Porre nº 2


Este porre vai ser um paradoxo em relação ao primeiro. Um porrezinho suave, nada além da conta. Enquanto assisto aqui o velho sabiá indo pra gaiola; coleiros cantando a razão; bem-te-vi jogando alpiste fora; e o patinho nadando no lixão. Se liga só! O espaço qual vivemos está se alterando. O pássaro está indo para a gaiola, as cobras estão soltas. Alguns répteis, e outros insetos, apresentam-se contra toda fauna. Algo perdeu a sua essência. Existe um movimento muito forte, uma onda. Há uma guerra, seja visível, palpável ou não, ela está presente também no âmbito metafísico, na essência de cada cidadão e que essa força a tudo sintetiza. Tudo se move e se constrói. Se molda, se refaz. Tudo acontece como em um embate. Explico: Nada existiria sem uma oposição, sem as contradições. Mas a medida que o tempo passa, esse choque, essa reação, se torna mais violenta. Quer dizer, os opostos, ou estão muito distantes um do outro vindo a se encontrar numa velocidade muito grande, ou estão relativamente próximos, mas carregados com muita potência reativa.

Nada se destrói, apenas se resume, se personifica. Da mesma forma que, hoje somos, mas amanhã não mais. Nos mesclaremos a algo, seja materialmente ou em essência, em espírito. Não o espírito, segundo Alan Kardec, mas o espírito conforme definiu Hegel. A realidade como espírito, como um todo. Mas que esta não deixa, também, de ser uma parte em uma outra, formando um todo. Um conjunto contido em um outro maior, e assim sucessivamente. A realidade qual estamos é como um movimento, processos, e não somente como coisa única, estável. Hoje estamos felizes, mas acordamos tristes. Ontem consumimos. Hoje não mais.

Todavia, para isso, não pense individualmente. Pense em um mundo inteiro assim. Acordando, indo dormir, pensando, se contradizendo, se chocando. Ora consumindo, ora economizando; amando, odiando. Esse duelo, essa dialética toda, se apresenta como um organismo, um movimento, uma substância. Tristeza, alegria, vitória, derrota. O céu e o inferno. Liberdade, prisão... O que realmente nos cabe, referente a estes opostos? O que é ser feliz, ou estar triste? Estar no céu é realmente sublime? Não existe sempre um "céu" melhor do qual se está inserido? Pensando assim, o inferno vai ser sempre o agora, não é? O que nos mantém presos, e o que é liberdade? Qual a síntese nisso tudo?

Isto posto, por falar em felicidade, será que ela, de fato, existe? Por acaso, se encontra, a felicidade, em uma nota de Real? Você vai à loja e pede 1 kg de felicidade, ou no supermercado 2 metros de alegria, ou vai na concessionária e compra 3 graus de paz? E estaria realmente preso aquele que vive isolado, enclausurado, cerceado? E quem está livre, realmente pode ir e vir sem problemas? Pensar, se expressar, se realizar? Se você concorda com o “sim”, ótimo! Digo, então, que não estamos pensando matemática, filosófica e fisicamente por igual, mas respeito a tua assertividade.

Então, escrevi essa idiotice toda, porque, recentemente, li na internet, que uma jovem fez plásticas e operações, algumas mudanças, ou melhor uma reforma estética em seu corpo. Gastou uma fortuna para ficar parecida com uma modelo famosa. A jovem menina fez muito sucesso com isso e, inclusive, foi convidada para aparecer com todo o seu charme e sua beleza em uma revista. Ou seja, ela fez um audacioso e lucrativo investimento. Bingo! O investimento certo, acarreta em lucros. Lucros, para alguns, é sinônimo de alegria. Ou simplesmente a felicidade, a realização da moça em exibir-se, isso também conta. Mas existe pessoas que não conseguem, não só ver alguém feliz, como também, ficam desesperados ao se depararem com alguém que ascende social e financeiramente.

A felicidade baseada em bem material é supérflua, é rasa. Mas será mesmo que ela existe? Não estou aqui para dizer que sim, ou que não. Cada qual que seja feliz com o que quiser, como quiser. E se quiser ser infeliz também, maravilha! Mas o que leva a uma pessoa a sentir ódio por outra que está feliz, ou com grana? Seria egoísmo, tipo “se ela conquistou, então está tirando o que no futuro poderá ser meu"; "se ela tem, então é algo que na verdade me foi tomado”. É uma hipótese superficial? Não sei, não fiz pesquisas, estou no segundo porre.

Retornando, então, ao caso da jovem modelo, ainda na rede social, que dentre os milhares de comentários, eu parei meus ardidos olhos em um destacado que pareceu-me poesia: “Ela gastaria muito menos se fosse em uma biblioteca estudar, e ficasse parecida com alguém inteligente [...] e porque não encara uma louça pra lavar, ou uma pilha de roupas pra ficar igual a uma mulher digna [...] ela podia “subir uma laje”, suar seu “corpito” por um salário honesto”. Nessas horas vejo Nietzsche se contorcendo no túmulo, como se placas tectônicas quisessem fazer embaixadinha com uma bola de futebol.

E por acaso estou pensando aqui, tentando imaginar, Nietzsche jogando bola. E o mais fantástico: este belo filósofo alemão, marcando o oitavo gol no Brasil, na copa de 2016. Realmente fiz uma viagem. Humano, demasiado humano... Seguindo essa "viagem", fui ao século 19, época do querido filósofo. Tão logo, me aprofundei mais no tempo e, lhes digo, um tempo não muito legal na nossa história. Muito pior que o "7 a 1". Não no Mineirão, ou Maracanã, não! Foi na Vila, mas não a Belmiro. Século 16, Vila de São Vicente. Por quê? Para explicar os tempos atuais.

