quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Leia com atenção

Retornando do trabalho, eu me entretia com essas TVs que agora estão dentro dos coletivos. O ônibus, no caso, não estava cheio, mas quase não havia vaga nos acentos. Então sentou-se ao meu lado uma jovem universitária. Eu estava segurando um livro, O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx. A moça reparou-o em minhas mãos, olhou mais atentamente para a capa do livro e resmungou algo como que falando com o teto: “comunistinha de merda”. Continuei olhando a TV - menos concentrado, obviamente. Segundos depois ela vira e pergunta: “Uma mulher grávida pode engravidar?” “Nossa! Você viu aquilo?” - Perguntei-a se realmente ela tivera reparado a mesma coisa que eu na TV. “Sim! Vi” - respondeu. Então comentei: “Olha ai um conceito de ‘devir’". Imediatamente ela me cortou e afirmou: “não na visão desse Marx, obviamente” - desdenhando do autor que eu tinha nas mãos. Perguntei-a se ela já havia lido. Ela disse que não. Cordialmente sugeri: “Leia, então”. Ela se virou espantada e perguntou como eu havia adivinhado seu nome, uma vez que não nos apresentamos. Eu retruquei e disse que só havia pedido para ela ler Marx. Ela insistiu falando que eu disse seu nome. “Leia, Leia! Você falou meu nome sim. Como você sabe meu nome?” “‘Leia’, eu falei sim, mas usei a palavra no verbo “ler”, no imperativo…” - expliquei-me. Então esse era o nome da moça. Verbo ler no imperativo, ou seja, Leia. “Era para ser Leia, com acento agudo na letra E, mas meus pais não se expressaram bem, creio” - explicava-se a jovem. Mas a curiosidade transmitida na TV do coletivo já tinha viralizado. Tal curiosidade era, que até o motorista parou o veículo para perguntar a uma fiscal da linha que estava no ponto de ônibus: “mulher grávida pode engravidar?” Um homem sentado no banco de trás, questionou-nos, dizendo que eu estava errado e que o caso de uma grávida vir a engravidar, se encaixava com o célebre pensamento de Sartre, onde diz que estamos condenados a ser livres. A Leia, sabiamente respondeu: “Que condenação é essa?” O homem ficou sem resposta. Irônica, novamente, ela resmungou fazendo cara de desdém: “essa condenação se dá somente pelo fato de termos nascido, pronto! Quanto à liberdade, esta seria, vamos dizer, um brinde extra.” “Qual seu nome?” - perguntou o novo interlocutor, curioso. “Leia” - disse ela. “Tá bom, vou ler” - respondeu o homem instintivamente -, “mas queria saber teu nome moça”. “Leia” - já disse. “Ler aonde, colega?” - se questionava o homem. “Deixa pra lá” - finalizou a moça.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Ya zhenshchina, ou seja, Eu sou uma mulher.

Instalei um aplicativo, desses de aprender idiomas, pois preciso aprender a língua cirílica o mais breve possível. Tendo em vista uma excelente oportunidade de trabalho como adestrador de ursos, na Sibéria, é deveras urgente.

Peguei meu celular, pus meu fone nos ouvidos e fui praticando. Básicos exercícios (quem já usou sabe como é): “Ele é da Rússia”, “Eu falo russo”, “Ela trabalha em Moscou”, etc. Ainda nas escadas do prédio, surge uma tradução a ser realizada via gravação de voz: “Eu sou uma mulher”. O app retornou com uma mensagem: “não foi possível detectar o áudio, aperte ‘aqui’ e envie novamente”. Tudo bem, vamos nós: “Eu sou uma mulher” - retumbantemente efusivo.
Atrás de mim ouço voz, risadas. Tirei o fone dos ouvidos e me virei. Era o casal vizinho. “Cara, que palhaçada é essa? Virou mulherzinha agora? Porque eu não vejo nada aí; cadê os peitinhos, tem vagina agora?” “Fala sério! Esse pessoal da esquerda invertendo valores, fazendo do mundo que Deus nos deu um verdadeiro inferno. Por isso que o Brasil está assim” - concluiu sua esposa. Em meio à inquisição de seus demônios incubados, eu virei a tela do celular para eles e fiquei parado fazendo pose de madame à espera do Uber Black. Eles disseram: “Não estou entendendo, teu macho não gostou da foto?” - riram. Continuei parado apontando-lhes a tela do celular com o app ainda confirmando a excelente tradução “Eu sou uma mulher”.
Finalmente ao virem, explicitamente, do que se tratava, puseram os demônios entre as pernas e partiram resmungando, ainda sem darem o braço a torcer: “Deve ser um hacker…” - comentou o marido. “Não amor, é fake news! Você não sabe como é a esquerda?” - acrescentou a mulher. “Ele deve ter adulterado o conteúdo, são todos corruptos” “E o Lula? Pois é, e o Lula?”

