- Você de novo, não! Eu estava indo bem... - reclamei.
- Pare de dar ouvidos a quem não pode se comunicar. O coração não fala, não pensa, não manda recado, nem ouve. Ele é um músculo que se contrai e relaxa. Só isso! Ele tem uma função maravilhosa por sinal, essencial, mas não se comunica inteligentemente com você e nem com mais ninguém.
- Nossa, mente! Como você é fria, sem sentimento - comentei.
- Nada disso. Eu sou racional. Confesso que ajo, de certo modo, com emoção também. Mas o teu mal é querer dar vida, razão, às coisas materiais, ou a coisas até que não existem e que não têm outra função senão serem materiais; objetos frios, sem vida. Você é daqueles que quer dar vida e movimentos a quadros sobre "natureza morta".
- Mas e o que aconteceu com a Lua, as estrelas…
- Foi natural, não viste?
- Vá-te embora mente tagarela...
E lá se foi ela. Não ouço mais minha própria mente. Só falavam a respiração e o coração. Dois antigos amigos quais passei a dar muito mais atenção. No entanto, descobri que a mente fala muito mais do que se imagina. Ela fala, mas em silêncio - o que é pior. Às vezes nem se percebe, mas ela está lá falando. Quando me dou conta, tem mais duas delas, três, quatro, mil... E tudo começa novamente: um novo universo de vozes, de diálogos, disputas e tudo mais; das vozes, começam as imagens e todo um mundo paradoxal entre o caótico e ordenado, a sua maneira, se abrem. É só deixar a mente falar... Basta as mentes conquistarem seu espaço para falar. Basta uma mente e então começa, nova mente...
Depois que aprendi, através dela mesma, que eu posso ter controle e me tornar "um só" - ainda que eu possua milhares de mentes, sou um só -, notei que por trás disso há um silêncio muito solitário. Ser-um, somente, e não deixar emanciparem-se as milhares de mentes, tagarelas, brincalhonas, racionais, chatas. Por causa disso, pensei em lhe dar mais atenção.
Porque, percebi que é natural, sempre entre um pensamento e outro, por mais que haja mil mentes falantes, há sempre um espaço vazio; um silêncio entre uma palavra e outra. É assim na estrutura do som. Um som ininterrupto, perceptível para nós, ainda assim intercala com o silêncio. Na verdade o som é uma onda. Isto é, a combinação de sinais monotônicos que possuem sua velocidade e oscilação de frequência. Por mais que não detectamos-no, o silêncio está empregado, é intrínseco, na onda sonora. Consequentemente qualquer barulho, ruído, está oscilando ali entre o som e o silêncio. Se propagarmos um "aaaaaaah...", nele possui variação, imperceptível, repito, entre o som e o silêncio. Seja um instrumento de sopro, uma guitarra, um tambor, ou uma sutil corda esticada, quaisquer notas produzidas, oscilam, em ondas, entre o som e o silêncio. Carregam consigo um "espaço vago" em meio à sonoridade. Inclusive, isso é empírico: antes de qualquer barulho, já está presente o silêncio. Ele vem primeiro. Então, imagine uma imensa frase enunciada pela mente, por exemplo? O que há de silêncio nela... Seja entre sílabas, entre palavras e frases. É sobre isso que me refiro, é aqui a brecha! As portas para o controle e consequentemente o equilíbrio. Além de, o meu próprio ser se tornar dono de si mesmo, empoderado a não perturbação mental, se comprazendo com mais silêncio, há também uma imensa e intensa sensação de prazer nisso tudo. Contudo, tem de se tomar cuidado. Eliminando de vez aquela voz da mente, de duas ou até mais delas, haverá lamento.
Visto que, não alcançarei tamanha imaginação que tive há pouco, onde pude projetar um mundo maravilhoso integrado completamente harmônico entre todos os elementos da natureza, todos os fenômenos e tudo que o compõe o cosmo. Como evoluirei nesse sentido, ignorando toda essa ação? Como irei aprender e apreender, criar, elaborar e inovar? Seja através da alucinação, da ilusão, da pura razão, não sei... Sei que tudo o que passei no cair da tarde e com a chegada da noite e a Lua protagonizando todo um espetáculo, foi maravilhoso e salutar.
