quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A orquestra do Maestro Silêncio


Um casebre em um paraíso. Mais ninguém. Nenhum bípede. Exceto eu e uma abelha. Ah, havia o Sol. Era o que mais se contava de "tecnológico", irradiando intensamente sua luz, e junto com um gerador de energia elétrica, para as frias noites. Um lugar isolado. Não só verde e azul, havia também o branco diante dos meus olhos. E tudo muito gelado. Mata, árvores, um céu infinito e um lago... Neve ao longe no topo das montanhas, que enormes, imponentes, se erguiam a frente. Algumas nuvens cobriam suas pontas, mas tão gigantescas, tão volumosas, que deveria se inventar um novo nome para aquele tipo de branco, tão puro, uma nova cor. 

A Patagônia chilena é realmente incrível, é mágica, surreal! Tudo lá é de tal maneira, porque não há as mãos dos homens, não há nem sequer algo que o ser humano tenha pensado ali e criado. Mesmo que existisse tal quimera, não há nada no lindo lugar com a força ou o pensamento humano. Nada que o homem tenha feito naquela paisagem, naquela natureza ali.

Então, dentro do recinto, fazia silêncio, mas nem tanto: o barulho que vinha do gerador (que só podia ser obra humana) não parava. E se mantinha numa vibração sonora no tom de Sol maior, que é percebido na música em geral. Notei, também, que a abelha, sobrevoando minha cabeça, fazia um tom de Si maior. Passava por meus ouvidos um longo “Sssiiiiii…”. Para completar, ao fundo, Vivaldi, um concerto para cordas, em Ré maior, (RV 121), - graças a ajuda do gerador. Assim, formava-se, então, no ambiente um lindo acorde de Sol maior. Um gerador, uma abelha e Vivaldi. Sim eles tiveram algo em comum. Três tons, em alturas distintas, sobrepostas, soando perfeitamente no espaço - a Patagônia permite esse universo.

Tudo perfeito, sincronizado, harmônico, orquestrado… Porém Faltou luz! Não! Não a do Sol, que nos aquece e sim a do gerador - que nos satisfaz com prazeres mundanos e modernos. Então, o silêncio se instalou em definitivo. De forma justa, é claro. Como que retomando seu lugar na natureza, que já lhe pertence de praxe. A abelha, ciente da imposição aplicada, pousou, e pôs-se a escutar o "nada". Eu apenas respirava.

Ambos, eu e a abelha, buscávamos algum ruído, alguma coisa, um farfalhar qualquer que fosse. Nada! Silêncio absoluto, completo! Impressionante! Eu nunca havia ouvido um silêncio tão... Ou melhor, eu nunca havia ensurdecido daquela maneira. Eu tive medo em falar qualquer coisa, pois o silêncio era imponente, digno de profundo respeito e obediência. Creio que a abelha, coitada, não queria ser descoberta, em seu canto e por lá ficou.

A bichana, passados alguns minutos, naquela calmaria toda, dormiu. Pegou no sono. Roncou! Aquele “zi… zi…” começou a me incomodar. Eu fui lá acordá-la, mas ela, por algum fenômeno que possua, acordou antes de eu chegar. (É assim com humanos também, estudos devem ser feitos). Eu não ousei falar nada, mas arregalei os olhos e cerrei os lábios, encarando-a. Ela, retrucou se enchendo de ar, e soltando, repetitivamente apontando para mim, - reclamando de minha respiração. Ou seja, eu também a incomodava.

O silêncio então, ciente de nosso respeito e devoção, propôs-nos: permito-lhes sonoridade, porém, que me agrade. A abelha congelou! Tadinha, suas luzentes cores pretas e amarelas, ficaram cinzas e brancas. Eu virei pedra e fiquei roxo, prendendo a respiração, de tanto temor diante do desafio. O silêncio deu-nos uma dica, anexando um ultimato: “apenas sejam; façam!” 

A abelha voou… Eu fui atrás dela.