domingo, 4 de agosto de 2019

Porre Nº 5 (acho que perdi a conta)

HOJE cedo saí de casa, atravessei a rua e fui comprar pão. Fi-lo rapidamente. Contudo, ao chegar em casa esquentei a água, pus a mesa e vi que não tinha manteiga e nem café (apesar de eu odiar café. E, também, cá entre nós: comer pão sem manteiga é pior do que sexo com bonecas infláveis). Então voltei à padaria para comprar o que faltava para o meu café da manhã. 

Estava saindo pão fresquinho e fui tentado a comprar mais. Percebi que a fila do pão estava enorme. Nela estavam: uma barriga, com bastante tecido adiposo; uma salsicha, tomando guaravita; muitas crianças, parecia dia de São Cosme e Damião; um playboy, que se sentia na fila da entrada vip da boate. E, por fim, o próprio dono da padaria. Isso não é uma imensa fila, mas a quantidade de criança era desesperadora. 

Comecei a ficar impaciente, pois o tempo passava e o meu sagrado café tardava em sair. A barriga perguntou aos berros quem ia servir o pão, pois via-se que não tinha nenhum atendente na padaria. O padeiro, obviamente, estava aparvalhado fazendo mais pão dentro da cozinha. Era notório que ele só fazia isso na vida. E a padaria tinha vários prêmios de "pão fresquinho na hora" e exibia com orgulho os troféus por toda a parede. A salsicha, entediada, pediu mais guaravita a um quadro que estampava a foto do funcionário do mês - que na verdade era do próprio dono. Este era o último da fila e não largava sua mala de viagem. Os mais chegados diziam: "Todo dia o dono da padaria sai rumo ao exterior. Parte numa viagem que parece ser longa, mas nunca que acontece de fato. Sempre surge um imprevisto, um intempérie. Então, para não ficar fazendo e desfazendo suas malas todos os dias, ele deixou a mesma pronta e a carrega para cima e para baixo".

Até que, do nada... "Pronto! vai sair o pão" - pensamos coletivamente. De dentro da padaria, lá onde ficavam os fornos, vinha um cachorro, imitando uma Cacatua. Vinha anunciando que o pão ia sair e perguntava quem era o primeiro da fila. A salsicha entrou por dentro da barriga e, de uma metamorfose heróica, surgiu um grande rosto sem barba, vermelho de raiva, com formato de empadão fatiado. Inclusive seu aroma estava me fazendo salivar. Sem contar os pães sendo servidos por um cachorro - um lindo lavrador do sul de Santa Catarina. 

Despejados todos os pães na sexta - que já era noite - o playboy se empolgou. Não por causa disso ficamos felizes. Mas a sexta era enorme e couberam uns 200 pães. "Enfim… - pensamos - Vamos comprar nossos pães". E eis que o tal playboy pegou o seu pão e saiu gritando: "Eu não vou passar manteiga! Nem requeijão... E sabe por quê? - questionou a si mesmo - porque meu filho tem kit gay!". "E isso inclui mamadeira de piroca?" - indaguei-o. "Não, só chupeta. Você quer?" - me ofereceu o jovem. "Perceba que tem duzentas crianças nesta padaria. Então, por favor, paremos. Por conta de todos os sentidos que possam ser interpretados aqui…" - propus.

Enquanto o playboy se dirigia para o caixa, que em letras garrafais, estampava "Cuidado, frágil!" - e ainda estava lacrado ainda com fita adesiva dos Correios - a horda mirim o seguiu. Cada criança com seu pão. Pensei: "Fudeu! Acabaram-se os pães!". Realmente havia acabado. O cachorro, que trouxe os pães e os colocou na sexta, saiu correndo porque já estava atrasado. Dizia ele (ou latia, você que escolhe): "Cacete, au, au! Já é à segunda feira que irei hoje. Não aguento mais! Estou com pressa. Fui! Au, au..." Enquanto o cão saia, justamente, após ter batido seu ponto, uma gata assumiu a panificação. 

