QUE CAPITÃO?

Baseado em uma história real, o filme franco-germânico-polonês, “O Capitão”, levanta algumas discussões acerca de um dos períodos mais horrendos da história e questiona, também, os limites da crueldade humana.

Além do mais, este impactante filme retrata Abril de 1945, duas semanas antes de terminar a Segunda Guerra Mundial e, através desse pano de fundo, ocorrem os fatos do “Capitão” Willi Herold - interpretado pelo ator Max Hubacher - que relatarei adiante. 

Sob direção de Robert Schwentke, o filme apresenta o drama de um soldado de baixa patente (Willi Herold), que está desertando da linha de frente do exército alemão, assustado com o terror da guerra e com a iminente derrota da Alemanha. Aliado à possibilidade de ser capturado e responder com a vida pelo crime de deserção - afinal, deserção é um dos piores “crimes” que se pode acontecer em uma batalha, para um exército - Herold foge desesperadamente, assustado até com sua própria sombra, desconfiando até das folhas que se desprendem dos galhos das árvores. Enfim, um soldado deveras amedrontado. 

Por conseguinte, durante sua fuga, Herold encontra um carro militar abandonado com o uniforme de um capitão dentro dele. O jovem o veste, confiante que na condição de oficial poderá escapar da corte marcial nazista - morte certa. No entanto, ao vestí-la, Herold, um mero soldado e desertor, sente o peso da farda que é, nada menos, que a de um capitão.  E… Com o peso, o poder. E a partir daí, o filme se desenrola, assustadoramente. 

Agora, em relação a esta resenha, venho expor aqui visões que tive do filme; muitas perguntas, muitas questões, que surgiram posteriormente.  Pois, esta é uma obra que nos posiciona bem no centro de uma encruzilhada. Portanto, haverá muitas interrogações ao longo do texto, bem mais que asserções.

Primeiramente, sobre toda essa trama do soldado desertor que se “transforma” em um capitão, fica, de cara, uma impressão: quando não se sabe mais onde termina a verdade e começa a mentira, e vice-versa! - diga-se de passagem. É extremamente sabido, que o jovem Herold é um soldado e que ao vestir uma outra farda, ele já sabe que está mentindo, a julgar, em primeiro lugar, para si mesmo. E como lidar com isso dali em diante? Pois, é! 

Outra coisa... Em uma guerra mundial, crê-se que, ao estar de um lado, Herold, é inimigo do outro. Sua vida corre, vamos dizer, 50% de risco. Agora, ao trair seu próprio grupo, desertando-o, sua vida agora corre 100% de risco. Então, para mantê-la, em que circunstâncias Herold faz valer sua vida por mais de um grupo inteiro? Até onde iria para manter-se salvo? Ordenarias ou se responsabilizaria pela morte de dezenas, ou até de uma pessoa que seja? Matarias uma pessoa inocente em troca da própria vida? E tudo isso sabendo que está errado como desertor e que poderia ter evitado desgraça maior lutando por seu país em guerra?

Contudo, como capitão, para provar sua lealdade - para não ficar suspeito - Herold, desertor, seria capaz de qualquer coisa em prol de sua vida, de sua liberdade, mas… Qual vida? Que liberdade? Não seria melhor a morte a ter de viver dessa forma: fugindo, fingindo, mentindo e matando, vendo morrer inocentes? Desertores na verdade são mesmo pobres covardes ou a pior espécie de cães numa guerra?

No caso do Willi Herold, em meio a um Estado concebido para dizimar povos, nações e, após ter tido ciência de tudo que aquela “máquina” fez com os judeus, ciganos, africanos, orientais..., é compreensível sua debandada. E não há nenhuma vergonha em seu abandono. Tanto é que houve muitos relatos de deserções. Alemães que largaram o Estado nazista e partiram em fuga para outros países do Ocidente, por exemplo, e lutaram contra o próprio nazismo. 

Porém, isso é só uma hipótese. Porque Herold não me parecia fugir com medo do avanço dos aliados, ou do terror que é uma guerra. O filme não deixa claro o porquê de o Herold estar fugindo. Então, parece que não é relevante. Contudo, deixo essa reflexão.

Vamos, na sequência, entrar nas questões pós-farda, do que vive o soldado desertor, Willi Herold. Uma coisa que o agora capitão vai precisar usar e muito é o fator "você sabe com quem está falando?” Porque, não adianta ser um capitão nazista, mas fraco; sem postura e compostura.

Baseado nisso, podemos pensar metaforicamente para facilitar a questão. Herold, enquanto soldado, é um cão domesticado; quando “capitão”, se torna um lobo feroz. Até aí, tudo bem. Herold esbarra-se com um soldado, no caminho, durante sua fuga menos desesperadora. Não parte de Herold a atitude imponente, altiva ou pedante, mas o respeito, quase que de louvor, obediência e a lealdade vêm do soldado que, perdido, topa com Herold - já com farda de capitão. 

Os dois avançam. O soldado, todo servil, mais aliviado - talvez - por ter encontrado, não os aliados, mas um dos seus, parte com o capitão dentro do carro para longe das linhas inimigas. Eis que aí começa o caos. Os demais militares, oficiais, que para Herold eram como lobos, agora se tornam cães amedrontados. 