Sabe-se que a escravidão ainda existe, nos moldes modernos. Mas como os casos do Brasil Colônia (1530 - 1822), nem tanto (será?). E o Brasil foi o último país no mundo a frear esse modo escravista e o fez por puro interesse de classes abastadas. Por lucros. Foram 300 anos de… Sei lá! Não tenho adjetivos. Nos dias que correm, ainda há pessoas (que são meros escravos dos modos de produção capitalista), que possuem a doce alma de senhor do engenho. Ouve-se: “por que não vai capinar um terreno? Vai catar latinha, isso sim é ganhar dinheiro honesto!". O brasileiro não esqueceu o período colonial, e o período colonial não esqueceu o brasileiro. E o pior quando se ataca às mulheres, pensamentos tão nefastos quanto qualquer modo de escravidão: “Por que ela não vai lavar uma louça para se tornar uma mulher digna?”

Eu vejo muitas pessoas dignificando coisas tão violentas... Não é legal você sofrer para trabalhar, não é legal você trabalhar para sofrer (tá, isso foi papo do primeiro porre). É que tem-se mania, ainda hoje, em achar que o carinha lá suado, carregando peso, martelando uma parede ou catando latinha, como subsistência, é digno e nobre. O machismo entoa: "uma mulher, para realizar um trabalho honesto, tem de ser na cozinha". (Onde parece que é a sua especialidade, prática de magnânimo orgulho). Ademais, aquela que vive da arte, por exemplo, reforçam os machistas: "não é uma pessoa lá tão admirável assim, porque deve ser tudo drogada, de vida fácil. Trabalham à noite, com vagabundos...".

Degustar as “corretas” palavras de pessoas “maravilhosas” que “entendem” tudo sobre trabalho e dignidade, moral e ética, quando dizem que “fazer trabalho sem suar, não é trabalho. É a inutilidade de um salafrário”, é indigesto! Desses ofícios que citei acima, não me refiro a eles sob o olhar de não se orgulhar em fazê-lo. Não! Pelo contrário! Deve-se realizá-lo com um propósito maior, salutar, com amor, ao coletivo e não como um meio de se ganhar um trocado do "sinhozinho", ou em troca de um prato de comida, ou somente para mostrar a uma parcela da sociedade que está trabalhando para não ser tido como bandido. Ninguém precisa provar nada a ninguém. E volto ao papo do porre número 1: Prato de comida, é obrigação estar na mesa de todo e qualquer ser humano, ou melhor, alimentar-se é um direito sagrado, natural a qualquer ser vivente.

Qual prazer o camarada sente quando se depara com outro, carregando saco de cimento debaixo do Sol, catando lixo, capinando um terreno? Tudo bem, isso é trabalho, ok? Não estou aqui para dizer o que é digno ou não; o que é o trabalho perfeito, ou um trabalho desmerecedor. Não! Cada qual sabe o que faz. Acrescento que qualquer trabalho nada mais é do que a venda de sua força. Mas não é isso… Pois me flagro em situações, provenientes de algum desalmado, incitando a um coitado, muitas vezes desempregado, geralmente baixa renda, pobre, desocupado, que este vá varrer um quintal, lavar um carro, ou um banheiro. Que caralhos a pessoa tem de pensar que trabalho é modo de servidão? E o pior: lavar, varrer, martelar, sofrer debaixo do sol, em troca de que? Em troca de nada, óbvio! Pagar bem ninguém quer? Contratar, CLT, sindicatos, benefícios, qualidade de vida, ninguém oferece, né?

Tirando o fato do camarada estar sem fazer nada, ou se faz algo que lhe convém, ou da menina que quer se expor e fazer disto um meio de lucrar, o trabalho sem receber nada justo em troca é uma oportunidade da classe social abastada anotar na sua agenda de que estes são vagabundos. Daí surgem as poesias "vai trabalhar, vai encarar um tanque cheio de louça; por que não varre um chão?". Então, trabalhar de graça é digno, é honroso e ficar sem trabalhar, ou ficar parado é coisa inútil? (Estou vendo que não saí do porre nº 1). Assim sendo, a servidão é o dilema da escravidão moderna. Ou seja, servir a outrem é um ato de pura integridade. Agora, receber por isso... "Bem. Veja bem... Eu posso lhe oferecer almoço como forma de pagamento ou, lhe dou direito ao consumo de algum serviço" e etc.

Concluo que, quem pensa assim é o verdadeiro preguiçoso, desgraçado, capitão do mato. Se o carro está sujo, o dono do carro que o lave, oras! Não se precisa de um despejado para isso. O mato cresceu? O dono do terreno que o capine, ou limpe, oras! E não uma mulher que está sem fazer nada. Pois ordenar qualquer caboclo dar um trato no quintal, acaba sendo o preguiçoso, na verdade, o mandão. E ainda possuem a petulância: "Não estás fazendo nada! Tá reclamando de que? Pelo menos está 'trabalhando'". Na verdade a veia escravista desse desumano, em estar vociferando a alguém sem trabalho, estafado, como se fosse um coronel tratando com seu escravo de estimação, está exposta e jorrando sangue azul. Se vê o racismo e o escravismo estalando na alma de pessoas assim, infelizmente. Atualmente, se deparar com comentários desse tipo é repugnante. Comentários tão normais, para quem o produz, de subserviência, de humilhação ao próximo, que chega doer os ossos. E tal atitude, geralmente, é voltada a um negro, à mulher, ou alguém das camadas mais baixas da classe social, desprovido de qualquer fortuna. Lamentável!

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