Já fora do casebre, sob um céu extremamente azul, pisei descalço uma grama pouco úmida e fresca. Respirei fundo, sorri e "cantei". Como que em sussurros. Balbuciava qualquer coisa. Corri para a parte mais próxima ao lago, que repousava no centro do vale e onde a vegetação era mais alta em seu entorno. Meus passos se tornaram rítmicos, ao pisar em folhas soltas, no verde campo que se abria à minha frente. A abelha, muito feliz, voava cruzando meu caminho, alternando a força aplicada em suas asas, tornando um zumbido diferente a cada vez que por mim passava. Algo como um "zi... zom... zum...". Arrisquei um assobio, e lembrei-me do recado: “apenas seja”.

Após uma melodia esboçada com o sopro entre meus lábios, decidi solfejá-la: “lá, laia lalá…” Mesmo sem saber o que cantar, vi que não precisei falar qualquer palavra, pois, quem precisava ouvir a língua dos homens naquele paraíso? E assim decidido, mais leve e em outra dimensão, cheguei à beira do lago, do gélido lago. Não supus adentrar-me, mas mexi em sua borda com os pés. As águas respondiam, suavemente, num doce e sonoro movimento, semicircular, até desaparecer no meio do lago.

A abelha pousou em meu ombro e, maravilhada, me disse: "amigo, eu trouxe a brisa!" Todos entramos em êxtase… O som daquela tenra brisa tocando nossos ouvidos. Um sopro acalentador passando levemente por sobre a vegetação, às folhas das árvores… Tudo tornou-se novamente um esplêndido agrupamento sonoro, uma sinfonia perfeita. 

Ali a música mais bela. Essa união mágica! Essa natureza maravilhosa, onde eu e minha nova amiga, a simpática abelhinha, nos tornamos importantes músicos. Fizemos parte de um todo, dessa orquestra, que, diga-se de passagem, perfeitamente comandada pelo Maestro Silêncio. Basta estar em paz, atento, interligado ao ambiente, que ele chega e dá o tom. Afinal, antes de qualquer barulho, há um natural silêncio.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Um dia, um fantasma

(Ilustração do filme "Os Caça-Fantasmas III" para servir de contrapeso)

Um dia qualquer eu peguei no sono
Sono profundo
De repente me abre uma imagem: 
Eu me olhando, me encarando no espelho do banheiro
Seria um sonho? 
Que medonho! 
Seria sim um pesadelo…
Fiquei poucos segundo me olhando 
Então uma transformação foi começando
Tão depressa que de pronto me assustou
Eu passei de um belo rosto jovem a um rosto velho
Assustador demais! Cadavérico... 
Rugas, tão profundas, iam talhando-me 
Meu rosto, nova expressão foi tomando
Em apavoro, eu fugi da frente do espelho
E me afastando, a partir dali, começou algo a fazer sentido
Eu não pisava o chão, não caminhava, 
Ou, pelo desespero no momento, eu deveria estar correndo, mas não… 
Levemente eu me deslocava
Tão sutil que como se eu não me saísse do lugar
Mas a tudo eu podia alcançar
Olhei onde deveriam estar minhas mãos 
Não conseguia vê-las 
Meus pés… Nada, somente o chão 
Só via o que de material existia em meu apartamento 
Me senti leve, uma fantástica sensação 
Sem dor, sem preocupações, sem angústias, sem sofrimento
Não havia o medo do amanhã e o remorso do passado também não 
As dores físicas, o peso do corpo, as batidas do coração… Não mais
Havia tudo morrido 
Apenas algo permanecia, isso eu não tinha perdido
Não sei definir
Eu apenas flutuava, de verdade!
Finjamos que somente meus olhos e meu cérebro estivessem ali
Óbvio, porque eu pensava e sentia vontades 
Uma delas foi a de acordar meu marido
Eu sabia que ele se encontrava na cama
Fui até meu quarto
Eu queria estender-lhes as mãos,
(Mas eu não as tinham)
Lhe chamar, lhe acordar...
Era tudo em vão
Não conseguia soltar um ruído sequer
Nem forçando muito a mente
Uma tentativa inútil, incoerente
Então a única sensação triste foi a da despedida
Esta eu não ia poder realizar
Olhei para trás a fim de meu corpo encontrar
Nele me apoderar
Retornar ao quarto, abraçar ao meu amado
Beijar-lhe, tocar seu rosto, suas mãos um bocado
Dizer o quanto amo e que nos veríamos em breve
Mas não: fui deixando tudo inclusive minha consciência
Fui embora muito leve
Tudo foi embranquecendo, tamanha eminência
Por algo fui muito grata, de verdade:
mereci um último suspiro que valeu por toda eternidade

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Da morte...


