aceitar de tal maneira ou querer mudar



Imagine que, depois de um dia corrido, nada mais que a vida atual de um mero trabalhador, nada como um dia após o outro, você acorda pela manhã em sua cama e não consegue se mover direito. Logo, percebe que alguma coisa está errada consigo. Você se observa bem, olha de novo e constata que você é um inseto. Ou melhor, uma barata. Um dos insetos mais asquerosos do mundo. É isso! A partir daí você é uma barata. Então, vida que segue e vamos de Franz Kafka, A Metamorfose (1915). Essa obra tem ao menos 3 questões a serem refletidas, ou melhor, trazidas aos sprays dos inseticidas.


Primeiramente, fazendo uma analogia com algumas questões atuais - na verdade isso sempre aconteceu -, vamos tratar, nesta ficção, o que é, possivelmente, revelado de uma pessoa que está sofrendo, vamos dizer, o processo de baixa autoestima, que é intimamente ligada à dificuldade de autoaceitação, amor-próprio e a falta de autoconhecimento.


Segundo, isto pode ter duas origens: da própria pessoa, em não se aceitar como ela é intrinsecamente ou esta pessoa não está sendo aceita por grupo social, ou melhor, pelas pessoas ao seu redor, de onde ela vive.

Terceiro caso, que se segue do último exemplo acima, é o de a pessoa não ter ciência do que a abala e, com isso, incrivelmente, achar-se assim, como numa metáfora; um inseto; um ser diferente, inserido em um espaço que pode ir desde seu lar, academia, no clube, condomínio, na comunidade, no bairro, município, até no mundo inteiro, quiçá. E sobre a questão global, isso vai depender da "raça" qual estivermos tratando. Isso já foge um pouco da questão pessoal e já entra no tema mais amplo de xenofobia e racismo entre povos. Deixo claro aqui não estou negando o racismo, vamos dizer, interpessoal ou entre indivíduos, que é tão prejudicial quanto qualquer preconceito.

Infelizmente os julgamentos são pesados, graves e muito hostis. Nem todos suportam tais "apontamento de dedos", comentários irônicos, piadas, bullying e pior ainda discursos de ódio. Portanto, para quem vier a ler esta obra, ou para quem já terminou, compreende que, o caso do protagonista Gregor Samsa, pode ser esta: de uma pessoa que se acha estranha aos demais - ou o contrário; que não consegue olhar para si e encontrar semelhança no próximo. Tudo bem que ninguém é igual a ninguém, mas o contraste é tanto, que, por exemplo, o senhor Samsa é tão radical consigo mesmo que ele se vê uma barata. Ou melhor, ele é uma barata. Isso para termos noção da discrepância na auto-definição entre o olhar para si e olhar para outra pessoa. Pergunto, quantas pessoas que sofrem, que são oprimidas, que não se sentem bem consigo mesma e, porém, se aceitam, também, de uma forma desprezível, asquerosa, como uma aberração, por conta de problemas pessoais? Independente, nesse caso, de ser oriundo da ordem social ou individual. E não sou eu que estou falando isso e sim a interpretação costumaz do livro. Realmente o autor nos faz refletir e cabem também outras formas. Porém, este foi o meu olhar para a obra em si. Ademais, posso trazer outros exemplos da arte, da composição musical, em que os autores também trabalham com essa ideia de baixa autoestima, depressão, qualquer problema relacionada aceitação/ negação:

  1. "Eu me sinto estúpido e contagioso/ Aqui estamos agora, nos entretenha/ Um mulato, um albino/ Um mosquito, minha libido/ Uma negação, uma negação, uma negação, uma negação, uma negação/ Uma negação, uma negação, uma negação, uma negação" (Smells Like teen spirit - Nirvana);
  2. "Mas eu sou uma aberração/ Eu sou um esquisitão/ Que diabos estou fazendo aqui?/ Eu não pertenço a este lugar" (Creep [Aberração] - Radiohead);
  3. "Quem me dera ao menos uma vez/ Fazer com que o mundo saiba que seu nome/ Está em tudo e mesmo assim/ Ninguém lhe diz ao menos obrigado/ Quem me dera ao menos uma vez/ Como a mais bela tribo/ Dos mais belos índios/ Não ser atacado por ser inocente" (Índios - Legião Urbana).
Na letra da Legião Urbana, acima, o “estranho” são os outros. No caso, os índios. Esses que sofrem violências, ações externas, ataques e todo tipo de preconceito como “bichos que vivem no mato”. Lembrando também que a taxa de suicídio nos povos indígenas é altíssima.