Entre assobios e elogios, ela ia vagarosamente, elegantemente, dócil, para dentro da padaria fazer seu trabalho. Alguns ratos saíram em disparada lá de dentro e foram em direção à rua em busca de melhor abrigo. Um deles dizia enquanto fugia: "A patroa chegou!". "Mas ela é uma gata heim!" - dizia outro. A fila permanecia com a mesma configuração. Exceto pela saída do playboy. Mas estavam, ainda, as duzentas crianças - querendo mais um pão cada uma; o empadão fatiado - que retornou à forma anterior, de barriga e salsicha, já separados - eu; mais o dono da padaria (com sua mala é óbvio).

Nesse momento, depois de três rodadas de duzentos pães servidos, a fila vagarosamente andou. Só que para trás. Portanto eu passei a ser o segundo na espera. O padeiro, que ficou sendo o primeiro, nobremente, me cedeu seu lugar: "Não como pão - disse ele, meio que pra si mesmo, olhando cabisbaixo, estranhamente - Mas prefiro pão…" Sem entender muito, enfim, consegui meu pão. Um apenas. Era um pão por CPF. 

(E você se pergunta: "E como as crianças conseguiram?". Lhe respondo: "Com seus CPFs, oras!". Daí você insiste: "Mas é só um pão por CPF, não? Como elas conseguiram dois pães cada uma?" "Sim - retruco-te - eles possuíam os CPF's dos seus personagens prediletos e o dono da padaria aceitava CPF de terceiros, desde que estivessem ausentes).

Até que, enfim… Quando eu estava indo embora, todos olharam e, em uníssono, disseram: "Olha! está chovendo. Que tempo doido, não falei?" Logo, quando eu botei o pé fora da padaria a chuva cessou. Não porque eu botei o pé na rua, mas creio que por falta d'água mesmo ou, talvez, racionamento por parte da natureza. Contudo, novamente, todo mundo em uníssono, (ou para os mais chegados "em uma só voz") ao virem o fenômeno disseram: "Olha a chuva parou! Tempo doido, não falei?" Percebi que quem fazia chover, ou parar de chover, eram aquelas vozes entoadas de uma só vez e não minha vontade de ir para casa ou ficar dentro da padaria.

Sendo assim, protegi meu pão e arrisquei sair novamente. Para mim, era só atravessar a rua que eu estaria em casa. Entretanto, eis que um carro pára na minha frente e me oferece uma carona. Eu avisei que não precisava, pois era só atravessar a rua. Mas quando olhei bem para dentro do carro e vi quem era, aceitei o convite imediatamente. Franz Kafta. O próprio. O livro! Não a biografia, mas a metamorfose, - quem dirigia - e no banco de trás estava a carta ao pai - qual não resisti, abri e li-la toda. Não pude entreter-me muito com a metamorfose, pois ela dirigia o veículo. 

Cheguei em casa anos depois, ou talvez algumas horas. Não sei precisar… - mas o que importa, que diferença faz, se você perde anos ou segundos para comprar pão? O que na verdade é o tempo, senão o prazer pela compra e, consequentemente, a sua mais refinada degustação? Que envolve todo o processo de ir a padaria comprá-lo, chegar em casa e comê-lo (mas com manteiga heim!). 

Então, quando eu ia começar já a lanchar, pois já era umas quatro horas da tarde, eis que surge uma chamada de vídeo, vinda do aplicativo Telegram, de Dr. Freud - com aquela mesma cara, da sua foto mais famosa que se encontra no na internet, ele me questionou: "Você tem de escolher: ou a figura materna, ou a paterna; ou você toma leite, ou café". Chamada encerrada. Refleti muito. Quando voltei-me ao celular, para respondê-lo por texto, havia uma curiosa mensagem de um hacker se passando por mim: "Estou com arquivos que não possuem lógica alguma. Estão completamente privados de qualquer lucidez e não só: As mensagens são uma afronta à razão. Posso lhe confiar?".