"O conhecimento, ao contrário, bem longe de ser a causa do apego à vida, atua em sentido oposto; ele revela o pouco valor da vida, e combate, desse modo, o medo da morte. Quando prevalece o conhecimento o homem avança ao encontro da morte com o coração firme e tranquilo, e daí honramos sua conduta como grandiosa e nobre" (SCHOPENHAUER, Arthur. Da morte. Martin Claret. 2001. p. 26)


A vida é complexa, irracional, não se estuda a vida, o nascimento, não se pensa sobre isso; do contrário a morte é a musa inspiradora da filosofia e de todas ciências. O fenômeno da morte é o que move. Há quem tente eternizar a vida, evitando a morte; artistas se expressam, muitas vezes, com intuito de se perpetuar de alguma forma, como um símbolo ante ao perecimento. 

A Vida é amarga, cheia de altos e baixos, indefinível, pois uma vez vivos, não sabemos o que virá pela frente, infortúnios, doenças, e por fim, o medo máximo, a morte. 

Mas aquele que a teme, é um fraco. Um indivíduo irracional. Do contrário, quem a espera tranquilo, lúcido e com o coração firme, este é especial. Digno da razão. Este enfrentamento se dá somente pela razão. Essa razão supera a vontade da vida, essa essência. 

Da vida pode-se dizer que já é vontade do nosso ser. Não se tem uma razão por ela. Buscar a razão da vida, estando vivo, é o mesmo que a hélice do ventilador se achar o próprio ventilador (lembrando que hélice nenhuma se moveria a não ser pelo motor e a eletricidade).

O conhecimento sobre a vontade da vida, princípio da nossa existência, é desprezível. Não é o amor à vida que nos mantém felizes, mas o medo da morte. (Não é a luz que vive por si só, e sim a escuridão; não é o som que é eterno, e sim o silêncio). Então, cada dia vivo, uma vitória, e vitória, gera satisfação. 

Se há medo da morte, qual o porquê do valor à vida? O medo prevalece, o medo é a razão. E essa razão, o conhecimento, não dá a noção do sentido da vida, pelo contrário, nos dá ciência da morte. E este é o rotor, o que nos move, o que nos, paradoxalmente, mantém vivos.

Mais uma coisa, sobre o "não-ser". Voltaire e Sócrates alegam que seria preferível não existir, caso tivéssemos (o ser humano) essa escolha entre viver ou não existir. Deixam, eles, dessa forma, a noção que a vida é complexa, sofrível, chata e amarga: 

"... pois o valor objetivo da vida é bem incerto, e é pelo menos duvidoso se a ela, a vida, não seria preferível o não-ser [...] Vá bater nos túmulos e perguntar aos mortos se querem ressuscitar: eles sacudirão a cabeça em movimento de recusa"



segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Espere!

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O cidadão do século XXI se tornou um super-herói. Não um super-homem, aqueles com poderes como força, raios ou supernova, nem um X-Men mutante, (nem muito menos o ubermensch, o super-homem de Friedrich Nietzsche), mas o homem com o poder da velocidade. O “Flash”. Tudo se é feito “para ontem”. Não se pode tardar. É uma corrida contra o tempo. Um tempo surreal, diga-se de passagem, tornando o indivíduo em máquina. Parece que a mente humana tem de acompanhar a tecnologia. Vide os anúncios: processadores, memórias, internet, microondas, impressoras, tudo, a cada dia mais rápido. Claro, ótimo! Se a máquina funciona desta forma, maravilha! A máquina… Só ela, ok?

