domingo, 16 de outubro de 2022

Vencer um debate - Há limites neste jogo?



Minha visão pessimista sobre certas coisas da vida me ensina que, por exemplo, em um debate, dois expositores tendem a NÃO buscar a verdade absoluta objetiva, mas sim, simplesmente, vencê-lo - de qualquer forma. Ingênuo é aquele que acredita que ambos os expositores, que estão disputando um cargo de autoridade máxima, venham com argumentos justos e sinceros um para com outro e, além disso, para com todos os presentes/ espectadores/ platéia etc... 


Hoje tem debate político na televisão. É um momento histórico e delicado para o nosso país. Há dois dos mais populares e idolatrados políticos do Brasil. Teremos um debate épico - comparando ao futebol: um clássico! Dois políticos natos; dois oradores - a sui generis - muito retóricos e, consequentemente, muito convincentes. Cada qual convenceu suas bases, que são suficientes para levá-los aos mais altos cargos públicos que esse país oferece: tanto de um lado, quanto de outro - antagônicos entre si - têm votos suficientes para tal.


Pessoalmente, como sou um ser pensante, capaz de julgar e dotado de princípios, obviamente já possuo o meu candidato para esta eleição e, retornando ao primeiro parágrafo, não sou ingênuo. Entendo que o candidato que irei votar, também não é o indivíduo a ser exemplo de um orador em busca da verdade absoluta, por mais carismático e entendedor de política que ele seja; sei, também, que ele precisa conquistar votos, deseja estar no poder e se candidata por causa disso. Com isso, sei que ele usará de mecanismos de convencimento apenas - ignorando a verdade em sua objetividade. Portanto, vejo que, o que este candidato propõe a mim está dentro da esfera dos debates políticos, das retóricas com a finalidade de conquistar eleitores - apenas - de certa forma aceitável, respeitando os parâmetros democráticos e de direito.


Em contrapartida, o lado antagônico dessa situação toda - sob o meu ponto de vista - é alguém que fere a todo o ordenamento civilizatório e tudo o que é de democrático e legal em um diálogo - ainda que se tenha como intuito apenas vencê-lo a qualquer custo*. Além deste candidato, hoje, temos alguns oradores, sejam políticos, sejam veículos de comunicação e até mesmo cientistas, que estão passando dos limites legais e democráticos no quesito informar a população ou trazer-nos a verdade. Isso exige mais de nós, receptores, espectadores de tais debates e demais discursos de cunho político entre outros assuntos.


* Para se ter uma ideia de sobre “vencer a qualquer custo” versus “ser ético”, peguemos, analogamente, uma guerra entre nações: ainda que, em uma situação grave como esta, em que países jogam bombas entre si e atiram uns nos outros, há nisto um comportamento ético a se seguir. Embora países queiram se aniquilar, tomar territórios alheios, eles usam seus ataques de forma a atingir o mínimo possível de indivíduos militares - embora civis também sofram muito com ataques, mas não é intencional, nem declarado atacar civis diretamente. Até hoje, em guerras desse porte avassalador, busca-se o mínimo de ética. Por exemplo, não se atira em inimigos que estejam desarmados; não se maltrata reféns; não se atira em paraquedistas de uma aeronave em perigo durante a sua descida - dizem os Regulamentos da Haia e diversos tratados iguais sobre os direitos humanos - entre outros casos curiosos.


No entanto, o que se vê nos debates, nas propagandas políticas e nas campanhas são sempre casos onde a verdade, ou sua verossimilhança, é abolida. São situações verbalizadas que têm peso mais letal que em guerras com armas mortais. Há o descaramento em nem se tentar amenizar alguns fatos, ou trazer algo plausível: a mentira é esfregada tantas vezes em nossas fuças, que elas acabam se tornando verdade. Parafraseando Hannah Arendt: eis que temos a “banalidade da mentira”. Banalizaram tanto a mentira, que chegaram ao nível de crimes; leva-se afinco não só o desejo de poder, como também de destruir: destruir nossas vidas, a democracia, o equilíbrio entre Poderes e também a Ciência, a História e a Filosofia. E, com a mentira em voga, trocando os reais valores, acata-se/endossa-se um crime em detrimento de princípios básicos - como o dos Direitos Humanos; além do fato de dar apoio a um crime apenas por se achar que está com “razão”.


Ademais, amenizando a situação agora, questões como estas, falsas, mentirosas, falaciosas e etc, e o que se chama hoje de “fake news” é, há muito, estudada por notórios pensadores da história da humanidade. E, um dos últimos clássicos, um notório dos últimos séculos a fazê-lo, foi Arthur Schopenhauer. Com base em algumas obras de Aristóteles sobre lógica, dialética, retórica, o alemão, do século 19, apresentou-nos “A arte de ter razão", obra póstuma que possui outros títulos - e que me levou a começar este texto.


Não muito diferente dos antigos, nossos diálogos entram no modo “vale-tudo” desde temas políticos, sobre o porquê do enriquecimento de urânio até se "foi penalti ou não?" no jogo de futebol. É natural... Porém, até que ponto devemos ir para se consagrar em um diálogo, ou convencer/ converter um público?


Por fim, deixando de lado o campo da oratória, dos expositores, incrivelmente, hoje, ano de 2.022, os ouvintes, espectadores, ainda caem nos argumentos mais fracos e desprezíveis da história da humanidade; outros, sim, possuem uma eloquência admirável, devido a sua perspicácia e alto grau de conhecimento - esteja no caminho mais coerente à verdade ou não. No entanto, a maioria ainda continua com argumentos frágeis e propostas tolas, ou agem de má-fé - e não me limito somente a um argumento de um expoente para com outro não - também é notório um debate inteiro nesse sentido entre dois ou mais participantes: sujo, pobre e, quiçá, criminoso.


Atentemos-nos!