Percebi, através desta experiência, que minhas mentes e suas respectivas vozes acompanham a Lua, tornam-se mais presentes e tagarelas a noite. Assim sendo, penso em dar mais atenção aos sentidos enquanto reina o Sol, talvez em busca de novas comunicações, novas línguas, novos saberes que me façam inferir melhor, ser induzido às boas ações, quem sabe. Isso pode me ser útil com os estudos. Com tudo mais claro agora, é saber viver mais. Procurar o um-ser-mentalmente no momento oportuno e, com o silêncio participando mais; e em outros momentos vários-ser-mentalmente.
Em respeito disso, parece-me que no silêncio é que se aprende mais, se ouve mais e, principalmente, se destaca, quando em síncopes, tão rápidas quanto à velocidade da luz, aquela única e verdadeira voz: a da razão; a emoção também possui fala, e sua mente é um tanto inquieta, porém, eu estando mais equilibrado e já ciente disso, consiga puxá-la para uma boa conversa com mais sabedoria - haverá melhor proveito.
Com essas medidas, portanto, talvez não haja espaço para tantas alucinações, ilusões, quimeras, leviandades ou irracionalidades que não agreguem, que não se possa tanto aproveitar. Porque a experiência é ímpar, esplêndida! Esse diálogo com minhas próprias mentes, de uma só vez, com todas elas indo e vindo, criando, transformando, confundindo-me o real do surreal... Foi um verdadeiro aprendizado também. Com isso, há que se equilibrar entre o falatório da mente e o silêncio que dela também é imanente. Saber dosar cada um e fazer uso de cada qual no momento oportuno. Da mesma forma como o coração se manifesta: um pulso, um silêncio; um som, uma pausa.
Assim eu devo me inspirar e aprender com ele a pensar a ser, estar. Sei que a mente também irá se aproveitar sabiamente e... Foi ela mesmo, neste momento, quem acabou de me dizer:
- O equilíbrio é a fonte da sabedoria. Ademais, atente-se: o coração responde as minhas inquietudes. Se estou calma, ele reage e pulsa, em conformidade, de forma suave. Ah, tem mais! Solicito os créditos por tudo o que você vai expor.
- Deixe-me acabar de escrever, o Sol vai se pôr de novo e eu ainda não dormi. Você não para de falar, mente!
***
Sobre ontem, fiquei pensando: tive uma alucinação ou será que tudo foi apenas uma fértil imaginação? Tanto uma quanto outra, as duas tiveram de passar pelo crivo da razão ou de algo que em mim é profundo ou distante. Todavia, esteja tão próxima, tão íntima, tão intrínseca, que não seja possível ter ciência a não ser que se desloque para que veja esta razão e dela se apreenda. Só que, estranhamente, nesse se “deslocar” para compreender a razão, terá de se ter uma consciência, uma mente consigo, o que seria algo estranho e paradoxal: ter uma mente à parte para compreender, à distância, a própria mente ou a razão.
O que passei ontem foi apenas o que vi, o que senti e que relatei acima. Se vi com os olhos físicos ou com a pura maestria do labor da mente, não importa tanto. Porque, vejamos, se eu recebi aquela realidade, bem louca por sinal, através das faculdades dos sentidos, visão, audição, tato, olfato, paladar, de qualquer forma foram parar no crivo da mente. Ela ia fazer uma espécie de julgamento, mediante ao espanto ou não, do que estava recebendo do mundo externo. Outra coisa, se foi obra da mente, qual a fonte de toda aquela criação? Qual os motivos para se imaginar um mundo daquele jeito? Pode-se colocar na conta do estranho período em que me encontrava, enclausurado por causa da pandemia, muito pavor com a situação das pessoas ao redor do mundo e etc, além de outros diversos fatores complexos que me compreende como ser humano - o que é mais cabível.
Porque, sendo a questão de uma possível alucinação ou uma real visão: como eu poderia saber o que era de fato o que se configurava diante de mim? Insanidade, sonho ou captação natural dos sentidos? Não sei. O que na hora ocorreu julguei tudo ser real. Interno ou externamente a mim, a realidade - imaginada ou visada -, fora de alguma forma realizada. Tanto é que pude transcrevê-la.
