De mãos dadas


  1. Isso foi um sonho! Eu estava em uma festa com pessoas bem familiares ao meu cotidiano, umas bem conhecidas e outras não. Mas todos da mesma classe social. Era um salão de festas em um playground, em algum condomínio. Dado momento me encaminhei para o banheiro e encontrei uma porta bem rústica, pesada, de ferro maciço, que estava entreaberta, num corredor ao caminho.
  2. Eu olhei para atrás da porta e a empurrei um pouco, com dificuldade, e me deparei com uma linda parede revestida de um fino tecido até a metade e na outra metade, uma sólida madeira, detalhada, em formas geométricas. Algo muito rico para estar escondido atrás de uma dura chapa de metal que abre e fecha, em um simples playground.
  3. Essa ante-sala tinha luz baixa. Percebia-se, porque no teto pendurava-se um lindo lustre de cristal, com dezenas de velas recém acesas, todas ainda inteiras e longas. Uma tonalidade dourada, um tom sépia recaia em todo ambiente. O conjunto de cores que se formou ali, contrastava absurdamente com local de trás da porta, de onde eu vim, bem cinzento e escuro. Ao fundo outra porta de madeira se erguia diante de mim. Bem mais sutil, mais elegante e mais fina em detalhes, retalhada em desenhos estilo clássico e contornos magníficos. sua maçaneta ia do ouro maciço ao fino cristal na sua ponta.
  4. Ao abri-la também, me deparei com um salão. Não era muito grande, mas era muito lindo. Para se ter uma ideia, eu chorei quando vi o que estava sob meus olhos. O lugar era tão mágico que levava a fortes emoções, somente por sua beleza. Antes de eu perceber onde eu estava de fato, e do que se tratava, encontrei uma amiga. Na verdade, uma mulher qual eu era muito apaixonado e ainda reservava tal sentimento. E a reciprocidade era a mesma. Ela também me viu e ficou estupefata. Nos cumprimentamos como duas crianças, correndo, um em direção ao outro com sorrisos gostosos no rosto. Gargalhávamos, enquanto corríamos de braços abertos - alegria jamais vista de fato. Até que nos chocamos, um contra o outro, fortemente, e o abraço foi o mais longo e apertado que eu pude sentir em toda vida.
  5. Mas antes de eu, realmente, me ater ao recinto e a minha especial amiga, antes de qualquer palavra e olhar mais atendo ao redor, percebi um anfitrião. Um homem idoso, com feições dóceis, em um traje tão impecável! Um terno preto, clássico de gala, que mais parecia uma pintura. Ele sorriu e me deu boas vindas - fez o mesmo com minha amiga. Nós recebeu muito bem. Nisso, pude sentir que ele ficara com uma leve inveja ao se deparar com um jovem casal de amigos que se gostava tanto, que se abraçava loucamente a sua frente, de forma descontraída, sem modos ou boas maneiras. Seu olhar aprovava nossa informalidade toda. Era um bom senhor, tinha um bom coração.
  6. Via-se imediatamente que o lugar era para poucos. Inclusive para eu e minha amada amiga de tantos anos. Parecia que o salão era daqueles a quem se detinha alto grau de reconhecimento na sociedade; uma elite não somente feita de dinheiro, mas homens e mulheres dotados de sabedoria, doutores, a grande nata do pensamento humano, quiçá! Eis aquele salão nobre para célebres senhoras e senhores. Mas não havia ninguém no  momento, “e nem tão cedo” - avisou o anfitrião.
  7. Havia outra parte fora deste salão. E pude ver um enorme teatro - "Theatro" escrito com "th". Então, onde eu me encontrava com minha amiga, mais o anfitrião, dividia-se em duas partes. A primeira, onde cheguei de pronto e que encontrei-me com a amiga e ali também estava o anfitrião, que era como se fosse um local de palestras, um auditório, onde se tinha um palco pequeno, para uma pessoa somente e um imponente púlpito de mogno escuro, bem envernizado, também rico em detalhes; ao fundo cortinas, de cor vermelha ocre, num tecido tão grosso que dava sensação de ser muito pesada - estava ali surpreendentemente enriquecendo local dando ar de que logo viria um belo espetáculo; as cadeiras, todas alinhadas perfeitamente, cobertas de veludo vermelho, tão lindo, tão vivo! - parecia que ninguém nunca havia se sentado ali; seus pés e seus braços e seu encosto eram folheados a ouro, então, com as luzes de velas refletindo, a sala se tornava um pequeno céu vermelho de estrelas douradas; o carpete em grená degradava suavemente equilibrando o ambiente fazendo o cérebro receber um confortável conjunto de cores formando uma bela imagem; um longo carpete cobria toda essa primeira sala - era tão fofo quê os pés afundavam quase que todos - parecia, realmente, estar caminhando sobre as nuvens e ao mesmo tempo sob elas também, pois o teto todo branco, puramente detalhado, como se Michelangelo o tivesse feito, mas não em pintura, e sim em esculturas e retalhos, desenhos à mão impossíveis de se imaginar; ornamentos foram gerados em um teto de gesso, no seu centro e nos cantos arredondados; acima de onde ficava o orador no pequeno palco, havia desenhos esculturais, mas em madeira, com formas de anjo nas nuvens, alguns instrumentos musicais, como violinos que se esvaiam às nuvens, harpas que se ligavam aos cachos dos anjos etc... eram desenhos em formas sacras em tudo: no teto anjos, rosas, formas arredondadas, todas, milimetricamente perfeitas; nas portas e outros móveis, detalhes clássicos folhados impressionantes; ao fundo desta primeira sala, quando todos ficavam sentados, de costas para uma abertura, havia uma vista tão linda, tão magnífica e esplendorosa que tudo lá fora se harmonizava com o interior desta primeira sala. O Sol estava se pondo e a cor do céu estava vermelho-alaranjado; a vegetação que se estendia depois da imensa janela, estava à sombra, e brotava, também, um verde-oliva bem escuro, quase que marrom, combinando com os móveis de mogno do interior da magnífica sala. Os tecidos, todas as cortinas, o carpete, se apraziam, combinavam com o pôr do sol. A vista desta janela imensa sempre mirava o pôr do sol. Isso se podia perceber quando as cortinas estivessem abertas. Então a visão, o que se tinha do Sol, era sempre suas últimas horas de seu ciclo na Terra, o fim de tarde. Depois, somente 24 horas, tornaria, o Sol, a aparecer nas suas últimas horas dominando o interior da sala e harmonizando tudo.