Aceitei, porém com desdém. E a mensagem, com data de ontem, dizia: Meu caro, não estou com a mínima vontade de escrever para você. Nem para ninguém. Isto aqui, na verdade, é uma simplória introdução. É mais para dizer que a fiz. Porque minha vontade mesmo era mandar todo mundo ir pastar. Ficam me pressionando, oras! Que saco! Porém, se você analisar isto com cuidado, poderá lhe ser muito útil. Preste atenção! Deverás tomar uma decisão por meio da insanidade (que é positivo isso), sobre a questão que lhe foi imposta com muita seriedade, confesso. Entretanto o farás assertivamente. Veja bem, é o seguinte: Não dê ouvido à razão. Nem ao Freud. Não leia Kant e, por favor, pare de assistir Geraldo Luís, aos domingos. É notório que isso está te angustiando. Deixe-me te lembrar (sei que vou parecer mãe): Mas esqueceste-te de comprar o café e a manteiga, na padaria, lembra-te? Você só comprou um pão por conta do teu CPF. Outra coisa, por fim: Escolha café com leite e bloqueie Dr. Frued das tuas redes sociais e app de conversas. E se quiser afrontá-lo de verdade, escolha capuccino. Ah, mais uma coisa: Você usa muita vírgula. Poupe-as um pouco mais. Cordialement (em francês) seu admirador, M.F."

Perguntei sobre a veracidade da mensagem e se realmente ela se dirigia a mim; se podia haver uma mínima alteração, edição qualquer nas palavras do remetente, inclusive se as vírgulas realmente estavam bem empregadas e etc. Então o hacker respondeu: "Sobre as conversas, eu não sei lhe dizer. Não tenho mais essas mensagens aqui comigo, mas foi um hacker. E quanto às vírgulas, elas já operam sob a nova lei que flexibiliza as relações de trabalho. Fique tranquilo. Elas irão receber o que lhes são justo e irão se aposentar, quem sabe algum dia." Fui dormir com medo. Tive pesadelos. Quando acordei, me deparei com a TV ligada. Passava o programa do Domingo Show, de Geraldo Luís. Ele contava uma intrigante história de uma padaria onde que o dono, melhor funcionário do mês, não conseguia nunca viajar e tinha um padeiro - um cão lavrador de Santa Catarina, que imitava Cacatuas e que é rendido por uma gata na vigésima fornada.

sábado, 20 de julho de 2019

Não basta ouvir-te a ti mesmo




O céu é testemunha 
dos passos que o homem deu na terra
Como os ventos que vêm do horizonte
percorreu litorais, desertos e montanhas
Soprando a quente brisa
Anunciando a chegada do Sol
Aquele que a tudo ilumina
caminhos, destinos e pensamentos

Sempre em busca de algo
oh pequeno humano...
Sempre a tudo questionando
Porém não sabe o que quer

Não sabe por onde começar
Mal tem uma pergunta formulada
E já quer da grande voz da vida
uma resposta determinada

Tais respostas surgirão, sim
Mas quando a vida realmente for vivida
Isso pode custar tempo, ou não
Basta um ouvir especial

Não somente ouvir a si
nem ao que lhe convém
Precisa-se de uma sensibilidade
Um estado de ser que vá além

O homem precisa ser tudo
Ser todos, sentir a diversidade
Sentir a tenra idade
Pressentir a novidade

Ser todos os sexos
Decifrar todo o complexo
Possuir todos os sentidos
E desfazer-se por completo

Viver na Terra com a cabeça no céu
Elevar-se quando preciso
É estar no céu inerte
Mas atento aos caminhos terrestres

As pegadas são deixadas
Os caminhos da vida marcados
Porém elas são apagadas
Seja por virtudes ou por pecados

O tempo há de a tudo corrigir
O Sol irá se pôr e a Lua surgir
É assim desde o início, homem
Acalma-te as respostas irão fluir

sexta-feira, 19 de julho de 2019

ATO I - Larghetto




Um velho moribundo
Num quarto simples
Isolado do mundo
Pobre ao lamento
Paredes cinzentas-amareladas:
Dado a ação do tempo
Mais as velas iluminadas

Ao lado do inquieto homem
Uma escrivaninha rústica
Sobre ela, A divina comédia
Um copo d’água e um terço

O sofrimento, a dor
Desconforto, pavor
Porém lúcido, pobre velho
À espera da barca
Anseia sua chegada
Sua partida
Sua vida ir embora
Mundo afora
Uma viagem prometida
Ao eterno, ao nada…

Ao longe rasgando o ar
Nuvens se abrindo
O clima a esfriar
Se configura um violino
Inconfundíveis cordas
Suavemente atiçadas por crinas
Doce som, do fino aço
À velha madeira ecoar
Tocando em larghetto
Em perfeita harmonia
Com as batidas do coração
do senhor acamado - já em atenção

Ritmo solene
Respeitando a ocasião
Não um qualquer, se aproxima
Alegremente se adentra
Não somente no rústico quarto
Mas na animosidade do idoso
Executando uma reconfortante obra
O diabo sorri e continua...

quinta-feira, 18 de julho de 2019

A música sem vida ou a vida sem música?

