A busca do rigor e o estilo
A busca do rigor e o estilo.
“Os discursos que determinam o estatuto e o objeto das artes não são unânimes nem constantes. Sua segurança enquanto critério de julgamento já pode ser, num primeiro tempo, questionada: eles podem ser contraditórios tanto na atribuição do estatuto da arte quanto na determinação da hierarquia”. (COLI, JORGE. O que é arte. Ed. Brasiliense: Sao Paulo, 1995).
Há de fato, uma noção, em certas obras, seja cinematográfica, seja musical, ou visual, de permanência de estilo, ou padrão e há também uma notória evolução ou, qualquer modificação, no trabalho de algum artista. Cada qual possui suas peculiaridades, seus estilos e, por gosto, tradição ou orgulho, os mantém até o fim. Há outros que naturalmente mudam suas linhas, suas percepções, mas isso não pode ser visto sempre como ruim ou, em contra partida, como algo evolutivo. É uma situação neutra. Alguém que foi se deixando levar pelo tempo, por sua era, ou influência de novos artistas.
Sobre a citação de Jorge Coli, há de se concordar que o julgamento na arte pode ser contraditório e pecaminoso na questão hierárquica. Então a crítica, ou algum critério de julgamento, também deve ponderar ao que é permanente, ou o que veio a ser um ato contínuo, harmonioso, que deu luz à uma grande novidade. Há sempre dois viés que precisam ser analisados com minúcia. É algo um tanto paradoxal, pois a arte se define, digo superficialmente, em manifestação/ expressão da subjetividade humana, ou pode-se dizer, uma atividade realizada de forma consciente, controlada e que seja coerente, racional. Tudo bem que não é qualquer coisa que pode ser tida como arte, mas o que pode ser considerado arte? O belo, o perfeito, o agradável? Por isso esse complexo em dizer que tal obra é melhor que outra, ou mais bonita; que o trabalho de um artista é pobre em detalhes etc. Mas ainda assim belo ou não, não a arte não seria a expressão da cultura, a imaginação humana que ganha forma?
No exemplo da arte cinematográfica, temos filmes de alguns diretores que trazem suas marcas registradas. Jorge Coli cita Alfred Hitchcock. O diretor possui estilos próprios em seus filmes. Elementos que são suficientes que não nos deixa dúvidas sobre seus trabalhos: “esta obra é de Hitchcock”. Enquadramentos, música, atmosfera, etc. O mesmo se dá com outro diretor que, particularmente, aprecio muito: Woody Allen. Seus filmes são carregados de diálogos, muitas críticas, psicanálise e cotidiano; outro ponto que é sobre uma questão mais técnica: há um estilo de filmagem que só ele possui. É sua “identidade visual” (estilo). Sabe-se de cara que o filme é de Woody Allen. Há filmes em preto/branco, outros “carregados” em sépia; os cenários, por ele escolhido (marca registrada), romantizam qualquer situação, além do estilo de comédia que também é de praxe (e, diga-se de passagem, seus filmes ficam melhores à medida que ele envelhece). E o que falar da “fotografia”, ou as cores do cinema de Almodóvar? Todos testes diretores têm seu brilho, seu aspecto, mas nem por isso, um é melhor que o outro. São apenas visões de mundo, do abstrato, ou de uma sociedade, de um indivíduo, de formas diferentes.
Apesar das marcas diversas deixadas por cada diretor, há neles também um amadurecimento, uma evolução, conforme o tempo vai passando. Isso é natural. Todos nós, enchemos-nos de informações. O mundo a cada dia, parece uma máquina de fazer novidades, criar coisas e situações novas. Não há como parar no tempo. Se não pode considerar evolução, pode se dizer que seja uma inspiração, um propósito maior, que tenha levado o artista a experimentar um estilo diferente, que tenham deixado suas “marcas” de lado.
Além da citação no primeiro parágrafo deste texto, há outra importância sobre um trecho de Jorge Coli, na página 24, que é o fato de uma obra ser tida como melhor que a outra, eis: “além disso, a própria idéia de critério aparece como um esquema que perturba nossa aproximação da arte. Sabedores de que Calixto é menor do que Leonardo, dispomo-nos sumariamente a exaltar o segundo e a menosprezar o primeiro”. Diz mais adiante o autor, sobre o discurso da arte crítica, que esta carece objetividade. Com isso a crítica em si, ou até os apreciadores da arte em geral, buscam, frequentemente, por um rigor de estilos. Isso pode engessar a arte, ou a crítica que se faz dela.