A cultura da indústria e da mídia, associa, de alguma forma, o cérebro humano ao avanço tecnológico. Claro, médicos devem saber operar, utilizar instrumentos, assim como engenheiros também, conforme surge uma nova tecnologia, ou algum novo instrumento, e para isso há exigência de estudos, atualizações e tudo mais. Mas é um trabalho cerebral (vamos assim dizer) em uma área específica. Um foco numa região, uma luz em uma determinada área, e isso pode se chamar ciência. Isso é salutar, desde que não seja algo massivo, claro!

Seja na área humanas, saúde, ou exatas; seja o cidadão que for, - até mesmo o médico ou engenheiro, quando não estão, também, em seus devidos ofícios - todos sofrem esta “cultura da pressa”, todos encontram-se completamente inseridos neste caso.

Tudo é movido à pressa. Tudo é muito corrido nesse mundo... (Coitado do motociclista que faz entregas). Não me refiro somente à pessoa querer ganhar a corrida contra o fenômeno tempo, não… Me preocupa, também, a quantidade (e a qualidade) de informações por nós recebidas (e enviadas). Isso que é o agressor principal do cérebro humano. Tudo é informação. Tudo é corrido. Tudo é um complexo.

Apesar de haver uma ordem no mundo, - na natureza - existe, também, um caos pairando por sobre nós. Estamos vivendo em um caos de informações. Querem (a indústria, a mídia) controlar tanto as coisas, que acabam deixando tudo em desordem. Querem tanto nos manter informados, nos dar conforto, que acabam trazendo o apocalipse para nossas vidas.

A rotina de sair de casa e ir ao trabalho, por exemplo, se tornou algo tão surreal, que você penetra num universo tão caótico e bizarro que às vezes é de se refletir que um consumidor de drogas sintéticas está mais inserido na realidade e no bem-estar do que uma pessoa “limpa”. A gente passa por tanta coisa, vê, olha, ouve, escuta, sente, se atenta, se desespera, se cuida, se previne, calcula, pensa, repensa, se lembra, se emociona, se irrita, se alegra, que… Ufa! É melhor viver no “mundo sintético”. O que é gasto de neurônios com essa “ida ao trabalho pela manhã”… Se a pessoa gastar o que gasta nessa brincadeira ai, apenas focada numa experiência com física quântica, estaria apta a criar um novo planeta Terra, com um novo Sol e Lua (risos).

Nada comprovado cientificamente, óbvio, apenas uma descontração, mas realmente há uma preocupação no dia-a-dia de uma cidade grande. Vejo sim um problema no complexo e na quantidade de informações a nós impostas.

Problemas cardíacos e estomacais, apresentados hoje, - se buscar mesmo a origem dessa doença - irão apontar para outra doença: a mental. Sim! Problemas de estresse, depressão e etc, causam “ferimentos” na matéria; refletem em órgãos mais importantes do corpo humano. Má digestão, por exemplo, pode estar associada à pressa maldita que alguém tem da vida: o almoço atrapalha às coisas mais importantes (fúteis) do cotidiano da vida moderna. A ansiedade, de repente, por concluir algum trabalho, algum projeto, devido à cobranças, ou até mesmo a imposição que a mídia faz ao cidadão, - que o coitado “tem que ter”, “tem que possuir”, “tem que lutar”, pode vir a afetar o sistema circulatório.

A vida não é mais vida, propriamente dita. A vida é luta, guerra, conquista. A “ganância”, palavra e atitude ruim, que até outro dia soava como um desejo exacerbado por algo, hoje se tornou tão normal que é igual unhas nos dedos. O cidadão hoje é desesperado, mas não tem noção.

O que me fez digitar essa “trozoba” toda, foi para falar sobre a espera, na verdade. Até quando se digita, para busca na internet, a palavra “espere” o site de busca lhe mostra imagens e dizeres se opondo: “Não espere”. Nem os bits, nem a internet, a tecnologia gostam de esperar. Claro foram criados por humanos, humanos não podem esperar. Digite “espere” e busque por imagens… Encontrarás algumas resistências, mas haverá um bom punhado de imagens apressadinhas solicitando “não esperar”. Não esperar o que, por que? Quem quer esperar ou o que quer esperar não pode? Qual é a desta imposição? 

