Porre N⁰ 2023
Durante a chuva de opiniões que alagaram as redes sociais, onde a língua afiada caía do céu como canivete, eu me refugiei em conversas íntimas com amigos. Longe do enxurrada de cancelamentos e apontamentos de dedos na Internet, compartilhamos nossas reflexões sobre a morte do Pelé, um evento que despertou sentimentos profundos e diversas interpretações.
Como o luto é um terreno movediço, onde a saudade e a dor se entrelaçam, discutimos a tênue linha entre o respeito e a irreverência nestas horas. Há aqueles que se indignam com as piadas sobre os mortos, enquanto outros veem nelas uma forma de amenizar a tristeza. Há fãs que se desesperam com a perda de seus ídolos, e há aqueles que seguem em frente, como se a vida continuasse inabalável.
eu sou um caso que pisa lá e cá neste terreno. Direi! É claro que meu próprio coração se aperta com cada vida que se extingue. A angústia me assalta, me fazendo questionar: "Será que essa pessoa sofreu?" "Estou ciente de que isso irá acontecer comigo algum dia!" Ou seja, é um lembrete constante de nossa própria mortalidade, uma verdade assustadora que paira sobre nós.
Talvez seja por isso que o luto, em nossa cultura, seja marcado pelo silêncio, pela rigidez e pela solenidade. É um momento para refletir sobre a fragilidade da vida e para honrar aqueles que se foram.
No entanto, nos dias de hoje onde impera as opiniões e os dizeres das redes sociais, sempre haverá aqueles que se seguirão a linha da solenidade e, com isso, se revoltarão com quem faz chiste com a partida de uma pessoa famosa. Pois, embora não seja comum zombar ou celebrar a morte de um vizinho, a fama de outros parece tornar as pessoas mais vulneráveis a críticas e julgamentos.
Dito isso, diante das tantas emoções que acompanham as mortes de figuras públicas, é natural que nossas reações variem. Alguns eventos nos atingem profundamente, enquanto outros passam despercebidos; alguns nos tocam mais por conta de alguma afinidade, outros não.
Por exemplo, quando Ayrton Senna morreu, o Brasil inteiro ficou em choque (o mundo, na verdade). No dia seguinte ao seu enterro, uma piada bem-humorada circulou, sem intenção de ofender ou debochar. Na época, todos levaram na esportiva. Apesar da tristeza pela perda e das saudades das manhãs de Fórmula 1, a piada colou. Legal! Ok. Olha que eu acordava todo domingo de manhã para vê-lo correr. Era nosso ídolo no esporte àquela época e ainda hoje para muitos. Agora, se não o fosse, provavelmente, não me importaria tanto com sua morte. Se eu nem gostasse de F1, nem ia me importar com o fato de terem feito piadas, ou de não terem se comovido tanto.
Outro caso foi a morte de Maradona. Fiquei triste porque gostava dele desde criança. O futebol sempre fez parte da minha vida, eu me identificava com ele em campo. Havia uma conexão emocional, memórias de infância e o orgulho de ver um latino brilhar no esporte.
Por outro lado, a morte de Marília Mendonça não me afetou tanto. Eu não conhecia sua música e só soube de sua existência após o trágico acidente. Não é uma questão de falta de empatia, mas sim de uma conexão pessoal. Ou, sei lá, de realmente não saber que a pessoa existiu e o que ela fazia. (Desculpem-me, fãs. Depois até descobri que ela cantava muito! Mas sua morte me chocou mais pela forma que foi do que propriamente saudade).
Portanto, nossas reações à morte são influenciadas por nossas experiências e valores individuais. Não há uma resposta certa ou errada, pois cada pessoa vivencia o luto à sua maneira. É importante respeitar as diferentes formas de expressar emoções, mesmo que não as compartilhemos. E não quero ser moralista e ficar condenando ou cancelando aquele que tem uma "sacada" e faz uma piada sobre o caso, isso acontece. Ninguém é um monstro por fazer piadas ou simplesmente ignorar uma fatalidade.
Outra coisa, sobre estes casos acima, houve questões éticas envolvendo a vida destes famosos? Não sei a fundo. Até onde sei, Maradona ainda teve uns problemas nesse sentido, mas nada como o fato paterno do Pelé.
Na verdade, sobre o Pelé, o Rei do futebol, o conheci antes do escândalo da paternidade. Eu conheço o Pelé como aquele gigante brasileiro em campo que eu via no Canal 100. Lembro-me de vê-lo jogando, quando eu era pequeno, nas fitas cassetes com meu pai e meu irmão... De como eles também achavam f*oda como o Pelé jogava e tudo que ele representava; me contavam histórias do futebol de outras épocas e de como o nosso 10 se destacava. Agora, sobre seu escândalo, fiquei sabendo recentemente! Muito tardio, inclusive.
Então, como dissociar isso? Como desfazer o Pelé que conheço do Pelé que estão dizendo hoje? Só com o tempo, talvez.
Por exemplo, se hoje surge um "B.O." ai do Ayrton Senna, sei lá, se surge uma filha bastarda dele? O cara já marcou minha infância, minha geração, há muitas memórias afetivas... Não vou me auto-cancelar, nem cancela-lo por isso. Não dá.
