O que a mente disse para mim?

Em meio a esta pandemia, ao isolamento social e toda esta tragédia que assola o mundo, realmente, estou vendo dificuldades em lidar com isso e estou edificando alguns problemas. Não só problemas cotidianos que chegam para somar, uma vez que já estão em vistas de serem resolvidos, mas aqueles problemas que me deixam imóvel e perplexo.

Como estou em meus primeiros períodos na faculdade e meu exercício é, e será, o da escrita, decidi fazê-lo com propósito mais de tirar o peso de certos problemas de mim a ter de solucioná-lo. Contudo, fi-lo com amor e não por obrigação acadêmica ou qualquer coisa forçada, dolorosamente desesperada. Dessa forma, comecei a escrever de uma maneira diferente. Sentei-me diante da janela do pequeno quarto de estudos que tem vista para uma eterna companheira: a Serra dos Pretos Forros.

O Sol já se apressava para deitar-se atrás das verdes montanhas, porque a Lua vinha abrindo alas para a entrada da bela noite logo atrás. Eu ainda tinha tempo para aproveitar algumas horas de luz do dia, então relaxei um pouco. Tentei buscar algo como inspiração e pus-me a apreciar a Serra dos Pretos Forros, algumas nuvens que passavam por ela, pássaros, as cores no céu que iam mudando conforme o Sol se pondo etc.

Comecei a imaginar como era estar dentro do corpo de alguém como um vírus inofensivo e, não só, também passando por entre as milhões de células, tecidos e alguns órgãos. Depois, imaginei-me como seria dentro de uma estrutura como a de uma folha de uma árvore. Como se dá a captação de luz - do mesmo Sol que me tocava -, as trocas gasosas com a atmosfera para realizar a fotossíntese, sua transpiração, gutação, respiração e etc. Me senti tanto dentro do meu quarto, como se dentro de um corpo humano e de uma simples folha de amendoeira. Estaria eu, não fisicamente, em dois, três lugares distintos? Pois, uma vez que me propus a pensar que sou um objeto habitando um outro maior, eu estava de certa forma distante do meu quarto, real posição do meu corpo. Que coisa! Até onde vai nossa capacidade de imaginar, não é?

Retornando ao meu pensamento - como se realmente eu tivesse feito um teletransporte -, de volta a mim mesmo e bem lúcido, olhei pela janela do quarto e avistava a majestosa Lua que já resplandecia, no lugar do Sol, rumo às costas da montanha dos Pretos Forros a minha frente.

A Lua cheia iluminava todo meu quarto. Me levantei e fui à janela. Era incrível! Não havia mais, em mim, a noção de tempo. O meu pensamento já era uma ação realizada. No que eu pensava, acontecia. Não tinha qualquer impedimento contra essa vontade e também controle algum. Quem mandava era a mente. E mais uma coisa me excitava: à vontade de escrever tudo o que eu assistia para fora da janela. E, como o meu pensamento era uma ordem e já executada em tempo extremo, eis que esse conto todo teve início.

Porém, antes de começar, é bom deixar claro que, o que surgia em meu íntimo não era uma vontade seguida de outra, com alguma mínima fração de tempo observável separando-as. Não. Era uma vontade múltipla, simultânea, ocupando o mesmo lugar no espaço-tempo, advindas da poderosa mente. Como se eu fosse um processador de um computador executando diversas tarefas simultâneas em tempo real, sem travar, sem fazer com que a "ampulheta do mouse" surgisse na tela indicando algum atraso. Apesar de todas as vontades concomitantemente estourando em minha cabeça, e eu já sem saber o que eu era de fato, o que me intrigava era a Lua que não parava quieta. Cá entre nós: é bem notório que os astros se movimentam e a terra também; sabe-se que a Terra possui sua rotação e translação, seu peculiar movimento com a Lua, sempre bailando ao seu entorno e fazendo uma excelente e necessária companhia, numa dança elegante pelo cosmo infinito. "Eppur si muove", ou seja, a famosa e controversa frase "mas ela se move". Isso, todos sabemos. Contudo a Lua realmente parecia estar com vontade própria. Eis que relato o que se abria em minha mente ou o que ela recebia diante dos meus olhos:

Em um lindo bailar, a Lua não parava de dar voltas por sobre nós. A Terra já estava ficando tonta de tanto acompanhá-la. O meu quarto, iluminado pela luz da Lua, parecia receber luz de um enorme farol prateado. Muito entusiasmada, rodopiando desvairada, revelava até o seu lado escuro.