O que aconteceu foi que a minha mente parecia não estar mais nesse meu corpo físico. O que eu pensava, não conseguia associar ao meu corpo e, quando eu queria ser ele, ou seja, trazer os sentidos à tona, nada sentia - não havia resposta. Mas então, eis a questão: quem pensava aquilo tudo, quem percebia e relatava aquelas coisas senão minha própria mente? As coisas pareciam independentes umas das outras. Caso houvesse alguma interação entre ambas, era imperceptível. Eu não estava mais “no controle”. Ah, e para aquele que possa estar imaginando coisas, eu não tive um súbito coma, EQM, nem nada do tipo. Muito menos eu me encontrava bêbado ou sob efeito de droga alucinógena.
A respeito disso tudo: minha mente sou eu, ou não? Porque ela pensa por si. Ou melhor, um exemplo: eu não quero pensar tal coisa, mas acontece ainda assim. Eu até já pensei em não querer pensar tal coisa, mas… Estranho! Porque, eu, Silvio, não queria pensar “tal coisa”, fui taxativo, mas a mente foi lá e me contrariou, foi lá e pensou. Como quem quer dizer, “quem manda aqui sou eu”.
A título de exemplo, em situações como Terror Noturno ou Síndrome do Pânico: tudo o que surte no corpo e que se passa na mente, não é o que se apresenta de forma fidedigna. Os médicos dizem ser apenas coisa da mente. Porém, ainda assim é tudo muito complexo. Porque, tudo bem que o que o corpo esteja reproduzindo, como sensação de desmaio, tremedeira, falta de ar, taquicardia, pode ser alarme falso, ou seja, reação a um falso indicativo da mente. Com isso, por que a mente estaria transmitindo “alarmes falsos” para todo o corpo, com que sentido? Tendo ciência disso, então, durante o terror fica uma luta titânica entre o que posso dizer de mim - dizendo que é tudo ilusório, que não é real - e a mente - que fica mandando alarmes apavorantes sobre a atual situação. Portanto, devo crer que tudo é real sim, está acontecendo e é preocupante. Pois naquele momento a sensação de morte, de desmaio e de angústia profunda, está ocorrendo e não dá para ficar pensando durante o processo, “isto é tudo obra da mente, isto não está acontecendo”. É claro que está acontecendo! O consolo é que este pânico ou terror passam rápido: ora dura mais e é mais intenso, ora é mais curto e mais suave. Mas enquanto estão acontecendo, são horríveis.
Estas questões, posso pensar agora sobre o que se passou no meu quarto ontem, diante ainda de todo espetáculo da natureza, onde que o dia ia se transformando em noite. O que me restava, naquela situação, o que eu possuia como prova cabal, de que havia algo no "controle" durante alguns instantes, era que eu sabia de mim próprio. Menos mal! Ou seja, eu querendo pensar e pensando. Seja contrariado pela mente, seja naturalmente, já era um pressuposto de um eu; de uma mente/ imaginação criativa - seja com o pôr do Sol, a noite chegando, a Lua, todo aquele relato para o lado bom da coisa; seja com o Terror Noturno ou a Síndrome do Pânico, como algo horrível, indesejável.
Ademais, me prolongando ao assunto - espero não estar me deslocando muito dele -, salvo o que Descartes deixou como questão, o fato de se estar duvidando é uma forma de pensar e, em se estar pensando é prova de existência, então, eu existo, tudo bem. Compreensível! Todavia, o meu problema não era o fato de pensar, ou de onde vinha e de como pensar. Independentemente da dúvida cartesiana, a questão era se a mente é externa a mim, se tornar independente e, pior, se tornar mais de uma. E, se sim, se poderiam atuar - estas mentes - ora em comunhão, ora antagônicas?