Trago aqui, de Arthur Schopenhauer, algumas das 38 estratégias sobre como sair vencendo, de qualquer jeito, um debate - seja ele qual for, ou sobre o que for:


Estratégias - Mude de assunto quando estiver a ponto de perder o debate; provoque o oponente; exponha um sentido ruim na proposta alheia


A: Uma matéria aponta, com base em investigações nas suas declarações, que dos mais de cem imóveis negociados pelo senhor, 51 foram pagos com dinheiro vivo. Além do mais, é importante enfatizar que isso acontece no contexto de uma investigação da prática de contratos ilegais durante o seu cargo público como Deputado. Sem contar a mansão de R$ 6 milhões, que o senhor comprou recentemente. Então, caro candidato, é importante refazer a pergunta: Qual a origem desses recursos?

B: Querida repórter, você é casada com uma pessoa que, declaradamente, vota em mim. Que me apoia. Eu não sei como é o teu convívio com ele, em vossa casa, mas eu não tenho nada a ver com isso. Além do mais, a tua acusação é leviana.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Palumba

Em seu jeito standards de se expressar
Variando entre subtone e convencional
Ora um baixinho soar, ora um alto pesar
Numa fria noite um sax falava comigo

O tempo parou devido ao seu monólogo
Parecia ela o único ente a respirar
Suas doces palavras, como que melodias
Faziam-se compreendidas antes de terminar

Sua tenra expressão, seu olhar hipnótico
Seu jogo de sedução sempre me derrotava
Acabei sendo seu interlocutor mais ilógico
Da proza deliciosa que nunca terminava

Uma corrente entre nós me prendia
Instrumento que eu não lograva soltar
Queria meu lábio tocar sua boquilha
e no mesmo tom e língua com ela falar

 

sábado, 24 de abril de 2021

QUE CAPITÃO?

Baseado em uma história real, o filme franco-germânico-polonês, “O Capitão”, levanta algumas discussões acerca de um dos períodos mais horrendos da história e questiona, também, os limites da crueldade humana.

Além do mais, este impactante filme retrata Abril de 1945, duas semanas antes de terminar a Segunda Guerra Mundial e, através desse pano de fundo, ocorrem os fatos do “Capitão” Willi Herold - interpretado pelo ator Max Hubacher - que relatarei adiante. 

Sob direção de Robert Schwentke, o filme apresenta o drama de um soldado de baixa patente (Willi Herold), que está desertando da linha de frente do exército alemão, assustado com o terror da guerra e com a iminente derrota da Alemanha. Aliado à possibilidade de ser capturado pela frente inimiga (os aliados) ou ter de responder com a vida pelo crime de deserção - afinal, deserção é um dos piores “crimes” que se pode acontecer em uma guerra - Herold foge desesperadamente, assustado até com sua própria sombra, desconfiando até das folhas que se desprendem dos galhos das árvores. Enfim, um soldado deveras amedrontado.

Por conseguinte, durante sua fuga, Herold encontra um carro militar abandonado com o uniforme de um capitão dentro dele. O jovem o veste, confiante que na condição de oficial poderá escapar da corte marcial nazista. No entanto, ao vestí-la, Herold, um mero soldado e desertor, sente o peso da farda que é, nada menos, que a de um capitão da SS.  E… Com o peso, o poder. E a partir daí, o filme se desenrola, assustadoramente. 

Agora, em relação a esta resenha, venho expor aqui visões que tive do filme; muitas perguntas, muitas questões, que surgiram posteriormente. Porquanto, estamos lidando com uma obra que nos posiciona bem no centro de uma encruzilhada. Portanto, haverá muitas interrogações ao longo do texto, bem mais que asserções.

Primeiramente, sobre toda essa trama do soldado desertor que se “transforma” em um capitão, fica, de cara, uma impressão: quando não se sabe mais onde termina a verdade e começa a mentira. É extremamente sabido que o jovem Herold é um soldado e que ao vestir uma outra farda, ele já sabe que está mentindo, a julgar, em primeiro lugar, para si mesmo. E como lidar com isso dali em diante? Mentira aatrás de mentira para todo o sempre.

Outra coisa... Em uma guerra mundial, ao se estar de um lado, necessariamente, é inimigo do outro. Dessa maneira, a vida de Herold corre, vamos dizer, 50% de risco. Agora, ao trair seu próprio grupo, desertando-o, sua vida agora corre 99% de risco - os 1% restante se dá, agora, por conta de sua astúcia. Então, para mantê-la, em que circunstâncias Herold faz valer sua vida entre os dois inimigos? Até onde iria para manter-se salvo? Ordenarias ou se responsabilizaria pela morte de dezenas, ou até de uma pessoa que seja? Matarias uma pessoa inocente em troca da própria vida? E tudo isso sabendo que está errado como desertor e que poderia ter evitado desgraça maior lutando por seu país em guerra?

Contudo, como capitão, para provar sua lealdade - para não ficar suspeito - Herold, seria capaz de qualquer coisa em prol de sua vida, de sua liberdade, mas… Qual vida? Que liberdade? Não seria melhor a morte a ter de viver dessa forma: fugindo, fingindo, mentindo e matando, vendo morrer inocentes? Desertores na verdade são mesmo pobres covardes ou a pior espécie de cães numa guerra?

No caso do Willi Herold, em meio a um Estado concebido para dizimar povos, nações e, após ter tido ciência de tudo que aquela “máquina” fez com os judeus, ciganos, africanos, orientais..., é compreensível sua debandada. E não há nenhuma vergonha em seu abandono. Tanto é que houve muitos relatos de deserções. Alemães que largaram o Estado nazista e partiram em fuga para outros países do Ocidente, por exemplo, e lutaram contra o próprio nazismo. 