Esperar (transitivo direto, transitivo indireto e intransitivo), não existe mais para a mulher, ou o homem moderno. Este ato, este verbo, é indigno. Quem espera é desprezado; quem se adianta, se apressa é benquisto. Claro, ninguém gosta de atraso, ou de ausência, de fato, num encontro, por exemplo. Mas isto está envolvido mais com moral/ ética de alguém do que a opressão que este mundo moderno está fazendo ao seu habitante.

O instantâneo é uma virtude. O esperar morreu e foi esquecido… Ninguém mais quer ouvir esta palavra, ou saber de alguém que “está esperando”. Esperar… Mas tem aí, dois sentidos, dois pontos de vista. Vejamos... O ato de se esperar, que causa repulsa a uns, está se tornando um bom viés para outros.

Algumas pessoas estão recorrendo à “espera”, como uma alternativa, uma dose diária de virtude, de bem-estar. Antes havia meditação, yoga, tai chi chuan, chá, sauna, massagens… Não! Hoje basta sentar e esperar, algo, ou alguém, que… Pronto! Renovado, relaxado, mundo caótico esquecido por alguns minutos, ou horas.

Sentar e esperar parece, no mundo moderno, ser a solução, a fuga, para muitos problemas. É andar na contramão da correria desenfreada imposta por indústrias em conluio com meios de comunicação. “Tire 30 minutinhos, 1 horinha para esperar e veja o bem que esta espera lhe fará”. Novo slogan do mundo moderno. Chegamos a este ponto… Pois é! “Esperar”, agora é um meio que se encontraram para fugir do mundo bizarro, atroz, que foi criado por pessoas insanas e egoístas.  O que era uma coisa comum, como unhas nos dedos, agora se tornou uma jóia rara e preciosa. Agende com seu médico, ou com algum serviço no setor público/ privado e espere… Espere, que faz um bem danado.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Seria um sonho a felicidade?


(Não sei se defino como pesadelo ou um sonho)


Eu estava escrevendo meus humildes textos, - essas rimas que alguns a definem como poesia - e quando terminei, um senhor, com vestes estranhas, barbas longas, chegou ao meu lado e pediu para lê-lo:

- O que tu escrevestes aqui? Mas que horror!

- Considere... Não sou profissional... Nunca nem estudei para tal.

- Esta segunda estrofe aqui, não condiz com o "ser" e o "um"... - dizia o senhor. 

Ele falou, falou, falou e eu não entendi duas palavras ligadas uma à outra. O cara parecia falar grego. (Ah e por falar em grego, o homem se apresentou, após as críticas. Era ninguém menos que Aristóteles. Mas como era um sonho, ele se expressava em português mesmo). E continuou... Ele simplesmente escreveu um livro, a partir de teses e antíteses baseadas na minha pobre poesia... Seu livro se chama "Metafísica". Só o título já é de difícil compreensão.

Enquanto debatíamos, eu me defendia, óbvio. Eu me expressava, em forma de poesia, sobre mim mesmo - e que não era lá aquela poesia. E somente eu, creio, posso falar o que sinto e que, de fato, eu sou e, ao que me conecto. 

Quando percebi que Aristóteles estava chegando a uma conclusão sobre meu trabalho, - que é uma vitória para mim, realmente, pois filósofo que é filósofo, grandioso, é aquele que pensa, pensa e não se chega a lugar algum, deixando sua dúvida (ou suas assertivas) em aberto, e ao longo do infinito ninguém também consegue defini-la -  surge, do nada, seu conterrâneo, Epicuro.

 Este chegou cheio de atitude e me esculhambando, me acusando de faltar com respeito ao tempo e ao prazer. Aristóteles o chamou de louco. E ficaram discutindo, dialogando sobre milhões de coisas. Eu dormi em meu próprio sonho. 