  8. Não posso me esquecer das centenas de flores diversas e as reluzentes rosas de cores rosas e vermelhas, deixando o local ainda mais prazeroso e relaxante e, - não somente - mas um lugar realmente perfeito, o paraíso em algumas dezenas de metros quadrados.
  9. Enfim tomei as mãos da minha amiga qual nutria em mim uma grande paixão e demos umas três voltas em torno de nós mesmos apreciando a sala. Cada detalhe cada trabalho manual feito nas cadeiras, nos móveis, no teto... Tudo feito à mão! A costura do estofado, da cortina e o tapete; as madeiras trabalhadas, talhadas, enfim… Até o elegante terno anfitrião era impecável e um traje, apesar de um terno, parecia jamais ter sido visto.
  10. Sentamo-nos, eu e ela, nas cadeiras luxuosas, confortabilíssimas e trocamos olhares. Nossas mãos não se desgrudavam e ela usava uma delicada luva de rendas branca e um chapéu pequeno rosa bem clarinho estilo anos 30. Dois brincos de pérolas, delicados também, nada exagerado. Ela era uma mulher discreta. Porém seu olhar era uma estrela em seu brilho máximo, em noite de outono, refletida numa serena lagoa, num belo manto de água pura e fresca; seu sorriso estimulavam todas as minhas sensações, todas as moléculas do meu corpo se prendiam ao seu sorriso, tão perfeito, tão simétrico, tão sensual. Uma magia advinda de seu corpo, de seu olhos, a ponto de eu esquecer toda aquela luxúria do salão e a natureza lá fora. O sorriso dela ofuscava luz do Sol, tomava as cores e o brilho do Ouro. Permanecemos nos olhando e o que era tempo, tornou-se eternidade. O que era simples, tornou-se complexidade. O que era humildade, tornou-se opulência. O que era a morte, ganhou o vida. Eu que era um ser quase que inanimado, um moribundo disfarçado, me tornei o homem mais feliz, mais rico; do ócio, transmutei-me em excitação; da deprimência, à perfeita e plenitude felicidade.
  11. Ela olhou para cima apreciou os desenhos feitos no teto, olhou para os lados, para baixo, para aquelas cadeiras enfileiradas ao longe com seu ouro e seu veludo nobre vermelho e exclamou, olhando nos meus olhos: “Mas que lindo! Nunca vi tanta beleza, tanta nobreza, tanto amor”. Eu olhei para ela, no mais profundo que pude alcançar em seus olhos marejados e, com minha voz embargada, não me contive: “é o dia mais feliz da minha vida eu nunca pude imaginar estar tão perto da perfeição, do paraíso, da emoção e do amor.” Choramos! Nunca havíamos estado em um lugar tão lindo e nem nunca sonharíamos algum dia estar em um lugar daqueles, ainda mais juntos, apaixonados.
  12. A outra sala, na verdade era um teatro, como alguns teatros de Viena, só que o luxo potencializado mil vezes. O primeiro recinto ficava alguns andares acima do segundo salão que se abria diante de nós. Estávamos como se fosse no balcão nobre. Duas portas separavam os dois lugares e entre essas portas completamente ricas, ornadas ao estilo clássico, e pesadíssimas, havia um corredor. Este corredor um pouco mais moderno que o salão anterior. Seu chão, de mármore, paredes extremamente brancas, estilo colunas e decorações romanas. A junção da parede com teto tinha uma arquitetura mais simples, mais retilínea, como se formando degraus de cabeça para baixo. A cada 10 metros tinha as colunas também de mármore, detalhadas, esculturalmente, com folhas e cachos de uvas, na parte superior. Entre essas colunas, nas paredes, penduravam-se quadros com pinturas que não se dá para descrever de tão ricas e lindas em detalhes entre luzes, cores e sombras, além de outras esculturas tanto em madeira, quanto ferro e mármore, feitas à mão e ferramentas de corte. Era impressionante a riqueza que havia naquele lugar.