Porém, isso é só uma hipótese. Porque Herold não me parecia fugir com medo do avanço dos aliados, ou do terror que é uma guerra. O filme não deixa claro o porquê de o Herold estar fugindo. Então, parece que não é relevante. Contudo, deixo essa reflexão.

Vamos, na sequência, entrar nas questões pós-farda, do que vive o soldado desertor, Willi Herold. Uma coisa que o agora capitão vai precisar usar e muito é o fator "você sabe com quem está falando?” Porque, não adianta ser um capitão nazista, mas fraco; sem postura e compostura.

Baseado nisso, podemos pensar metaforicamente para facilitar a questão. Herold, enquanto soldado, é um cão domesticado; quando “capitão”, se torna um lobo feroz. Até aí, tudo bem. Herold esbarra-se com um soldado, no caminho, durante sua fuga menos desesperadora. Não parte de Herold a atitude imponente, altiva ou pedante, mas o respeito, quase que de louvor, obediência e a lealdade vêm do soldado que, perdido, topa com Herold - já com farda de capitão. 

Os dois avançam. O soldado, todo servil, mais aliviado - talvez - por ter encontrado, não os aliados, mas um dos seus, parte com o capitão dentro do carro para longe das linhas inimigas. Eis que aí começa o caos. Os demais militares, oficiais, que para Herold eram como lobos, agora se tornam cães amedrontados. 

Todavia, isso pode ser narrado não às vistas do impostor e, lobo feroz, Willi Herold, mas sim dos meros “cãezinhos”: todo aquele ambiente, aquela guerra, com um novo oficial nazista vista aos olhos, agora, dos próprios oficiais ou demais militares nazistas que surgem. Herold se agiganta ante a tanto oficial nazista. Um novo ovo da serpente no ninho prestes a tomar vida. Seja o soldado mais vil da SS, seja o oficial classe A do exército alemão, Herold não toma conhecimento e incorpora realmente um novo oficial nazista.

A farda e a postura do novo capitão Wlli Herold lhe caem tão bem que parece, realmente, ele ter realmente vocação para ser capitão; para liderar, comandar e dar as mais terríveis ordens, impressionando qualquer experiente militar nazista de qualquer hierarquia - ainda que herold, na verdade, seja um soldado desertor. 


Agora vamos ver alguns fatos, uma vez que o filme é sobre a 2a guerra, sobre nazistas: o ano é de 1945. A Alemanha levava “pau”, "a casa estava caindo". O 3⁰ Reich, estava se transformando no "zero Reich". Muitos desertaram, foram executados, outros se suicidaram... Enfim, todo o exército alemão perdendo territórios e a guerra. Além de Hitler perdendo o senso genocida e adquirindo uma tendência suicida. Já se dava, praticamente, consumada a vitória pelos aliados. A alemanha nazista, o exército do führer era um verdadeiro caos sem liderança. 

Assim sendo, o filme “O capitão", porém sob o contexto dito no parágrafo acima: em meio a uma Alemanha confusa, deteriorada, quase entregue a quem pode-se chamar de desertor? Quem é que é militar oficial? Quem é justo ou inocente? Ou, quem é aquele que diz mentiras para salvar vidas ou para matar? Em quem confiar? Afinal, quem é, de fato, um superior, um soldado alemão ou um cidadão com desejos sórdidos nessa história toda ou até mesmo? Algum aliado poderia estar como espião em meio aos nazistas também, por que não? E mais uma coisa importante em meio a tudo: se eu falei "A" tenho de mantê-lo até o fim, por mais que minha vida esteja sob forte ameaça e haja uma desconfiança absurda pelos demais; por mais bizarro que seja o que eu tenha inventado para defender minha posição de oficial (ou qualquer outro posto). Porque, veja bem - em tese - na dúvida é melhor acatar: vai que surge um capitão mesmo, que nesse caso possa ter recuado da linha de frente, fugindo dos inimigos e que veio a se perder, ou que sofreu emboscada, ou escapou de uma prisão inimiga e que, no caminho, outro oficial ou soldado lhe ajudou e etc... Daí algum de patente inferior irá descumprir suas ordens? Na dúvida, é melhor crer na posição, seja de quem for. Se o desertor com vantagem da farda de um oficial falar que a “terra é plana”, quem irá duvidar? Somente outro oficial, porém, mesmo assim, com "pé atrás" - ou esse outro oficial também está sob as mesmas condições do desertor impostor e tirará proveito concordando com tudo. 

Desse modo, o desertor, no contexto de 1945, tinha essa vantagem. Por isso acredito o mesmo ter acontecido com outros homens que vão surgindo no filme: será que o oficial que aborda outro suspeito, o é também de fato oficial? E os soldados? Não seriam saqueadores civis, porém de farda, para cometerem crimes? Ou seriam fujões que tiveram o revés em dar de cara com um homem usando uma farda de um oficial? 

Com isso, esse efeito desencadeou (me pareceu) uma mentira que se sobrepôs a outra - uma vez que havia, no mínimo, mais de 2 personagens desertores ou outros militares de verdade com problemas burocráticos muito sérios tendo que manter suas palavras e posições deveras firmes, sem gerar qualquer deslize podendo custar sua vida.

Eu pude ver o filme normalmente achando que todos eram desertores - salvo alguns - fingindo, aparentando, estarem a serviço do führer, “até o fim”, porém não queriam assumir suas mentiras, mantendo-se assim altivos e fiéis, por motivos óbvios.

Ademais, o filme há predominantemente discursos autoritários ainda que pedantes, porém carregadíssimos do éthos, exageradamente autocontrolados. Discursos autoconfiantes, quase que narcisistas; talvez por medo da morte iminente, uma vez como perseguidos do estado, ou o que sobrou dele, apostaram em si próprios e em suas posições sociais - mesmo que falsas - posteriormente, diante de ordens de matanças, chacinas horrendas, a autoconfiança ganha volume.