Então Epicuro tratou de escrever o que pensava. Dizia ser uma carta a um amigo seu. Seu rascunho tão logo ficou pronto e posteriormente fiquei sabendo que a "Carta sobre a Felicidade (A Meneceu)" viera deste pequeno encontro em meu sonho. 

Eu fui criticado por Aristóteles e Epicuro, e ainda assim não me envergonho de lançar o que penso sobre mim, como um indivíduo, como “ser” e “um”, aliado à felicidade:

A felicidade é, na verdade, quero dizer, 
ficar, nem que seja por um minuto, 
proporcionalmente longe do prazer.
A medida que dele se afasta, resoluto,
mais feliz se torna o nosso ser.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

E mesmo que eu ande...




Hoje eu andei pelo vale da morte
Não havia só mortos, mas vivos também
Pessoas jogadas à própria sorte
Rostos tranquilos e um solene desdém

As pessoas regozijavam-se
Nem se preocupavam
Havia comércio, vai-vem dos moradores
Ruas, passavam alguns automóveis

No entorno daquela grande vala,
mais acima, grama alta, animais e árvores
E por todo lado, corpos
Vivos e mortos

Era um belo dia de Sol
Céu azul, algumas nuvens
impecavelmente brancas

O lugar era simples 
Construções e moradias organizadas
Muitas pessoas com roupas
e outras uniformizadas
Nada amistosas
Se pudessem me matavam

Minha alma, objeto de negócio
Moeda de troca
Triste realidade
Dos ofícios, o ócio

No centro do pavoroso bairro
Abaixo do nível das ruas
Eis o comprido córrego,
ornado de azulejos brancos,
cruzava toda aquela região
Separando-a em duas:
De um lado céu, do outro inferno
sim e não
luz e escuridão
vivos e mortos

Escadas também azulejadas,
possibilitavam-me a aproximação do córrego
Não se via água pura, muito menos com barro
A cena que vi me causou espasmo:
Um rio de sangue por ali passava
Corpos boiavam, leves e quietos
Outros pesados, imersos
na rubra eternidade como dejetos
Moribundos nas escadas;
mortos nas calçadas
Houve uma chacina
Mas ninguém se importava
Parecia na verdade
nada ter acontecido
Ou houve um suicídio coletivo?

Alguns tentavam reanimar os mortos
Parentes inconsoláveis...
Numa loucura horrorosa
Tentavam desunir o inseparável,
Trazer do além, alguém deplorável 
E da forma mais penosa

A vida é tão banal…
Pouco se preserva
Assim que o bem perde pro mal
Contudo a morte é levada muito a sério!
Depois da dela, há reflexão
Oras… Agora? 
Agora já é tarde!
Por que não cuidar enquanto há vida,
para que tranquila seja a consciência na hora da partida?
Oh, vida banal… Sem valor
Preferem a paixão ao invés da razão:
Atraem para si uma ressaca alheia a dor

No vale da dor, do descaso e da agonia
Eu tive medo, é claro!
Medo de ficar assim um dia
Não só dos corpos cobertos pela morta água vermelha,
mas dos vivos, que se comprazem com ela;
Medo...
Do ser animado;
do humano encarnado;
daquele que trai até o diabo
Medo eu tive sim…
Pois não encontrei isto neles
(Talvez em mim?)
Foi o que mais me deixou apavorado
E que intrinsecamente vi o que sou
A imagem e semelhança do Criador
Ser humano…
Nós quem erramos, ou Ele quem errou?

Não tive pena de ninguém
Mas isso não faz de mim uma pessoa fria, má...
ou sequer inclinado a óbitos
Geralmente sofremos, não pelo próximo,
mas por nós mesmos
O pavor em cair naquelas águas 
Frias, vermelhas
Me tornar um deles
Não poder mexer os braços
Nem pernas
Nem gritar, apenas gritar
Muito menos por socorro 
Pois não há! Não há vida!
Muito menos bondade
Nos empurram ainda mais na descida
Alguns ainda dizem ser caridade

Muito me vi ameaçado
Parecia que alguém me perseguia
Ora me olhando de lado
Ora me encarando ao longe
Como que vindo das matas,
vindo das casas, ou do mar de sangue
Eu tinha de sair dali
O insólito, o esquisito
Como uma mosca, eu tinha de fugir
Para longe das carnes ao molho de vinho tinto
Eu queria, mas não sabia pra onde ir
Poderia eu me perder no caminho
Ou dar brechas para algum psicopata
O que fazer? O que pensar?
Como um lugar desses deixar?
Nao sei, sinceramente...
Mas me pergunto: como é que eu fui parar lá?