Querem mais exemplos de cancelamentos que eu não faria? Por falar em "traição" e "filho bastardo" temos um alemão queridíssmo (e também odiado rs) muito citado e lido aqui no Brasil: Karl Marx. Sabiam que este notório homem traiu sua esposa com a governanta de sua família, a Helene Demuth? A traição gerou, um sétimo e bastardo filho: Frederick Demuth. O caso foi tão sério que o bastardo foi adotado por Engels - amigo de Marx. Mas já li e curti Marx numa boa. Pois, eu iria fazer o que? Desler Marx? Desfazer suas ideias da minha mente?
Temos também Alan Kardec, foi racist4. Ele escreveu e foram publicadas suas ideias racista4s. Eu li suas principais obras numa boa (a das coisas racist4s? As li também. Mas ignorei completamente. Ignorei tanto que nunca mais li nada de Kardec).
Outros dois gostos pessoais que eu estou pouco me importando: eu AMO Pantera (banda de Rock), mas seu vocalista, o Phil Anselmo, é o maior naz1sta. Soube disso há um tempo já, só que não foi durante a minha adolescência. Entre as suas proezas recentes, estão algumas saudações n4zistas e frases exaltando os brancos como superiores. Seria o caso de eu ir a um show do Phil Anselmo? Ia depender do meu humor e da minha disposição financeira, mas provavelmente eu não iria olhar pra esse cara sem ficar com muita raiva. Além de Pantera, existe a banda norueguesa chamada Burzum. Os cara são muito xenófobos, inclusive com brasileiros. Eu não sabia que eles eram assim quando comecei a ouvi-los. Atualmente, não tem como eu deixar de gostar. Pode ser o caso, mas não com Burzum e, se for para desgostar deles, não será porque eles são escrotos. Pois, as emoções em suas músicas e os afetos criados variaram bastante. Com Burzum a coisa pegou firme. Enfim, eu iria a um show Burzum? Ia depender também, como no caso do Pantera - mas se eu fosse em ambos os shows eu ia levar a bandeira do Brasil, com certeza.
Ah! Saindo música e indo para a Literatura e Filosofia. Não posso me esquecer de Nietzsche (mais alemães). Adoro ler esse cara. Sempre fui meio ("meio" pra menos rs) nietzscheano na vida e no sentido de questionar a moral religiosa; as questões relacionadas ao status quo; as nossas individualidades e nossa maneira de ser no mundo - independentemente do que a moral e os costumes vigentes pregam. Mas este estimado filósofo era muito m1sógino, machista. No entanto, o leio com gosto, mas ignoro solenemente sua m1soginia.
Outro que acho sensacional (outro alemão rs) é Immanuel Kant. Homofóbico! Escreveu coisas baixas sobre isso. Leio-o e acho demais suas obras. Não tenho como deslê-lo mais. Nem rasgar seus livros. Até porque alguns me custaram muito rs... Agora, quanto a sua homofobia, ignoro a ponto de esquecer que ele fora isso em vida.
Sem contar o caso do filósofo Heidegger, que foi membro do partido nazist4, mas deixou uma das obras mais fantásticas e das mais difíceis de se compreender na Filosofia, que é Ser e Tempo.
Então, em resumo, não há como desver Chaves, Xuxa, Silvio Santos, Seinfeld, The Office, e desler/ desver e cancelar ninguém menos que WOODY ALLEN.
Puxa, lamento, mas não vou cancelar qualquer filho da mãe que marcou minha vida, que me deixaram ótimas lembranças, porque, suas vidas particulares possam ter havido alguma merda e, porventura, magoado alguém atualmente. Me desculpe! Ainda mais cancelá-los para dizer aos quatro cantos que o fiz somente para agradar grupelhos, hastear a bandeira da virtude, ou para ficar bem na foto com a sociedade inteira.🖕
Por conseguinte, vejam só! Não tenho como largar meu celular da Samsung agora (onde digito esta merda aqui inclusive); nem jogar meu PC com o Windows fora; não tenho como me despir da Nike, Adidas, Reserva (embora eu não use isto em abundância), além das roupas e calçados do mercado ilegal. Não dá pra eu viver como um mendigo ou nu, por conta destas atitudes-protesto. Porque, o mormal seria eu me desfazer de tudo isso (inclusive deste app de rede social), porque muitas dessas coisas estão fundadas em injustiças, descasos e, quiçá, até em crimes.
Assim, abaixando a guarda aqui, dá pra até cancelar um ou outro, mas vai ser como eu quiser e quem eu quiser; se me apetecer. No mais, vou abstraindo certas coisas e agindo conforme as coisas a mim convém. Assumo mesmo!
E, de novo, não posso tomar as causas pelos outros. Não posso agir querendo ser os outros - já falei: eu, sou eu. Logo, faço o que me convém. E isso não me torna mais humano, com super ideais humanitários, nem o mais antiético, ou um ser baixo, vil. Não é o caso.
Com isso quero dizer que não irei adotar a misoginia de Nietzsche, não vou carregar amor ao estado Naz1sta que o Phil Anselmo também o faz (provavelmente), ou ser homofóbico porque leio Kant.
Pelé morreu, lamentei porque gosto de futebol e isso não quer dizer que eu seja um insensível a crianças abandonadas por seus pais. Por favor, né?!
Enfim, o que eu vir de r4cismo, homofobi4, mis0ginia, irei denunciar. Irei defender a vitima dentro do que estiver ao meu alcance, como uma pessoa que acredita no peso da lei.
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Ah, a tal piada sobre o Ayrton Senna posterior a sua morte foi "Ayrton Senna estava Amil, bateu na publicidade e morreu Assim".
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