Ainda assim, há que se observar também o pathos que, nos piores momentos citados - e passados no filme - reside em cada um e transpassa delicadamente em cada rosto, em cada olhar. Não obstante, esse discurso sentimental, passional, carregado de paixão qualquer ou de apelo emocional não cabem numa situação como a de um filme com esse porte e, muito menos, numa guerra daquela proporção.

Enfim, filme recomendadíssimo! Bem tenso, excelente filmagem, música, cenários, diálogos, atores e toda parte técnica (que não sou expert rs) que, realmente, ambientaram bem a produção. Muita reflexão ainda cabe hoje, dezenas de anos depois desse período horroroso da história e que sirva de lição para as próximas gerações. Que se possa refletir cada vez mais sobre a segunda guerra mundial e todo efeito nefasto que ela causou.


domingo, 13 de dezembro de 2020

O alimento invisível no banquete da felicidade


O africano Santo Agostinho de Hipona (354 - 430), bispo, filósofo, no dia 13 de Novembro do ano de 386 - dia de seu aniversário -, cisma de fazer uma espécie de banquete, na verdade um simpósio. Ele insiste que as pessoas devem, não só alimentar o corpo, como também a alma. Dessa forma, ele oferece comida aos seus convidados e também Filosofia. Seus convidados são, além de sua mãe - Santa Mônica -, o seu irmão, filho e primos.

No decorrer das degustações, em dado momento, Santo Agostinho pergunta algo como “todos queremos ser felizes?”. Pergunta óbvia. Isso parece até imanente a qualquer ser vivente. Visto que quem já é feliz busca sempre um pouquinho mais; os infelizes, sabendo que são assim, buscam de alguma forma sair dessa situação. 

Outra pergunta sucede, então, daí: será feliz quem tem o que quer? Eis uma pergunta quase que axiomática, porém, há um fio muito racional que pode passar por este poro como resposta, que é: depende muito do que a pessoa deseja. Há um juízo de valor nesse caso, vejamos.

Uma pessoa pode querer portar armas de fogo e, nesse caso, as possui e as usufrui. Contudo, onde que um indivíduo irá ter pleno prazer, felicidade, em um objeto que foi feito para ameaçar a vida alheia e em último caso - invevitável - matar? Inclusive podendo extinguir a vida de seus queridos. Há quem conteste. Há quem diga que quem mata é o ser humano e não a arma. Tudo bem. Realmente, se deixar, o camarada ruim que é, vai matar outro com seus próprios dedos, ok. Agora, podendo facilitar o processo… Servir-se de mecanismos, ter outros meios para isso, então, fica, não só mais atrativo, como intuitivo. A arma  - metaforicamente - parece, nestes casos, aquela que usa àquele que tem seu porte.

Vamos a outro exemplo: é feliz aquele que quer cocaína, heroína ou “crack” e as têm? Sim, também, mas… Drogas quando consumidas de forma descontroladas, matam - e quando se consome de uma forma salutar drogas desses tipo? O usuário tem plena ciência desses casos. A overdose é comum. Além disso, o problema em questão: a droga pode possuir o próprio usuário; uma guerra entre a droga e o drogado; um querendo tomar a posição do outro é travada. Isso não pode ser o fim último da felicidade. Muito menos qualquer outro objeto físico, ou o corpo humano, ou qualquer bem material. Sendo assim, isso tudo não pode ser uma busca desenfreada de alguém, com intuito de ser feliz, porque estes bens perecem. 

Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, disse em meio ao diálogo: se queres bens e os têm, és feliz; se, por outro lado, queres coisas más, ainda que as tenha, és infeliz. Então o que deve desejar aquele que busca a felicidade e o que se deve desejar? Primeiramente é sabido que ninguém pode ser feliz quando não se tem o que deseja, mas o indivíduo que tem tudo o que quer, também não pode ser feliz. Logo, este é infeliz. 

Oras, desse jeito, qualquer pessoa sensata irá questionar dessa forma ao Santo Agostinho, ou sua mãe, por exemplo: eu quis ter filhos e os tenho. Amo meus filhos. Desse modo, sou infeliz? (Permitam-me responder pelos Santos [rs]). Sim. Porque há aí uma questão, acima citada, sobre se desejar algo perecível, não ser dependente das incertezas, nem estar sujeito às circunstâncias. Ademais há a questão (muito diferente dos casos da droga e das armas, como foi exemplificada, por favor!), que preocupa, é quando se é possuído pelo que possuís. Tudo isso culmina no terrível medo da perda dessa posse. 

Por exemplo, se o motivo da tua existência são os sete dígitos que possuis na conta bancária... Hum, problemas! Porque, quando esta riqueza toda começar uma gradual contagem regressiva, você irá perecer na mesma medida. Além do mais, mesmo que ela, pelo contrário, aumente, você sempre temerá qualquer prejuízo. O medo sempre estará presente. Por mínimo que possa ser o prejuízo. Há aí uma extrema necessidade em se manter o nível; uma busca desmedida por manter ou aumentar os lucros. Nesse caso, quem possui a quem mesmo? Pois quem teme uma perda, não é feliz. Portanto - voltando à questão dos filhos, no caso -, quem muito ama seus filhos, ou suas mulheres, maridos, parceiros, enfim, o teme por sua perda e, isso acontecendo, (é natural que sim, as pessoas morrem) aquele que for muito apegado, "morrerá” junto de certa forma. Tudo bem que alguns de nós superamos nossas perdas, mas algumas pessoas não. Ou seja, não há felicidade na perda de um amigo, de um parente, de um filho - o que é óbvio.