“E mesmo que eu ande pelo vale da sombra e da morte”...
Desculpe-me, Senhor
Eu temerei sim a todo o mal
Eu sei o quanto é horrível o vale
E quanto vale a vida
Além do mais,
eu sou frágil demais
E vou além, porém:
vivo ansiando a hora, 
o momento, da eterna partida
Amém!

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

A religião é placebo


Toda  e qualquer forma de religião, - que na verdade foram criadas pelos humanos - agem de forma inerte, ou seja, sem princípios ativos. Não fazem bem, nem mal. Quem acha que sente isso, quem faz algum julgamento da vida que se vive, é o próprio indivíduo. Religião é nada além de "pensamento positivo" e oração. 

Sim, tudo bem! Há excelentes resultados: pessoas que são curadas de grandes males, outras que largam as drogas, se arrependem de crimes, se aceitam e que são inseridas na sociedade com total auto-estima.

Do Latin, "placere", ou seja "agradar". O que vos escrevo, é um tipo de coisa requer que o paciente não saiba que está sendo medicado com algo inútil, ou seja, o nada. Ele precisa ser enganado, para ser curado de uma certa forma, pelo menos psicologicamente. Se ele vier a saber que, por exemplo, um comprimido que ele consome diariamente é um monte de açúcar processado e prensado, nunca iria acontecer qualquer cura, tendo ciência de que se ingere algo que não seja remédio. O religioso precisa ser enganado para achar que leva uma vida feliz. Com isso a criação de mitos e, baseado neles, o surgimento de diversas morais e costumes exclusivos a este tipo de cidadão. Como um remédio sem efeito, que age no psicológico de cada um, ou seja, placebo.

Contudo, como em toda medicação, há o risco do efeito contrário. Se dá pelo nome de Nocebo. Este é o termo para designar sintomas desagradáveis. É aquela situação em que a pessoa se encontra em estado de cegueira, bitolado, ou fanático. O efeito psicológico ao invés de "curar", ou trazer, pelo menos, um conforto, extrapola as expectativas causando algum mal àquele que consome a dose diária de religião. E além disso, tem indivíduos que entram em estado de dependência.

A partir daí vê-se um grande emaranhado de mesquinharia e egoísmo. O indivíduo que PRECISA de religião, porque quer achar que está bem, - quer provar a si mesmo que é uma pessoa boa - aplica doses cavalares dela, acaba achando-se superior e poderoso. O próprio Deus Criador, onipotente. Na verdade, Deus, é sua cria e não o contrário. Deus é invenção do ser humano. E o indivíduo que se diz religioso e aplica em si essa "dose medicamentosa", se acha na razão em se sentir desta maneira. Só que não. Primeiro, porque ele vive em comunhão com demais pessoas. Ele está inserido em uma sociedade multicultural.

Por vezes essa busca incontrolável por Deus, ou pelo fato de estar inserido em religião, possa ser a tradução de alguma fuga. Isso é normal, como já citado: pessoas que procuram apagar seu passado, se redimir perante algum crime, ou precisa enganar as drogas ilícitas, trocando-as por novas, mais salutares.

O que torna uma pessoa se achar como destaque na sociedade? A sua moral, seus costumes, fá-lo-á modelo para os demais? Qual seu poder, para tal? A religião? Tudo bem, suponhamos que sim. Podemos julgar o religioso superior somente pelo fato de ele ser religioso, ok. Porém, dentro de uma comunidade, ou numa convivência entre pessoas diferentes de seu fanatismo, como agirá um cidadão que vive de, somente, religião? E o que acha ele da vida ao imaginar que está vivo somente por causa de suas orações e seres mitológicos? 

