Nós, os vermes

“O verme pisado se contorce. Eis aí algo inteligente. Assim é que ele diminui a possibilidade de ser pisado novamente. Na linguagem da moral: humildade.” (NIETZSCHE, Friedrich. O crepúsculo dos deuses. Editora Vozes de Bolso. 2016. p. 13).
Perfeita comparação ao ser humano e suas atitudes, seus feitos, quando não condizente com alguma moral, ou, até mesmo o respeito ao próximo, ou mais além, alguma conduta ética. Por falar em ética e moral, o ser humano não é livre – o animal, não é um ser livre. Todos os seres estão fadados a algum tipo de “coerção natural” à algum fim. Por exemplo: vermes, seres orgânicos, tendem a se reproduzir e só. Buscar abrigo para tal, somente isso. Se instalar e reproduzir; as aves, possuem asas – o sonho de qualquer humano – mas isso não lhes dão liberdade alguma. Estas estão fadadas às condições climáticas, a distâncias, áreas urbanas ou a regiões florestais, etc… E mesmo com o céu aberto às suas frontes, ainda assim, as aves vivem para se reproduzirem, se alimentarem e evitarem de serem servidas como alimentos.
Nós humanos, seres sociais, possuímos uma coisa que nos diferem de todo o grupo de outros seres, que é a linguagem articulada; possuímos a razão. E quanto mais razão, mais o ser humano se eleva à classe social em que vive. Há seres humanos que se intitulam semideuses, mutantes, extra-humanos. É incrível! Em relação ao verme pisado, um super-humano desse não vai se contorcer nunca, – jamais! Pelo contrário, uma pessoa desse nível, irá atacar, como que um leão, o rei da selva, quando, por exemplo, vir alguma “ameaça” numa área delimitada por seus sentidos.
Ai uma pessoa que pensa um pouco questiona: “Mas o ser humano possui liberdade, então…” Sim, realmente todo mundo é livre para fazer o que bem entende, mas há muitas vírgulas após a palavra liberdade. Parece contraditório ao que disse no primeiro parágrafo. Mas a liberdade que nos é imposta acaba nos mantendo presos. Somos prisioneiros de um sistema; temos de seguir regras; “temos que…”,  senão acabaremos como os vermes em contorção evitando o pior, ou muito mais, a dor.
Àquele que é desprovido de humildade, por exemplo, que está no topo da cadeia alimentar – se comparado a outros seres – ou que esteja no topo da pirâmide social, esse jamais se contorce, pelo contrário, se mantém rígido, ereto e possuído de irá. Ai de quem o encarar! Vai virar verme pisoteado. A pessoa que por descuido pisa em outra, tem como retorno uma outra pisoteada, mas bem mais pesada e dolorosa. O que é recíproco na vingança vem à cavalo. Dói mesmo. “Deita ai verme, e se contorça!”
Conforme o tempo vai passando a palavra humildade vai se esvaindo. Se se tirasse cada letra desta palavra, hoje restaria somente a letra H, – de homem, de humano. O que mantém as duas palavras em comum, na verdade é o que as separa naturalmente. O humano não possui humildade. Em sua grande maioria.
Se uma pessoa erra com outra, ela não se desculpa, diferente disso: vocifera e faz com que a vítima, se sinta culpada. Isto, através da força, da ameaça e do poder é casamento feliz e duradouro. Oprimir, ofender, agredir, culpar… Nós vemos isso no trânsito, nos jogos de futebol, na padaria, no trem, no trabalho, em todo lugar. Não há quem assuma: “Errei, me desculpe. Não o farei novamente”. E se outra pessoa questionar, eis uma resposta lúcida: “Por quê? Porque me contorci, me declinei, tomei uma atitude humilde e com isso a resignação”.
A vergonha caminha alheia à soberba, ao orgulho. Quem erra não assume; quem erra morre de medo de passar vergonha; não se suporta ao se deparar, sob olhares alheios, seja de pena, de repreendimento, ou até mesmo de candura, de compaixão. Todo mundo quer ser o leão, a raposa, o tigre, a cobra, a águia. Ninguém quer ser um verme, se rebaixar, se pôr em um “estado abaixo”,  em uma situação inferior, para que, assim, desta forma, tome ciência de que existe humildade e que, com ela, existe uma forma de se rebaixar, servindo de trampolim, ou seja, uma meio para elevar-se. Para que se dê um salto, é necessário elevar os pés para baixo, contra o solo, se preciso pisar no buraco mais fundo, para que se alcance um salto maior.
Se elevar de forma lúcida e não agressiva, nem irracional eis o ponto central da questão. Se contorcer, se rastejar, é um ato muito feio, muito horrível, mas é assim que muitos conseguirão se elevar, e estar digno na sociedade, vivendo em comunhão para com todos, – desde um verme ao rei da selva. O coração de quem se declina sabe a importância de um inseto, de um animal qualquer e, também, vê a si mesmo como essencial nesse processo de caminhada, “contorções” e (r)evolução.

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