Enfim, esse problema é muito sério e profundo. Pode estar acompanhando a pessoa desde a infância. Há uma questão principal e muito perigosa, por conta do que li e interpretei, que é a aceitação da pessoa a esta condição: que no caso do livro se trata, metaforicamente, de uma barata, ponto visceral de Kafka. Ele não pôde escolher melhor (?) inseto para representar a nossa repulsa ante a este bicho e sobre aquele que se julga como um ser detestável. Em contrapartida, a sociedade pratica o mesmo com certas pessoas, adoecendo-nas, deixando-nas realmente com esse entendimento. Coisa completamente errônea, o julgar, rotular... Tão surreal quanto a narrativa do autor. Que é uma obra prima, diga-se de passagem. Assim sendo, repito, nem todos os casos advêm de pressões externas. Pode haver casos em que a própria pessoa cria isso de si mesma tentando buscar algum ideal, algo em comum ao meio em que se vive, porém que é impossível de se alcançar devido às condições fisiológicas, ou em respeito a fenótipos/genótipos e, também, demais casos.

O que acharam do livro, aos que leram? Caso não o tenham feito, por favor, leiam!


terça-feira, 30 de junho de 2020

O amor faz sentido?

É a luz sonora,
Tem som de sabor
Em plena hora
faz chuva descer É só tocá-lo que
o aroma se sente que o tempo, com ardor
Em meio ao inverno quente

O distraído notou
Mas nada viu
O lento acelerou
porém logo partiu

Nada fez sentido 
Do sólido amolecido
a paixão se viciou
Fez o inteiro fundido

A Terra ficou plana
A gênese retrocedeu
Perseu enfim nasceu
Medusa ganhou fama

A mente, caso pense
com a língua não fala 
A derrota que vence
nada que se cala

Sem nexo tal expor
Ouro guardado em isopor
tratado com todo zelo
Identicamente, o amor

domingo, 28 de junho de 2020

O suicídio que não mata



Pintura de 1755, o suicídio de Cleópatra.


Ouvindo “Flores”, da banda Titãs, repensei no despertar após uma vida que se foi. Apesar de não ter havido a morte do corpo físico, mas de uma vida em um momento de uma pessoa que mudou radicalmente após tantas intempéries. Lembrando que a música é uma clara menção ao suicídio, ou pelo menos sua tentativa, àquele que já chegou a este ponto.

Primeiro, a música tem como seu primeiro verso “Olhei até ficar cansado/De ver os meus olhos no espelho”. O que estaria tramando o(a) protagonista dessa história que tanto se olhava pelo espelho? O que o espelho reflete àquele que se depara com ele? O que passa na cabeça de uma pessoa, que, provavelmente está a ponto de dar fim à sua existência, olha para si, encarando-se frente à frente diante do espelho? 

Segundo, a música fala tanto de flores, o título é “Flores”, o que raio de flores são essas que estão em todos os cantos? FUNERAL? (Pergunta retórica).

E, voltando ao espelho, quando uma pessoa que está de frente a ele - respondendo a uma das perguntas acima - não estaria ela vendo flores, ao invés de si mesmo? Uma vez que as flores estão em todos os lugares?

“Chorei por ter despedaçado/ As flores que estão no canteiro”; Eis aqui, talvez, uma clara referência ao “bem-me-quer, mal-me-quer” - quem nunca fez essa brincadeira quando na infância? (risos). Mas nesta obra, não se trata de brincadeira. E, retornando, à música, “as flores que estão no canteiro”, despedaçadas, foi, realmente, um ato de “bem-me-quer, mal-me-quer”? Essa flor, não poderia simbolizar alguma pessoa amada? Não que se trate de violência física contra o próximo, mas uma dilaceração, um despedaçar, rasgar, arrancar simbolicamente, metaforicamente. 