Sabe aquela música que você ouve desde criança?
Que, já nas primeiras melodias, te remete a tão maravilhosas sensações; lembranças ou sonhos em lugares esplêndidos; pessoas maravilhosas momentos fascinantes, sabe?
Pois é! Hoje esta mesma música já não faz mais sentido. Não traz mais essas memórias, ou esses acalentadores pensamentos.
Note, no dia em que a música que lhe apraz não mais fizer sentido;
não lhe inspirar e, pior, angústia trouxer...
Saiba que é o anúncio do perigo.
Talvez a chegada da hora. 
Pois, tem música que serve como termômetro em nossas vidas:
Medem o nosso humor, as nossas emoções e até pretensões.
Percebemos que algo de bom se foi em nossa vida, quando essa música tocada não nos toca mais.
Ela soa como um disparo e nos acerta como um tiro letal.
Não sei o que é pior: se é perder um amigo ou o tesão pela música favorita; se é desgostar de um grande amor ou se o amor pela grande música da tua vida, vem a perecer...
Tudo pode vir a acontecer, tudo se é contornável.
Contudo, não o dissabor pela música tema da vida; a melodia principal, a trilha sonora que vibra no íntimo da alma.
Antes surdo do que em perfeita audição; antes moribundo a ter que, a música da tua vida ouvir e, por ela, nada sentir.
E o medo de ouvi-la novamente e estar ciente de que nada de bom se lembrará e que nada de prazeroso sentirá.
Somente dor e desespero 
Isso é triste e devastador...
Portanto evitá-la é o melhor dos prazeres.
Um prazer horrível, eu sei, porque a consciência de que o pior está por vir é iminente.
Quando a música não faz mais sentido, é porque a vida já não tem mais valor.
Pobre daquele, que não tem olhos para admirar, boca para cantar e ouvidos para sonhar. 
O que só se ouve, no entanto, são explosões.
Todas geradas por um interno conflito.
Uma guerra travada por dois exércitos,
sob o comando de um só general.
Em ritmo marcado, em meio aos gritos desesperados, eis o fim da batalha.
Bem como também o da bela música.
Então, nada mais resta:
é a hora do eterno silêncio chegar e desta vida partir.



quinta-feira, 20 de junho de 2019

Corpus Christi

Boa intenção, caridade
Respeito, gesto fraterno
Alegria e amabilidade
Isso tudo há no inferno
Pensamos no mal e no bem
Esquecemo-nos do primeiro
De atitudes que vão além
Se o bem mudasse algo
Do Senhor viveríamos ao lado
Porém nem fingindo inocência
Dor, ou qualquer amor
Não conseguimos enganar:
Primeiro, a nós mesmos
Segundo, ao Criador
Terceiro, por fim, o destruidor
Não se engana a Deus, nem ao diabo!
Ser humano imundo, coitado
Verme consumidor
Onde pisa corrói, distorce
Juntos, sociedade
Unidos, atrocidades
Mentiras viram verdades
As verdades, de fato,
são escondidas em atos
Ato falho
E o desejo inato
De corromper-se
Deixar-se levar facilmente
Lutando uns contra os outros
Contra vizinhos, parentes
Por terra, lama, lixo
Grama, grana, luxo
Ser humano…
Verme, praga, câncer…
Doença maligna
Imune a cura
É falha qualquer tentativa
Solução falida
Nem com intervenção divina
Porque o inferno é aqui
Deus não entra
E nem sai qualquer humano
Mesmo quando Ele tenta
Nós, vis, O expulsamos
E ainda vibramos!
Iludidos, fodidos
Nem com muita reza
Ladainhas, procissões
Velas, tambores
Muro das lamentações
Nem o nosso fim é a solução
Ainda achamo-nos caridosos
Amorosos, unidos
Não passamos de invejosos
Raça genocida, povo suicida
Somos tão ruins
Fadados à eternidade
Nem extinção teremos
A falsidade como excelência
É o ódio que nós temos
da nossa própria existência

ATUALIZAÇÃO BETA v.5.7.0: AGORA MEUS ELETRODOMÉSTICOS SÃO PÓS-ESTRUTURALISTAS

Dizem, os pós-estruturalistas , que a linguagem constrói a realidade. Isso é ótimo, exceto nos dias em que eu preferiria que minha realidade...