No mesmo ritmo, os ventos e as marés tiveram bastante influência nesse tango argentino cósmico. A dança era tão séria que as ondas do mar tomaram lugar das nuvens no céu e as nuvens se assentaram no lugar dos oceanos e, tocando a Terra, disfarçaram e viraram névoa. O sol, coitado, não quis se intrometer e se afastou para mais longe possível, com certeza a fim de apreciar o lindo número que faziam o planeta Terra e a Lua; a dança sem música no espaço parecia não ter um fim. Porém, o saudoso Espaço tinha como finalidade, sim, doar todo seu infinito salão à grande atração do novo casal dançarino. A tudo isso eu, ou minha mente, já antevia a transformação das nossas vidas, diga-se de passagem. 

Sobre o astro-rei, que saíra de fininho, sua atitude gentil deixou-nos com bastante frio. A partir de então, gotas de chuva que faziam o cenário perfeito para este espetáculo, com suas gotículas cristalinas, acabaram por se tornar pequenos tufos brancos. Como se pipocas estourassem no céu e caíssem frias e levemente. Assim elas iam banhando a Serra dos Pretos Forros que, de adormecida, levantou-se para, em júbilo, cantar a todo o espetáculo natural que, em comunhão, fazia músicas soarem nos confins do espaço alegrando ainda mais os dois parceiros dançarinos e despertando outros mais.

Quero registrar que, onde meus olhos podiam alcançar, todos os corpos celestes estavam na cor da Lua. Ela, realmente, a tudo iluminava. Fazendo jus a sua natureza. O contraste do céu profundamente escuro com toques de prata e cristal, remetiam-me a um quadro recém pintado. 

Sobre a Lua, sua cor era natural, ela tinha brilho próprio. Ela não mais era iluminada pelo Sol. Ela estava irradiante. Com isso, gerou-se um furor sideral. Com uma pitada de inveja, as estrelas longínquas se aproximaram devagar, timidamente, e a elas bastavam apenas apreciar os movimentos da majestosa Lua. Dos meus olhos, o que eu via era incontável numericamente e indescritível. Tantas cores, formas, substâncias, objetos, sons, plasmas e etc. Tudo de uma beleza de tal tamanho e magnitude que não me cabe como um mero ser humano tentar explanar. 

Para minha surpresa, e não só para mim, mas para com a natureza que a contemplava também, a Lua, antes de cor branca, passou à prata e depois a auto-colorir-se com outros diversos tons a cada volta que ela dava em torno da minha cabeça. Era despontar no horizonte, que vinha uma surpresa. Sua nova cor a tudo refletia: pequenas gotículas de chuva, em meio aos flocos de neve, o próprio vento, nuvens, as folhas das árvores, os telhados e as longas ruas e estradas… Tudo, pela Lua, iluminados. Por ela, tudo era tocado e refletido de forma mágica. Eu também, e o meu pequeno quarto. Mudávamos de cor conforme as novas e apressadas "fases da Lua". Tanto é que, em dado momento, a lua parou por sobre o centro da Terra, ou melhor, acima da minha cabeça, a 90 graus exatamente. A partir daí, todas as estações do ano se deram em um único e extraordinário momento. As folhas que esvoaçavam-se, ocres amareladas, alguns galhos secos riscavam o céu, assobiando num silvo agudo como alguns fagotes, outros, num tom mais baixo, reproduziam sons de oboés. 

Folhas secas rolavam pelas ruas, ou eram atraídas por algum redemoinho farfalhando-as como chocalhos. Todo esse fenômeno por causa do Outono. E tais folhas e galhos abraçavam-se às novas e coloridas flores que já se encontravam firmes entre outras que brotavam devido à Primavera. 