Entretanto, atentem-se ao problema de interpretação aqui que pode ser sobre o fato de não poder amar. Não seria o caso. O problema se dá quando o amor tem menos valor para uma espécie de posse e, pior, necessariamente, quando não acompanha consigo a felicidade. Seguindo o raciocínio lógico do diálogo, posse material qualquer não causa felicidade; é infeliz aquele que possui o que é mortal, perecível, caduco, que pode não estar mais presente quando se quiser tê-lo. Portanto, a felicidade reside no que é imaterial. O ser humano é, conforme o modo que se deseja. Todo cuidado é pouco porque as pessoas são possuídas por suas posses geralmente materiais e, quando não, por algo carente de felicidade. E mais: como garantir a felicidade diante dessas posses e, também, saber que elas não trazem consigo o medo de suas perdas?

Logo, o que se pode concluir dessa interpretação é que a vida de uma pessoa não pode ser cadenciada pelos seus desejos; o sentido da felicidade tem que tocar a pessoa que se ama, mas não pode ser por completo à pessoa que se ama. Isso não significa que não se pode ser feliz com as pessoas queridas, mas significa que não se pode encontrar a felicidade tão somente por causa destas pessoas.

Pois é, Santo Agostinho, além de santo era um exímio psicanalista. Eu que sou ateu, até passarei a rezar para esse cara - risos. Que incrível linha de pensamento a dele! Olha que isso foi um recorte pequeno de sua obra¹. 

Além do mais, por falar em rezar, perguntinha básica: qual a solução para estas questões postas por Stº Agostinho e Sua mãe? Geralmente a Filosofia só piora as coisas quando se trata de "solucionar"; respostas aporéticas são as mais comuns e as quais busca-se como finalidade a Filosofia. Porém, nesse caso, Santo Agostinho e seus amigos e familiares no diálogo, foram precisos. Sim, há solução. Um nome pequeno. Pequeno, porém, incomensurável; permanente, imutável; invisível - porque é imaterial; é o todo; tudo é: Deus. 

Enfim, Deus é amor que se pode amar. Não há medo nenhum em se amá-Lo plenamente; se entregar a Ele, nele confiar. Deus não é perecível e Sua eterna posse trará somente felicidade e nunca a tristeza, dado que não se pode temer a morte ou o Seu perecimento. Pode-se abraçar sem medo a essa causa porque ao possuir Deus, desejá-lo demasiadamente, assim Ele o possuirá de volta. Não será como a questão exposta sobre o dinheiro, as armas ou as drogas… Não! Será o amor permanente, imutável, incomensurável do Eterno.


¹ Referência bibliográfica:

AGOSTINHO, Santo. O Diálogo sobre a Felicidade (De beata uita). EDIÇÕES 70, Lda. 2014.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

O Rio de Janeiro continua...


Outro dia achei aqui em casa uma carta dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), datada de 2017, relatando um problema gravíssimo na região do “Triângulo Norte da América Central”, que é composto por El Salvador, Honduras e Guatemala. Na carta a ONG relatava que oferecia cuidados médicos e de saúde mental a dezenas de milhares de migrantes e refugiados daquela região. A coisa era tão grave nesses lugares que as pessoas estavam emigrando para o México e até Estados Unidos, devido a violência extrema a qual estavam submetidas. Ainda hoje essas regiões são as mais violentas do mundo, redutos das mais pavorosa gangue: “Mara Salvatrucha” ou “MS-13”. 

Com isso remeti-me à situação no Rio de Janeiro e pensei: por que as violências ou as condições, às vezes, desumanas nas favelas - algumas quais até conheço -, não compelem as pessoas para fora desses lugares? Por que não se vê um êxodo nesses lugares violentíssimos - diga-se de passagem - aqui no Rio? Ou uma revolta, sei lá... No entanto, fui um pouco além, e refleti sobre os que aqui brotam das migrações de suas terras natais: os nordestinos. Esses que vêm migrando para o RJ em detrimento das péssimas condições de vida lá - caso meio que paralelo e, para ser mais exato, contrário, do real motivo migratório traçado pelos irmãos da América Central. 

Primeiramente, se há migração, é porque, geralmente, a coisa está feia no local de origem. Isso temos que concordar. Por isso a comparação com os irmãos do Norte/Nordeste e de qualquer outro ponto cardeal dentro do nosso território. Segundo, a resposta que se tem, sobre um hipotético refúgio das favelas, uma vez que os nordestinos já estão instalados no RJ, é fazer outra pergunta em cima: sair da favela e ir para onde? É bem verdade e, de mais a mais, essa questão não serve somente para o nordestino, e sim para qualquer morador de favela, inclusive os cariocas, obviamente. 

Gostaria de esclarecer, também, que isso não se trata de xenofobia, isto é, palavras de ordens facínora como “volte para sua terra”, “aqui não é lugar para vocês” e etc, mas que é um questionamento sobre até onde vai um migrante em prol de melhores condições de vida, sendo que seu lugar de destino pode parecer mais hostil que o de origem. Se há preconceito de minha parte, é por conta das relações entre poder público e todas as pessoas que vivem no Rio de Janeiro, principalmente nas favelas. Porque, é dever do Estado prezar pelas vidas dos seus, enfim... Vou discorrer melhor sobre isso. 

Todavia, quero dar foco aos migrantes, repito, porque há todo um custo enorme, famílias que se desfazem, enfim, toda uma vida deixada “para trás” em busca de algo melhor para si. Só que, ao se depararem com a realidade, a pergunta que poderia ser feita é “isso daqui é melhor do que eu vivia antes?”

Sobre a resposta “sair da favela e ir para onde?” Antes de mais nada, também cabe aí uma réplica: por que saíram da terra natal e vieram parar numa favela, no RJ? Pois conforme dito acima, por mais que se tenha ciência das condições de onde vieram, e a questão não é só essa, mas, a qualidade de vida no lugar de origem. Na verdade pergunta-se: minha vida era pior que as das favelas que vou enfrentar atualmente? Ou melhor, quem vive hoje em alguma favela no Norte ou Nordeste, está pior do que alguém numa favela do Rio de Janeiro?