  13. De mãos dadas ainda, eu e minha paixão, andamos pelo corredor de ponta a ponta, como duas crianças num parque de diversões, apreciando todas as obras, todos os movimentos artísticos e todo sentimento daquele local. Cada centímetro era admirável. O teatro, o palco, a vista que tínhamos era incrivelmente bela. Havia um silêncio de enorme magnitude, instigante e uma imponência incrível todas aquelas cadeiras, a cortina fechada, os andares e balcões que completavam o teatro. Não havia e nem tão cedo haveria espetáculos naquele teatro, segundo o anfitrião.
  14. Paramos na varanda, que dava de frente para o teatro todo. Era realmente o melhor local para se ver algum concerto. Abaixo de nós as cadeiras, acima de nós o teto que se levaria uns quinze dias para apreciar apenas parte dos desenhos folheados, anjos, e outros trabalhos feitos nele. As luminárias tão magníficas quanto a da primeira sala só que ela carregavam triplo de dezenas de velas. Eram mais imponentes e mais esplendorosas.
  15. Naquela varanda, com vista privilegiada e maravilhosa para o interior do teatro, pedi a minha linda amada que me desse sua outra mão e fechasse seus olhos imaginando comigo uma orquestra tocando uma obra de Mozart. Não nos contentamos e começamos a dançar. Estávamos realmente ouvindo Mozart e toda uma orquestra com maestro estava executando a obra Andante, do mesmo. Ao bailar parecíamos que não estávamos mais com os pés no chão.
  16. Flutuávamos! Mas não mais dentro do teatro e nem em nossa atmosfera terrestre. Já tomávamos o espaço sideral. Ao fundo, bem ao longe, o “braço” da nossa galáxia, a Via Láctea, nos envolvia e mais próximos a nós, alguns planetas passavam, nos entrelaçavam, como que nos embalando em movimentos sutis e graciosos. E estrelas, hora brotavam aqui, hora brotavam ali, iluminando os nossos rostos em cores diversas. minha eterna amada, que já era linda, ficou excepcionalmente bela ao ponto de ser o astro mais luminoso, mais brilhante, mais apreciável do espaço. Nem o sol conseguia brilhar mais que ela ou muito menos iluminá-la. Ela irradiava luz, ela me enchia de luz, me tornava também um ser iluminado. Sua áurea me banhava e me fazia também um pequeno astro brilhoso no céu.
  17. Ainda de mãos dadas, e iluminados, sob uma chuva de estrelas, à contemplação de planetas e à presença de toda a galáxia, dançávamos como se nada tivesse ao nosso redor, como se o universo inteiro fosse só nós dois, ou melhor, com se o universo fosse somente nós dois. Nada mais importava na terra, todo aquele luxo, aquela beleza, aquela imponência, aquela riqueza. Nem o belo pôr do sol, nem as obras de arte, nem em qualquer obra da inteligência humana ou até mesmo da natureza, valia aquele momento a sós com minha amada.
  18. Nossas mãos estavam sempre unas. Nossos corpos estavam sempre conectados. Mas faltava uma coisa para que pudéssemos explodir de emoção e paixão em vida: o beijo. E quando isso aconteceu o choque entre os nossos lábios transmutou todo o universo e, como que num vácuo, toda matéria foi sugada por nossas narinas. Cada matéria desde macro até o micro foram consumidas por nós, por nosso amor: mas nada é maior do que ele e nada é menor também. Nossa língua se falava, se explorava, trocava sentimentos, organismos, vida, estrelas… Estávamos no nada. Éramos tudo! Nossas mãos dadas comprimiam uma paixão única. Jamais sentida por qualquer ser. Nosso beijo teve início, mas nunca terá Fim. Foi um instante. E o instante só deixará de ser quando o outro o substituir. O que é impossível, um instante se tomado por outro, segundo o maravilhoso pensamento de Aristóteles. Portanto o nosso beijo eterno, imutável, completo e vivo. Não é passado, não é presente e nem futuro. Nosso beijo é a personificação do nosso amor, eterno amor. Faremos um novo universo, novas galáxias, novos planetas, novas formas de vida. O dia que pararmos de nos beijar, que soltarmos nossos lábios, um milésimo de segundo sequer, mudaremos o curso das coisas, de tudo. O eterno passará a não mais existir e o tempo retornará trazendo a monótona rotina à vida.
  19. Numa noite escura qualquer, ao olhar para as estrelas, pode até estar de manhã, em pleno Sol de meio-dia, ao olhar para o céu, esteja ele azul claro ou completamente escuro, verei nós dois, eu e minha paixão, meu amor, num beijo apaixonado dançando ao som da mais bela obra musical já composta, envoltos aos maiores planetas, aos menores seres fragmentos, de luz e de escuridão; tão longe dos confins da galáxia, tão próximos da Lua prateada... Estaremos lá, nós dois, eternamente juntos de mãos dadas.

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