Uma flor presenteada por algum amado(a), faz lembrar a todo instante deste. Poderia ter, o protagonista, jogado o vaso com as flores, com tudo no chão, devido a alguma frustração, um amor não correspondido? Quem sabe? Uma separação indesejada, uma traição… Tudo isso pode vir a ser o desfecho dos versos abaixo:

“Os punhos e os pulsos cortados/ E o resto do meu corpo inteiro”. A partir daqui começo outra interpretação: é claro e notório o modus operandi de uma suicida ou uma pessoa com impulsos auto-destrutivos. Não só os pulsos, mas o corpo inteiro do(a) protagonista está dilacerado. Talvez como as flores que estão no canteiro. Tais flores podem ser o(a) próprio suicida ou a pessoa amada. Como o(a) suicida, não cometeu o ato de fato, foi apenas uma intenção, pode-se estar se referindo a si mesmo, a essa flor que, de plástico, não morre. Como se estivesse pensando: “eu não consigo me matar”; ou, esse trecho pode ser direcionado a uma pessoa amada, que o(a) deixou de alguma forma e que, também não morre: fica impregnada na mente do(a) protagonista. Como se não conseguisse esquecê-la(o). Não à toa “Há flores cobrindo o telhado/ E embaixo do meu travesseiro/ Há flores por todos os lados/ Há flores em tudo que eu vejo”.

Entretanto, tem uma outra versão, ou melhor, outra “visão” para ouvir essa música: O protagonista por alguma causa tentou suicídio, não conseguiu, foi socorrido e encontra-se no hospital, explícito nesse trecho “A dor vai curar essas lástimas/ O soro tem gosto de lágrimas/ As flores têm cheiro de morte/ A dor vai fechar esses cortes”. É um pouco sombrio, quase beirando um velório, algo bem fúnebre. Mas não há brechas na música sobre uma possível morte física, de fato. O que pode ter “morrido”, rompido, findado, foi algum relacionamento ou uma potência de vida (vontade de viver) com o desgosto para a mesma, mas que não se consumou de fato, porque, as “Flores/ Flores/ As flores de plástico não morrem”. Mas em respeito ao tratamento, à medicação, o soro, sob os cuidados médicos, me lembrou drogas. Não que os medicamentos estivessem causando alucinações no paciente. Mas as próprias drogas ilícitas. Tudo - pode-se interpretar assim, creio - esteja voltado para um consumo excessivo de alucinógenos. Visão de flores em todos os lugares, desintoxicação no hospital, as dores no corpo (na alma, quiçá), tentativa de suicídio, o corpo dilacerado, alucinado no chão, despedaçado, junto com um lindo vaso de lindas flores que enfeitam o banheiro, sobre a pia, debaixo de um lindo espelho…

Por fim, as flores não morrem, o pensamento não morre, o desejo, a paixão - apesar de não correspondida - o desejo do adicto em se alimentar ilicitamente ou quiçá uma dor “da alma”, e seja lá mais o que ficar a ponto de interpretação nessa obra. E, por acaso, superando a isso tudo, como recomeçar? O que fazer para a vida não ser tão plástica e falsa, como são as flores de plástico, mas sim torná-la viva como um lindo ramo de flores coloridas, que saltam aos olhos e, perfumadas, alteram para melhor todos os sentidos do corpo? E você, o que achou dessa música? O que, para ti, representa essas Flores na composição do autor?


TITÃS. Álbum: "Õ Blésq Blom". Música: "Flores", Autores: Charles Gavin, Paulo Miklos, Sérgio Britto, Tony Bellotto. 1989.

Apolítica

Um ato de violência política não revela apenas um crime de uma ação isolada. Ele expõe a fragilidade de nossas crenças políticas. Depois dos...