Todavia, isso pode ser narrado não às vistas do impostor e, lobo feroz, Willi Herold, mas sim dos meros “cãezinhos”: todo aquele ambiente, aquela guerra, com um novo oficial nazista vista aos olhos, agora, dos próprios oficiais ou demais militares nazistas que surgem. Herold se agiganta ante a tanto oficial nazista. Um novo ovo da serpente no ninho prestes a tomar vida. Seja o soldado mais vil da SS, seja o oficial classe A do exército alemão, Herold não toma conhecimento e incorpora realmente um novo oficial nazista.

A farda e a postura do novo capitão Wlli Herold lhe caem tão bem que parece, realmente, ele ter realmente vocação para ser capitão; para liderar, comandar e dar as mais terríveis ordens, impressionando qualquer experiente militar nazista de qualquer hierarquia - ainda que herold, na verdade, seja um soldado desertor. 


Agora vamos ver alguns fatos, uma vez que o filme é sobre a 2a guerra, sobre nazistas: o ano é de 1945. A Alemanha levava “pau”, "a casa estava caindo". O 3⁰ Reich, estava se transformando no "zero Reich". Muitos desertaram, foram executados, outros se suicidaram... Enfim, todo o exército alemão perdendo territórios e a guerra. Além de Hitler perdendo o senso genocida e adquirindo uma tendência suicida. Já se dava, praticamente, consumada a vitória pelos aliados. A alemanha nazista, o exército do führer era um verdadeiro caos sem liderança. 

Assim sendo, o filme “O capitão", porém sob o contexto dito no parágrafo acima: em meio a uma Alemanha confusa, deteriorada, quase entregue a quem pode-se chamar de desertor? Quem é que é militar oficial? Quem é justo ou inocente? Ou, quem é aquele que diz mentiras para salvar vidas ou para matar? Em quem confiar? Afinal, quem é, de fato, um superior, um soldado alemão ou um cidadão com desejos sórdidos nessa história toda ou até mesmo? Algum aliado poderia estar como espião em meio aos nazistas também, por que não? E mais uma coisa importante em meio a tudo: se eu falei "A" tenho de mantê-lo até o fim, por mais que minha vida esteja sob forte ameaça e haja uma desconfiança absurda pelos demais; por mais bizarro que seja o que eu tenha inventado para defender minha posição de oficial (ou qualquer outro posto). Porque, veja bem - em tese - na dúvida é melhor acatar: vai que surge um capitão mesmo, que nesse caso possa ter recuado da linha de frente, fugindo dos inimigos e que veio a se perder, ou que sofreu emboscada, ou escapou de uma prisão inimiga e que, no caminho, outro oficial ou soldado lhe ajudou e etc... Daí algum de patente inferior irá descumprir suas ordens? Na dúvida, é melhor crer na posição, seja de quem for. Se o desertor com vantagem da farda de um oficial falar que a “terra é plana”, quem irá duvidar? Somente outro oficial, porém, mesmo assim, com "pé atrás" - ou esse outro oficial também está sob as mesmas condições do desertor impostor e tirará proveito concordando com tudo. 

Desse modo, o desertor, no contexto de 1945, tinha essa vantagem. Por isso acredito o mesmo ter acontecido com outros homens que vão surgindo no filme: será que o oficial que aborda outro suspeito, o é também de fato oficial? E os soldados? Não seriam saqueadores civis, porém de farda, para cometerem crimes? Ou seriam fujões que tiveram o revés em dar de cara com um homem usando uma farda de um oficial? 

Com isso, esse efeito desencadeou (me pareceu) uma mentira que se sobrepôs a outra - uma vez que havia, no mínimo, mais de 2 personagens desertores ou outros militares de verdade com problemas burocráticos muito sérios tendo que manter suas palavras e posições deveras firmes, sem gerar qualquer deslize podendo custar sua vida.

Eu pude ver o filme normalmente achando que todos eram desertores - salvo alguns - fingindo, aparentando, estarem a serviço do führer, “até o fim”, porém não queriam assumir suas mentiras, mantendo-se assim altivos e fiéis, por motivos óbvios.

Ademais, o filme há predominantemente discursos autoritários ainda que pedantes, porém carregadíssimos do éthos, exageradamente autocontrolados. Discursos autoconfiantes, quase que narcisistas; talvez por medo da morte iminente, uma vez como perseguidos do estado, ou o que sobrou dele, apostaram em si próprios e em suas posições sociais - mesmo que falsas - posteriormente, diante de ordens de matanças, chacinas horrendas, a autoconfiança ganha volume.

Ainda assim, há que se observar também o pathos que, nos piores momentos citados - e passados no filme - reside em cada um e transpassa delicadamente em cada rosto, em cada olhar. Não obstante, esse discurso sentimental, passional, carregado de paixão qualquer ou de apelo emocional não cabem numa situação como a de um filme com esse porte e, muito menos, numa guerra daquela proporção.

Enfim, filme recomendadíssimo! Bem tenso, excelente filmagem, música, cenários, diálogos, atores e toda parte técnica (que não sou expert rs) que, realmente, ambientaram bem a produção. Muita reflexão ainda cabe hoje, dezenas de anos depois desse período horroroso da história e que sirva de lição para as próximas gerações. Que se possa refletir cada vez mais sobre a segunda guerra mundial e todo efeito nefasto que ela causou.


Comentários

  1. Verei o filme. É um assunto pelo qual muito me interesso. A 2ª Guerra, o comportamento das pessoas em geral naquela época. É bem intrigante. Precisaria de dias, de anos, para falar sobre isso com alguém.

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