Em seguida, algumas questões ainda continuam a martelar: o que sou eu essencialmente: sou o que penso independente do corpo? Primeiramente, se penso fora do corpo, para que, então, corpo ou alguma matéria como suporte para o pensar ou para a mente? Nesse caso, seria interessante pensar que a mente precisa ter algum controle, isto é, precisa de matéria/ corpo para se expor, ter um paradigma para que sua existência não passe imperceptível e, acima de tudo, suspeita, mas que ganhe vida e seja observada. A mente é narcisista!
Mais ainda, continuava me questionando: Meu corpo físico atrelado a ele uma mente? Ou melhor, se corpo e mente são uno, estaria eu, sendo enganado pela minha própria mente, sendo levado a crer que ela se separa do corpo e me diz coisas à parte? Bem, sabe-se que a mente burla com frequência. A mente trai, ela engana! Torna algo velho em novo, certo em errado e dá-nos impressões imprecisas e muito mais. Mas, nesse caso, corpo e mente sendo um só, tendemos a perceber coisas, a expor outras e com isso usamos a nossa língua. Objetificam as coisas, é recurso linguístico você “pronominar” entes. Eu sou eu, minha mente sou eu, por exemplo. Mas em determinados casos, talvez inconscientemente dizemos “isso é coisa da minha mente”. Veja, recorremos a um pronome pessoal em terceira pessoa para explicar algo que nos escapa.
Se às vezes a mente nos atrapalha, nos deixa confusos, quiçá loucos (risos) e, também, nos engana, em contrapartida, ela nos ajuda pra caramba: seja em tomadas de decisões, cálculos super rápidos, decisões exatas, seja elaborando fantasias entre outras maravilhas que ela é capaz. Por exemplo, esta mente que vos escreve, ou da qual me refiro, já me salvou de muitas e muitas enrascadas quando eu estava em “apuros”. Quem já passou por um porre de vinho e chegou em casa sem saber como, sabe bem do que estou falando.
Portanto, será que posso concluir que a mente não é uma só - ela é tantas que se perde a conta? No entanto, além disso, ela é também corpo? O corpo, como um sistema vivo, pulsante, desejante, exponente e que age? Só que, em sendo assim, sua “potência de agir” seria o de pensar. Gosto de pensar que sim. Estes dois entes - corpo e mente - como que duas faces de uma moeda, ficam um sobre o jugo do outro, de suas vontades, um atrelado ao outro. Por exemplo, o que o corpo quer como ação, a mente realiza como pensamento e vice-versa.
Mas enquanto escrevo esta asserção acima, a minha mente fica me dizendo: sou livre; independente! Tudo bem… Atendendo aos seus pedidos, penso (ou ela pensa?): se a mente é livre, imaterial e independente de qualquer corpo, então ela pode ser centenas de outras, conforme o tempo e contexto. Ainda que “tempo” para a mente é relativo, pois o tempo para uma mente não é o mesmo para o corpo e suas limitações, ou melhor, o que é possível para a mente, já não seria para um corpo. Não me refiro à mente como divisão matemática, mas como representação múltipla ao mesmo tempo. O que seria impossível ao corpo. E, como consequência, o corpo iria sofrer estas alterações bruscas, estas pressões devido às constantes mutações. Logo, o corpo tende a não possuir tal capacidade e é compreensível sua rejeição a estas questões. O corpo não é ajustável como a mente. Ele possui limitações, diferentemente da mente. Talvez uma grande compreensão do Terror Noturno, da Síndrome do Pânico.
Por outro lado, com a mente livre da matéria, de tempos em tempos, na medida que o corpo possa responder e executar, acabamos nos tornando centenas de personagens conforme as ditas regras da mente. Inclusive, no mínimo, ser dois ou mais atores em tempos diferentes, ou quase simultâneos, fazendo do corpo físico um ator, um ventríloquo. A mente ordena, o corpo obedece. E Só. Sem o vice-versa.
De fato, perceba que ao dar uma topada com o dedo do pé em uma “quina”, não se é mais o “eu” - seu corpo - quem decide que vai gritar de dor e recolher o pé, com as mãos agarradas a ele já estirado no chão, mas a mente é quem toma esta decisão. “Vá, se jogue, faça esta cena toda porque um pedaço de ti está enviando a mim fortes sinais e preciso desfazer-me destes sinais. Logo, tome de volta isto em forma de dor!"