O suicídio que não mata



Pintura de 1755, o suicídio de Cleópatra.


Ouvindo “Flores”, da banda Titãs, repensei no despertar após uma vida que se foi. Apesar de não ter havido a morte do corpo físico, mas de uma vida em um momento de uma pessoa que mudou radicalmente após tantas intempéries. Lembrando que a música é uma clara menção ao suicídio, ou pelo menos sua tentativa, àquele que já chegou a este ponto.

Primeiro, a música tem como seu primeiro verso “Olhei até ficar cansado/De ver os meus olhos no espelho”. O que estaria tramando o(a) protagonista dessa história que tanto se olhava pelo espelho? O que o espelho reflete àquele que se depara com ele? O que passa na cabeça de uma pessoa, que, provavelmente está a ponto de dar fim à sua existência, olha para si, encarando-se frente à frente diante do espelho? 

Segundo, a música fala tanto de flores, o título é “Flores”, o que raio de flores são essas que estão em todos os cantos? FUNERAL? (Pergunta retórica).

E, voltando ao espelho, quando uma pessoa que está de frente a ele - respondendo a uma das perguntas acima - não estaria ela vendo flores, ao invés de si mesmo? Uma vez que as flores estão em todos os lugares?

“Chorei por ter despedaçado/ As flores que estão no canteiro”; Eis aqui, talvez, uma clara referência ao “bem-me-quer, mal-me-quer” - quem nunca fez essa brincadeira quando na infância? (risos). Mas nesta obra, não se trata de brincadeira. E, retornando, à música, “as flores que estão no canteiro”, despedaçadas, foi, realmente, um ato de “bem-me-quer, mal-me-quer”? Essa flor, não poderia simbolizar alguma pessoa amada? Não que se trate de violência física contra o próximo, mas uma dilaceração, um despedaçar, rasgar, arrancar simbolicamente, metaforicamente. 

Uma flor presenteada por algum amado(a), faz lembrar a todo instante deste. Poderia ter, o protagonista, jogado o vaso com as flores, com tudo no chão, devido a alguma frustração, um amor não correspondido? Quem sabe? Uma separação indesejada, uma traição… Tudo isso pode vir a ser o desfecho dos versos abaixo:

“Os punhos e os pulsos cortados/ E o resto do meu corpo inteiro”. A partir daqui começo outra interpretação: é claro e notório o modus operandi de uma suicida ou uma pessoa com impulsos auto-destrutivos. Não só os pulsos, mas o corpo inteiro do(a) protagonista está dilacerado. Talvez como as flores que estão no canteiro. Tais flores podem ser o(a) próprio suicida ou a pessoa amada. Como o(a) suicida, não cometeu o ato de fato, foi apenas uma intenção, pode-se estar se referindo a si mesmo, a essa flor que, de plástico, não morre. Como se estivesse pensando: “eu não consigo me matar”; ou, esse trecho pode ser direcionado a uma pessoa amada, que o(a) deixou de alguma forma e que, também não morre: fica impregnada na mente do(a) protagonista. Como se não conseguisse esquecê-la(o). Não à toa “Há flores cobrindo o telhado/ E embaixo do meu travesseiro/ Há flores por todos os lados/ Há flores em tudo que eu vejo”.

Entretanto, tem uma outra versão, ou melhor, outra “visão” para ouvir essa música: O protagonista por alguma causa tentou suicídio, não conseguiu, foi socorrido e encontra-se no hospital, explícito nesse trecho “A dor vai curar essas lástimas/ O soro tem gosto de lágrimas/ As flores têm cheiro de morte/ A dor vai fechar esses cortes”. É um pouco sombrio, quase beirando um velório, algo bem fúnebre. Mas não há brechas na música sobre uma possível morte física, de fato. O que pode ter “morrido”, rompido, findado, foi algum relacionamento ou uma potência de vida (vontade de viver) com o desgosto para a mesma, mas que não se consumou de fato, porque, as “Flores/ Flores/ As flores de plástico não morrem”. Mas em respeito ao tratamento, à medicação, o soro, sob os cuidados médicos, me lembrou drogas. Não que os medicamentos estivessem causando alucinações no paciente. Mas as próprias drogas ilícitas. Tudo - pode-se interpretar assim, creio - esteja voltado para um consumo excessivo de alucinógenos. Visão de flores em todos os lugares, desintoxicação no hospital, as dores no corpo (na alma, quiçá), tentativa de suicídio, o corpo dilacerado, alucinado no chão, despedaçado, junto com um lindo vaso de lindas flores que enfeitam o banheiro, sobre a pia, debaixo de um lindo espelho…

Por fim, as flores não morrem, o pensamento não morre, o desejo, a paixão - apesar de não correspondida - o desejo do adicto em se alimentar ilicitamente ou quiçá uma dor “da alma”, e seja lá mais o que ficar a ponto de interpretação nessa obra. E, por acaso, superando a isso tudo, como recomeçar? O que fazer para a vida não ser tão plástica e falsa, como são as flores de plástico, mas sim torná-la viva como um lindo ramo de flores coloridas, que saltam aos olhos e, perfumadas, alteram para melhor todos os sentidos do corpo? E você, o que achou dessa música? O que, para ti, representa essas Flores na composição do autor?


TITÃS. Álbum: "Õ Blésq Blom". Música: "Flores", Autores: Charles Gavin, Paulo Miklos, Sérgio Britto, Tony Bellotto. 1989.

Comentários

  1. Vc é de uma envergadura intelectual absurda . Quando eu crescer quero ser tu , RS!

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