Antes de adiantar o assunto, primeiramente, vamos de um pouco de História: a da formação do povo brasileiro. Esse movimento que foi marcado a partir de fluxos migratórios, da busca contínua pela conquista, pela sobrevivência. Não à toa essa diversidade linda ao longo deste gigantesco país continental. Ademais, a fase inicial da industrialização brasileira, lá pelos anos 50, gerou um êxodo rural inegável. Teve-se também, acrescido a tudo mais, as inconstâncias das políticas, alternâncias de poder - afetando os ciclos econômicos - e carência de políticas públicas em detrimento das necessidades da população, etc. Daqui saem, vão-se para lá; deixa-se aquilo lá, vêm-se para cá… Essas migrações são compreensíveis então.  Parece que está no nosso DNA. Eis o múltiplo, diverso, aguerrido Brasil.

Segundo, as migrações ocorridas entre 1950 - 1980 (até hoje, diga-se de passagem) no Brasil, deixaram rastros: principalmente, a mais famosa, a mudança enorme do nordeste rumo ao sudeste. Um parêntese: com isso, vou tentar me ater somente ao Nordeste - RJ ao longo do texto, pois é de se saber que em algumas cidades do interior, principalmente, as oportunidades de emprego são escassas e há também um cenário de extrema pobreza, secas e dificuldades de sobrevivência - e creio não ter havido mudanças satisfatórias quanto a isso porque, hoje em dia, vê-se ainda migrações. Enfim, isso é o que mais se ouve em respeito ao êxodo a partir do Nordeste. 

Retornando à História, em síntese, com a indústria brasileira firmando seu desenvolvimento, por volta de 1950, a vinda de grande parte da população do espaço rural do Nordeste para os centros urbanos do Sudeste foi irrefreável e, como não havia espaço na capital do RJ para todos, muitos dos migrantes aportaram nas favelas, às margens da sociedade Fluminense e desde então é esse o processo.

Portanto, hoje, o que levaria algum indivíduo a deixar o Nordeste e tentar uma nova vida no Rio de Janeiro, sabendo que, a princípio, sua vida estará limitada à favela, a condições precárias, ao jugo de facções e a todo o tipo de violência? Eis uma questão difícil e que exigiria muito mais pesquisas e dados a respeito da atual implicação que leva a retirada do povo nordestino para o Sudeste. Ou talvez é o encanto que a cidade carioca transpassa, das telas da TV, dos demais registros, e toca o coração dos irmãos nordestinos? 

Porém o que se tem, superficialmente e, dá para se ter uma ideia, é que há, precisamente, uma busca por melhores empregos e condições de trabalho. Ainda conforme conta a História. Isso é nítido e digno, por sinal. Mas não responde o porquê dessas famílias ou indivíduos viverem debaixo do mesmo teto com o incansável e extremo perigo. Real perigo. Seja do poder paralelo, que está instituído e segue julgando, punindo e executando, ou do poder do próprio Estado que comete diversos crimes contra moradores desses lugares as vezes sem nem sequer julgar.

Parece que, tirando a questão da violência das guerras do tráfico e do poder no RJ, no mais, são problemas recorrentes em todo canto do país. Há miséria, condições insalubres, carência de necessidades básicas sim, de Norte a Sul do país. Cada qual com suas peculiaridades: alguns com problemas de nutrição, outros casos preocupantes de higiene pessoal, ou violência doméstica, tão comuns quanto os de seus vizinhos de fronteira.

Agora, quando se trata do Rio de Janeiro, a coisa fica feia. Por exemplo, o Rio tem 3,7 milhões de pessoas vivendo em áreas dominadas pelo tráfico. Sim, pode ser inegável que a violência no Nordeste venha a ser assustadora, embora incomparável com o que acontece no município carioca. No Rio de Janeiro, parceiro, o “bagulho é doido”. É profissional! Quantas dessas 3 milhões e 700 mil pessoas não têm vindo de outros lugares buscando o melhor para se viver?

Dado que, a julgar as facções do Rio, elas usam armamentos de ponta, advindas de países com as maiores estruturas bélicas e especiais para guerras entre nações; as polícias que atuam no Estado, embora com armamento pesado e todo aparato do Estatal para si, não parecem ter preparo para lidarem com as facções, ou com qualquer crime que envolve quadrilhas. 

Tudo bem que a PMERJ consegue muitos feitos e isso é visto também, mas não dá cabo de muita coisa em respeito ao tráfico de drogas e armas dentro desse inferno chamado Rio de Janeiro. Devem muito. Entendo que, quanto à violência em si ou às pessoas apostando suas vidas no tráfico, se entregando às facções, são outros assuntos que exigem muitas discussões - ainda que pertinentes -, mas não abordarei aqui.

Em meio a essa chacina toda, a PMERJ também sofre: o índice de morte por parte de seus praças também é absurda e, muitas das vezes, por ações covardes produzidas pelos criminosos, digo, ações tomadas fora do confronto direto. 

Pois bem, o Rio é um lugar tão bom como destino de migrantes que, desde 1998, por exemplo, o aumento das mortes causadas pela polícia é enorme e, a cada período mais recente, esses novos números vêm superando todas as outras estatísticas. Vejam: em 1998: 158 vítimas fatais das ações policiais; 2008: 652 óbitos; 2019, foram 732 e, incrivelmente, 2020 com 741, apenas no 1º semestre. Vejam que são as mortes contabilizadas. Há aquelas que… 

Será que ninguém percebe que seu lugar de destino, para uma nova e melhor vida, acontece um genocídio? Será que ninguém vê, principalmente que isso atinge, majoritariamente, as favelas cariocas - destino de parte dos migrantes -, dizimando assim a vida de, 80% casos, pessoas pretas, pobres e que, muitas dessas pessoas são inocentes, trabalhadoras? Porque - uma ressalva - se forem os mortos, traficantes em pleno combate com o Estado, seria compreensível, mas não é o que se vê em muitos casos. E ainda assim, quando o Estado age justamente (tsc) acabam tirando vidas inocentes da mesma forma.