Tem fanáticos que juram estar respirando porque alguma coisa, seja lá o que for, assim o quer. Tem gente que acha que só atravessou a rua devido a uma permissão superior. Tem outros que acham que só trabalham, ou conseguiram um, por conta de algum ser mitológico. Eu me pergunto: e aqueles que não conseguem trabalhar por causa de sua cor, ou por causa de sua condição social? Há aqueles que morrem de fome, que passam por extremas necessidades… É justo eles estarem assim por “falta de Deus" em suas vidas? 

Não obstante, existem religiosos, extremamente fanáticos, exemplares seguidores, que estão na mesma situação. Ou melhor, a maioria dos religiosos são humildes e estão na base da pirâmide social. Carecem de, no mínimo, necessidades básicas para sua sobrevivência; há outros que até possuem o básico para subsistir, só que carecem de segurança/ proteção, (não me refiro somente à segurança-pública, mas condições de um bom lar). 

Será que isso tudo é por conta de Deus ou isso se dá devido às nossas escolhas, principalmente no dia das eleições? Deus resolveria mesmo os nossos problemas sociais? (a julgar o tempo que se passou ao longo da história e as coisas só pioram). Praticando nosso dever como cidadão, democracia blá blá blá... há corrupção, violência, maldade… Por que Deus, Jesus, ou algum outro ser celestial não atende aos nossos pedidos? E por falar em política: Toda mazela se findaria com apenas um “confirma” na tecla verde? Nós sociedade, somos o problema. Votando certo ou não. Rezando por Deus ou não. Alguém vê alguma solução para tanta violência e injustiça?

Voltando ao placebo, o indivíduo pode ser um excelente e carismático funcionário, um vizinho, ou pai de família. Porém, no tocante, quando algum assunto, ou situação se alastra para fora dos muros da lamentação, este indivíduo se torna um ser humano igual a todos; nada nele é melhor do que a ninguém. Nem sua fé é melhor ou especial, referente à qualquer outra pessoa. Não é porque uma pessoa ora, que ela vem a se tornar uma pessoa mais forte ou exclusiva. E por falar em oração: ora de um lado, mas maltrata do outro; ora de um lado, mas bate na mulher dentro de casa; ora na igreja, mas não respeita seus próximos no trânsito. Ora, ora, ora, mas comete adultério, quiçá pedofilia (Vide a que ponto chegou o Vaticano!) E também não estou dizendo que o problema da humanidade sejam os religiosos, mas que eles, com seu moralismo e toda a sua soberba, deveriam prestar maiores exemplos.  Só que não. Estes mesmos religiosos quando fica sabendo de algum crime, ou de atitude errônea qualquer de um cidadão, julga como a um psicopata sanguinário, rasgando todas as páginas do seu belo livro, que ensina sobre o amor; quando vê aquele miserável ascender sua posição social, reclama que estão tirando lhes direitos e dando àqueles que nunca se esforçaram - jogando no fogo, seu belo livro, que prega a fraternidade, caridade e amor.

Placebo e nocebo… Na verdade o placebo, sendo algo positivo, é até aceitável, mas o nocebo acaba se sobrepujando ao primeiro e prejudicando àquele que o consome desesperadamente, tornando alguma coisa maléfica numa prática natural. Com isso surge mais ignorância, intolerância, mesquinharia e egoísmo. A falta de interesse sobre outros assuntos que não seja religião, para o religioso, o adoece. Um simples diálogo, por vezes, parece se tornar uma torrente batalha épica, como nos próprios livros religiosos. 

O homem criou seu remédio, mas envenenou-se do mesmo, exagerando na dose. Quando não se torna um cego, fica esquizofrênico, - ou pior, se torna assassino ou suicida. Porém, então você pergunta: qual religioso mata outrem por causa de sua religião? Resposta: Vide a história. Ou, sem precisar ir muito longe, atente-se aos dias de hoje.

Apolítica

Um ato de violência política não revela apenas um crime de uma ação isolada. Ele expõe a fragilidade de nossas crenças políticas. Depois dos...