Vencer um debate - Há limites neste jogo?
Minha visão pessimista sobre certas coisas da vida me ensina que, por exemplo, em um debate, dois expositores tendem a NÃO buscar a verdade absoluta objetiva, mas sim, simplesmente, vencê-lo - de qualquer forma. Ingênuo é aquele que acredita que ambos os expositores, que estão disputando um cargo de autoridade máxima, venham com argumentos justos e sinceros um para com outro e, além disso, para com todos os presentes/ espectadores/ platéia etc...
Hoje tem debate político na televisão. É um momento histórico e delicado para o nosso país. Há dois dos mais populares e idolatrados políticos do Brasil. Teremos um debate épico - comparando ao futebol: um clássico! Dois políticos natos; dois oradores - a sui generis - muito retóricos e, consequentemente, muito convincentes. Cada qual convenceu suas bases, que são suficientes para levá-los aos mais altos cargos públicos que esse país oferece: tanto de um lado, quanto de outro - antagônicos entre si - têm votos suficientes para tal.
Pessoalmente, como sou um ser pensante, capaz de julgar e dotado de princípios, obviamente já possuo o meu candidato para esta eleição e, retornando ao primeiro parágrafo, não sou ingênuo. Entendo que o candidato que irei votar, também não é o indivíduo a ser exemplo de um orador em busca da verdade absoluta, por mais carismático e entendedor de política que ele seja; sei, também, que ele precisa conquistar votos, deseja estar no poder e se candidata por causa disso. Com isso, sei que ele usará de mecanismos de convencimento apenas - ignorando a verdade em sua objetividade. Portanto, vejo que, o que este candidato propõe a mim está dentro da esfera dos debates políticos, das retóricas com a finalidade de conquistar eleitores - apenas - de certa forma aceitável, respeitando os parâmetros democráticos e de direito.
Em contrapartida, o lado antagônico dessa situação toda - sob o meu ponto de vista - é alguém que fere a todo o ordenamento civilizatório e tudo o que é de democrático e legal em um diálogo - ainda que se tenha como intuito apenas vencê-lo a qualquer custo*. Além deste candidato, hoje, temos alguns oradores, sejam políticos, sejam veículos de comunicação e até mesmo cientistas, que estão passando dos limites legais e democráticos no quesito informar a população ou trazer-nos a verdade. Isso exige mais de nós, receptores, espectadores de tais debates e demais discursos de cunho político entre outros assuntos.
* Para se ter uma ideia de sobre “vencer a qualquer custo” versus “ser ético”, peguemos, analogamente, uma guerra entre nações: ainda que, em uma situação grave como esta, em que países jogam bombas entre si e atiram uns nos outros, há nisto um comportamento ético a se seguir. Embora países queiram se aniquilar, tomar territórios alheios, eles usam seus ataques de forma a atingir o mínimo possível de indivíduos militares - embora civis também sofram muito com ataques, mas não é intencional, nem declarado atacar civis diretamente. Até hoje, em guerras desse porte avassalador, busca-se o mínimo de ética. Por exemplo, não se atira em inimigos que estejam desarmados; não se maltrata reféns; não se atira em paraquedistas de uma aeronave em perigo durante a sua descida - dizem os Regulamentos da Haia e diversos tratados iguais sobre os direitos humanos - entre outros casos curiosos.
No entanto, o que se vê nos debates, nas propagandas políticas e nas campanhas são sempre casos onde a verdade, ou sua verossimilhança, é abolida. São situações verbalizadas que têm peso mais letal que em guerras com armas mortais. Há o descaramento em nem se tentar amenizar alguns fatos, ou trazer algo plausível: a mentira é esfregada tantas vezes em nossas fuças, que elas acabam se tornando verdade. Parafraseando Hannah Arendt: eis que temos a “banalidade da mentira”. Banalizaram tanto a mentira, que chegaram ao nível de crimes; leva-se afinco não só o desejo de poder, como também de destruir: destruir nossas vidas, a democracia, o equilíbrio entre Poderes e também a Ciência, a História e a Filosofia. E, com a mentira em voga, trocando os reais valores, acata-se/endossa-se um crime em detrimento de princípios básicos - como o dos Direitos Humanos; além do fato de dar apoio a um crime apenas por se achar que está com “razão”.
Ademais, amenizando a situação agora, questões como estas, falsas, mentirosas, falaciosas e etc, e o que se chama hoje de “fake news” é, há muito, estudada por notórios pensadores da história da humanidade. E, um dos últimos clássicos, um notório dos últimos séculos a fazê-lo, foi Arthur Schopenhauer. Com base em algumas obras de Aristóteles sobre lógica, dialética, retórica, o alemão, do século 19, apresentou-nos “A arte de ter razão", obra póstuma que possui outros títulos - e que me levou a começar este texto.
Não muito diferente dos antigos, nossos diálogos entram no modo “vale-tudo” desde temas políticos, sobre o porquê do enriquecimento de urânio até se "foi penalti ou não?" no jogo de futebol. É natural... Porém, até que ponto devemos ir para se consagrar em um diálogo, ou convencer/ converter um público?
Por fim, deixando de lado o campo da oratória, dos expositores, incrivelmente, hoje, ano de 2.022, os ouvintes, espectadores, ainda caem nos argumentos mais fracos e desprezíveis da história da humanidade; outros, sim, possuem uma eloquência admirável, devido a sua perspicácia e alto grau de conhecimento - esteja no caminho mais coerente à verdade ou não. No entanto, a maioria ainda continua com argumentos frágeis e propostas tolas, ou agem de má-fé - e não me limito somente a um argumento de um expoente para com outro não - também é notório um debate inteiro nesse sentido entre dois ou mais participantes: sujo, pobre e, quiçá, criminoso.
Atentemos-nos!
Trago aqui, de Arthur Schopenhauer, algumas das 38 estratégias sobre como sair vencendo, de qualquer jeito, um debate - seja ele qual for, ou sobre o que for:
Estratégias - Mude de assunto quando estiver a ponto de perder o debate; provoque o oponente; exponha um sentido ruim na proposta alheia
A: Uma matéria aponta, com base em investigações nas suas declarações, que dos mais de cem imóveis negociados pelo senhor, 51 foram pagos com dinheiro vivo. Além do mais, é importante enfatizar que isso acontece no contexto de uma investigação da prática de contratos ilegais durante o seu cargo público como Deputado. Sem contar a mansão de R$ 6 milhões, que o senhor comprou recentemente. Então, caro candidato, é importante refazer a pergunta: Qual a origem desses recursos?
B: Querida repórter, você é casada com uma pessoa que, declaradamente, vota em mim. Que me apoia. Eu não sei como é o teu convívio com ele, em vossa casa, mas eu não tenho nada a ver com isso. Além do mais, a tua acusação é leviana.
A: O governo de oposição, líder nas pesquisas de intenções de votos, propõe criar um fundo nacional de saúde em amparo às famílias carentes que sofrem com esta epidemia. O que você acha desta proposta? O que o senhor propõe, na área da Saúde Pública? E de onde tiraria os recursos para conter estes avanços epidêmicos?
B: Você fala desse governo de oposição que defende ditadores assassinos? E outra coisa, de onde vem as pesquisas dizendo que eles estão na liderança das intenções de votos?
A: Diversos institutos de pesquisas apontam seus números, senhor candidato.
B: São todos comprados por esse partido que quer implementar o comunismo no país. Por isso temos acabar com eles…
O debate de hoje em dia só serve para um ofender o outro, nada de projetos, de programas, do que se vai fazer para favorecer o povo que elegem esses senhores!
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