O Rio é tão bom para se tentar a vida, que além dos bandidos de chinelo e bermuda, há de se contar também com os de farda, ou terno: a milícia. Esta que vem conquistando seu espaço em todo Estado. Ela age tão criminosamente quanto as facções e que, loucamente, há grupos de algumas dessas facções que estão se aliando aos milicianos. Lembrando que a milícia já domina quase 60% do território da cidade do Rio e tem, sob si, vidas: extorquindo-as, tirando suas liberdades, perecendo-as. Vidas de milhões de habitantes em suas áreas dominadas. 

Enfim, o Rio de Janeiro é um destino tão atraente que muitas dessas "áreas da milícia" não estão em favelas não - quando digo “favela” o faço como conceito geográfico -, mas já estão controlando muitas outras áreas. 

Então, o que faz com que famílias deixem o Nordeste para se submeterem à violência extrema, tanto de facções rivais, quanto de polícia? Porque, se a resposta for simplória quanto a de melhores empregos e “condições de vida”, fica difícil entender. Se for por causa da violência em suas terras natais, também não explica coerentemente. Ou são respostas convincentes? No mínimo fica no "zero a zero". Ninguém tem razão e isso terá que ser desvelado.

Ademais, possivelmente, salvo os índices de violência dos lugares de onde vêm os migrantes, a pobreza lá é vizinha e a precariedade de serviços públicos é moradora distante. São essas as relações que mostram a tão famosa desigualdade social e, o que mais impressiona, é o aglomerado de gente em poucos metros quadrados em condições precárias. Todavia, veja bem, o Rio é um lugar tão maravilhoso para se buscar uma vida nova que o censo de 2010, do IBGE, apontou 763 favelas na cidade. Abrigando 22% da população carioca, 1.393.314 habitantes. Sem contar a região metropolitana, com 1.702.073, ou seja, 14,4% da população da região sob um chão insalubre, ensanguentado. Destino certo dos migrantes. Adianta sair de um lugar precário e partir para outro horrível?

Ainda no IBGE (2010): Rocinha e Rio das Pedras possuem 124 mil habitantes, somando as duas. Creio que as com o maior número de migrantes nordestinos - ou que nasceram aqui, de pais nordestinos, ou que vieram depois de a família ter se estabelecido. Outros números tristes dessa terrível desigualdade: 3% não são instruídos, 27% possuem somente o ensino médio e 1% completou a faculdade. Cadê o incentivo do governo, seja Municipal, Estadual, Federal? Cadê, também, esse povo todo que vota, mas não cobra dos seus Vereadores, Deputados e Senadores? Mas enfim, isso é outro caso.

O Rio de Janeiro, local escolhido pelas famílias migrantes, é tão bom de se viver que 37% dos moradores de favela já sofreram duras abordagens pela polícia e chega a 65% entre jovens de 18 a 29 anos; para 73% dos moradores, as favelas são violentas, 18% as consideram muito violentas. 

O Rio tem seus problemas, mas é um lugar maravilhoso para se arrumar um bom emprego, viver em paz e ganhar uma boa grana, tirando o fato ”da violência, do tráfico de droga, da polícia que entra para matar bandido e morador” - aspas para um morador entrevistado no artigo fonte. 

Contudo, o mais impressionante, e inexplicável, “94% das pessoas que moram nas comunidades são felizes, otimistas e existe envolvimento emocional. O levantamento aponta ainda que dois terços não sairiam do lugar onde vivem mesmo que sua renda dobrasse. Sair da favela não é o desejo de 66% dos entrevistados, e 94% se consideram felizes, um ponto percentual a menos do que a média nacional” - segundo o Data Favela¹. Mas isso eu já ouço desde minha infância. Sei de muita gente que não troca sua casinha no morro, sua vida na favela, do jeito que está, por nada. Sobre isso já comentei em outra postagem sobre as micro relações, de grupos menores que não seja, necessariamente, entre "patrícios vs plebeus". Sem contar que há até mesmo relações interpessoais entre por exemplo um morador que possui bens como imóveis ou rede de comércio dentro da favela e aquele que vive ali de aluguel. Pois o camarada "burguês", na real, nunca vai querer deixar seu império.

Um relato pessoal: eu moraria numa favela, tranquilamente. Algumas que conheço então... Sim, moraria. Agora, essa questão da violência, dos crimes, das centenas de mortes, abandono dos poderes públicos e a exacerbação do poder por parte do tráfico é tudo muito custoso, penoso. Então, o que atrairia, numa pessoa, a viver numa favela, sabendo que sua vida estará nas mãos de bandidos e que facilmente poderá ser uma vítima fatal dessa violência? Da mesma forma que a vizinhança ou o espírito dos demais moradores seja maravilhosa, que há um senso solidário, pacífico e amigável, há uma preocupação relevante, deveras crítica, com a vida das pessoas que moram em tais condições nesses lugares. Eu me encontro nesse paradoxo.

Eis a reflexão: o que as favelas Rio de Janeiro têm de tão atrativo assim? O que faz com que tantas pessoas cheguem a este lugar que oferece riscos à saúde e que, além do mais, não há sequer o básico? Me refiro agora a todos os moradores migrantes ou nativos etc. Vide esse período pandêmico: o conjunto de favelas do Rio de Janeiro - contando Baixada Fluminense e região Metropolitana - já contabilizaram, ao longo de todo período de pandemia, mais mortes que países como Uruguai, Japão e Portugal², quiçá. Como tentar abafar que não há problemas em favelas? Como não dizer que as condições de vida nesses lugares deixam a desejar em relação a outros bairros vizinhos?