Mudando o foco agora para a música, a presença de estilo, ou dessa insistência em alguma peculiaridade, se torna mais fiel. Exemplo, uma banda de rock, ou um trio musical regional, um compositor de samba, costumam manter seus estilos até o fim. A inconfundível guitarra de Carlos Santana, e também de Pepeu Gomes; o acordeão de Luiz Gonzaga, o rei do baião; o violão no samba de Agenor de Oliveira, Cartola. Mas não podemos dizer o mesmo do maestro Villa Lobos, que atravessou períodos diversos do país, inclusive regiões do país, onde a cultura era distinta uma da outra, e escreveu obras desde o modernismo, impressionismo até o popular, chorinho e samba. Desta forma que é dada a existência do estilo.
E por falar em estilo, de onde ele surge? Foi inspirado, ou serviu como inspiração? Pode-se dizer que Villa Lobos, se inspirou em algum compositor clássico, ou sua genialidade (que é fato), nasceu consigo? Luiz Gonzaga e o mestre Cartola, por exemplo, não tinham noção nenhuma de teoria musical, este último, mal sabia afinar seu violão. Foi através de Villa-Lobos que, então, Cartola passou a afinar seu instrumento através de um diapasão. A composição de obras tão lindas, letras tão sublimes e melodias, harmonias tão doces. Como pode, sendo que este homem só tinha concluído a antiga primeira série? E além disso, Cartola não sabia afinar um violão? Não! Ele não sabia. O sr. Aluísio Dias (1911 - 1991), violonista e compositor da velha guarda da Mangueira, cita uma situação entre Cartola e Villa-Lobos, reforçando a falta de conhecimento teórico do artista do morro da Mangueira, em (PAZ, Ermelinda Azevedo. Villa-Lobos e a Música Popular Brasileira. Uma visão sem preconceito. Rio de Janeiro, Arte & Cultura Produções LTDA., 2004. 1ª edição, pág 84):
[...] O maestro aceitava o Cartola como era e admirava muito suas músicas. Ele ouvia o Cartola e dizia: ‘Mas como é que pode, às vezes está tudo errado, mas é tão bonito.
Como Cartola sabia que estava bela, a sua canção? De onde vinha seu estilo? Realmente, há inspiração, há uma série de apanhados de estilos, que podem se mesclar num só. Seria o caso de Cartola, e/ou Luiz Gonzaga?
O estilo, portanto, deve ser algo imutável? Ou mesmo que não se queira, ele se altera naturalmente com as épocas, com as culturas? É algo que se deve considerar. E é bom lembrar, Jorge Coli, novamente, na página 28, “...a obra de arte não se reduz ao estilo”.
Gostaria de expressar um fato pessoal, e apesar de não ser nada formal, ou profissional, nem de nenhuma excelência, mas na questão da composição (arte escrita), e visual (a pintura, desenho), eu, particularmente, por experiência, não obtive nenhuma influência artística, tanto para escrever, quanto para desenhar. Seria uma influência metassensível, ou metafísica, segundo Platão?
Um profissional, amigo meu, desenhista, disse que minha “técnica”, ou “estilo”, seria a de “desenho acadêmico”. Eu nunca soube o que era este estilo. Há pouco tempo uma amiga pediu sua caricatura, eu não soube fazer, então a desenhei no “meu jeito”, e ela como já tinha noção de desenhos, à mão livre, me disse: “fizeste um desenho artístico. Podes se dedicar ao realismo, terás excelentes resultados”.
Eu possuo um estilo. Isso é fato. Mas será que amanhã, ou depois, conseguirei realizar um estilo diferente de desenho? Com treino, sim. Mas serei influenciado por algum artista já consagrado? E isso, por acaso, reduzirá o meu estilo de fazer arte, ou seja, a influência piorará minhas pinturas? Eu percebi que pude evoluir, na questão estética. Então, uma questão: isso, pode fazer com que minhas obras, humildes desenhos, sejam considerados obras de arte?
Ou, por exemplo, na arte da composição. O que escrevo será que é uma influência, uma cópia de algum autor? Mas como se nunca li nenhum poeta, ou texto lírico? O que classifica o que escrevo como poesia? Enfim, são estilos e análises, discursos que determinam o estatuto e o objeto de arte ou, um critério de julgamento por parte de um especialista, é quem podem definir mais acuradamente.
Há também o senso-comum, que pode aceitar o que é arte ou não, dependendo do impacto que a obra cause. Isso dependerá muito do rigor com o que é medido uma obra de arte e a afeição, ao estilo de cada autor, perante seu trabalho. Arte: expressão de emoções e idéias... À ela, caberá o período, as circunstâncias - presentes em cada cultura -, a questão estética e a sua real intenção de fato. Ela é dual, pode ser e não ser ao mesmo tempo.
Referências bibliográficas:
COLI, JORGE. O que é arte. Sao Paulo, Ed. Brasiliense, 1995. 15ª edição.
PAZ, ERMELINDA AZEVEDO. Villa-Lobos e a Música Popular Brasileira. Uma visão sem preconceito. Rio de Janeiro, Arte & Cultura Produções LTDA., 2004. 1ª edição.
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