Outra coisa é que, pode parecer preconceito contra moradores desses lugares e os próprios lugares, mas não é. Não há ódio, nem nojo, nem nenhum problema quanto a isso. Eu vivo próximo, eu conheço pessoas, eu entro e saio desses lugares. Já conheci favelas com níveis degradantes na condição básica para sobreviver. As palavras ferem, porque sabe-se que tem vidas, pessoas maravilhosas ali e que parece que essas pessoas querem ou gostam de viver assim. Sabe-se que não, mas não tem como falar de outra forma sobre o descaso sobre esses flagrantes. O que deixo aqui é apenas um olhar no indivíduo, na sua escolha, entre deixar um lugar e partir para outro distante em todos os sentidos. Ademais, assim como tem muita favela que é um lugar comum como outro qualquer, de moradia, de boa vizinhança, ela tem seus problemas e são realidades. Eu nunca critiquei, ou expus qualquer discurso contra favelas, porém, nunca as romantizei também.

Por fim, da mesma forma que os irmãos nossos da América Central decidiram deixar suas cidades por causa de uma violência generalizada, penso: por que é que o Rio ainda atrai migrantes da forma que as coisas estão? Fica aí algo que eu não consegui explicar. Talvez há quem consiga, ou quem já tenha resposta para isso há tempos. Infelizmente, com esse questionamento todo, tive de mostrar o lado que ninguém quer ver, que talvez fingem não existir, que é o descaso do Estado e, o que é pior, até quando este toma uma medida, uma atitude e que deveria ser pelo bem da população, ele comete outros crimes em cima do outros que já estão estruturados. O problema maior do Rio de Janeiro não são as pessoas, mas o poder público. E haja poder...


Fontes:

¹ http://olerj.camara.leg.br/retratos-da-intervencao/favelas-cariocas#.X9Me0644Dyo

² https://experience.arcgis.com/experience/8b055bf091b742bca021221e8ca73cd7/


segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Vou chamá-la de Yaripo



Penha Goes é uma índia Yanomami que fotografei na comunidade de Maturacá, no Amazonas.


Uma índia Yanomami; peito aberto, pés na terra úmida
ambiente aromático devido às plantas que a circundava e com ela caminhava uma jovem puma; 

A forte chuva que levantava o cheiro da Terra, 
os cantos dos pássaros e diversos animais com suas vozes, desde lentos insetos à felinos velozes; 

Toda a floresta amazônica abraçava a bela nativa, 
pele rubra, cabelos negros, em meio à grandeza titânica do verde amazônico, sem ela não haveria vida;

Caminhos, abertos; floresta densa, a mata é “fechada”,
mas de coração, o espírito da mata atlântica abre a trilha para a solitária índia e suas firmes passadas;

As folhas, algumas que chegavam ao dobro de seu tamanho,
à índia, saíam canções sobre seus antepassados, suas glórias, sua rica cultura e seus costumes sem nenhum acanho; 

Diferentes sons instrumentavam a ode da flora: as aves,
uma composição, timbres notáveis, transcorriam pela amazônia adentro; suas notas iam além das diferenças entre agudos e graves;

O Sol, ora surgia, ora se escondia na “densa fumaça”. 
Não, não são queimadas! Mas nuvens carregadas de chuvas e trovoadas; levando à nativa e à região vida a todas as raças.

De tempo em tempo a chuva desabava. Era um estrondo que assustava. 
Fortes gotas batiam nas folhas e na Terra. Quase que anunciando guerra.
A índia notou a aproximação da puma e se abrigaram sob lindas tucumas.
A terra começava a lamaçar; pensava a índia: nessa chuva vou me banhar.
Porém antes disso ela percebeu: o espaço de tempo que a chuva deu.

Portanto ela comentou com sua felina amiga:
Se imaginar uma linha de tempo nessa floresta, puma, irei entender o que diz essa chuva.
Com o canto dos pássaros e toda fauna em ato, isso me parece um lindo espetáculo.
Realmente, entendeu a índia, que a chuva marcava o tempo; que as folhas, o verde da mata, eram o coral, em sua língua nativa; cada pedra, cada grão, o ar, o vento;
Assim os animais complementavam orquestrando todo aquele momento mágico.

A nativa ouviu uma linda história sobre seu povo, sobre belos tempos idos, eras inimagináveis, cantadas pela natureza a ela ligada. A cada fim de história, uma queda d’água que vinha do céu; antes de se iniciar outra, o Sol surgia com potência e fazia estalar os galhos e troncos trocando bruscamente a temperatura alterando a umidade. A enxurrada novamente caía, de paixão o coração da índia se enchia. Se posto numa pauta musical, nada se compararia a qualquer composição orquestral. A música mais bela já exposta pela Terra, pelo céu. A nativa compreendeu, tirou dos olhos o pequeno véu. Seu dia-a-dia não lhe permitia tocar tamanha sabedoria. Bastou apenas umas horas sozinha para experimentar o que o mundo realmente tem a dar.

Era tudo muito bem arranjado. 
A índia dançava com sua amiga puma ao lado.
O que era apenas costumeira paisagem,
se tornou na mais incrível viagem.
A Terra fala, a natureza possui seu próprio idioma.
Somente entende aquele que cuida, que a ama.


***

Imagem:

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Filosofem



O coração ainda pulsa
Parece vivo estar
Na cabeça toda culpa
De esta vida deixar

Não é a dor que dói
Nem é a indigestão
É o que o ócio constrói
ao caminhar na contramão

Venha tempestade
Cubra toda a vista,
vossa majestade

Altivez sinistra
Dona da maldade
Vontade bem quista

Apolítica

Um ato de violência política não revela apenas um crime de uma ação isolada. Ele expõe a fragilidade de nossas crenças políticas. Depois dos...