Com isso, um doce aroma preenchia o ar: frutas e flores davam o ar da graça. O verde das matas escapavam-se e iam de encontro com as ondas do mar; as calmas e claras águas das cachoeiras evaporavam-se e, já no alto, tocavam as aves que sobrevoavam, transbordando-as de felicidade e, com isso, para dividirem suas felicidades, elas despejavam estas pequenas gotículas de orvalho por toda a extensão montanhosa que, de pé, ainda com seus cantos em coral, observavam a tudo; algumas nuvens, ora se abriam no céu, tornando as estrelas e a própria Lua visíveis, tão cintilantes, como pequenos diamantes em noites de verão; ora ventos gélidos, de um denso inverno, acompanhados de outras nuvens revoltas, com raios, trovões, chuvas e geadas, todos se juntavam em torno de si e, como numa apresentação, dançavam para a lua majestosa, imponente, que do alto observava e se emocionava. 

Além disso tudo, ainda seria compreensível todas as estações do ano em apenas alguns minutos? - que, diga-se de passagem, nunca vi um minuto ser tão longo! Parecia não ter fim todo o fenômeno. O tempo, realmente, foi muito relativo nesse sentido. 

E ao voltar-me a apreciar a Lua, via nela tanta alegria que, dela, despejavam lágrimas. Estas ao entrar na atmosfera, transformavam-se em pedras preciosas, tão pequenas quanto areias. Parecia que chovia - aquela garoazinha -, milhões gotículas, porém multicoloridas. E a terra também emocionada revelava-se sua fiel companheira, compadecendo-se em todos os momentos. A terra também chorava torrencialmente. Mas suas lágrimas não saíam da sua superfície, do chão, não. Emanavam-se do próprio ar, da atmosfera e ia em direção, não só à Lua, mas a todos os demais astros que estavam ao redor. E a essência das lágrimas da Terra eram vistas como transmutação de gotículas heterogêneas de ouro, o seu metal mais precioso materialmente, com o petróleo, o seu mais precioso e disputado líquido.

A partir dessa hora tudo parou do jeito que estava. Silêncio absoluto! Eis que minha mente sentou-se ao meu lado para também apreciar o espetáculo realizado pela nossa querida e inseparável Lua e toda a natureza. Olhei para minha mente e tudo voltou ao normal: o tempo a rodar, o som a se fazer o vento soprar, a Lua iluminar… Parecia um momento de despedida entre a Lua e a Terra. Mas não, era apenas um encontro emocionado de dois amigos que a muito não se falavam, apesar de estarem co-habitando o mesmo espaço tão próximos. No entanto, deixamos eles a sós matando suas saudades ou extravasando seu amor. Eis que, inquieta, minha mente cochicha em meu ouvido: 


  • Que espetáculo heim?
  • É bem verdade - respondi.
  • Já tinha visto algo assim ou sequer imaginado?
  • Nem em sonhos.
  • Eu bem sei…
  • Por que é que quando tu, mente, estás longe, trazes-me coisas maravilhosas como estas agora? O que eu fiz para merecer tal espetáculo heim? - questionei. Precisas ir tão longe assim para se inspirar?
  • Você não merece e nem desmerece nada. Você apenas pensa. Além do mais, sempre estive aqui, pertinho.
  • Tu mentes…
  • Não! Eu sou tua mente e nunca minto.
  • Claro que mente! Estás fazendo isso agora. Além dessas loucuras todas com a Lua, com o Sol, com a Terra e toda a natureza.
  • Meu querido - começou ironicamente - você acha que a Lua por si só iria sair correndo em volta do planeta, toda colorida, deixando-o louco, fazendo-o chorar? Fazendo chover terra, pedra, petróleo, ouro e mover montanhas... Você crê mesmo, que o Sol vai se afastar assim a ponto de virar um pequeno pedaço de unha, uma bola de gude iluminada ou um palito de fósforo aceso em meio ao universo somente porque ele quer, ou, simplesmente para te satisfazer? Além do mais, não há mentiras nisso. 
  • Veja bem, minha mente, nem eu nem você somos capazes de tornar real isso tudo, cá entre nós.
  • Por que é que não? Quem lhe disse que não? Ademais, posso adiantar uma coisa?
  • Diga - solicitei.
  • Duas cabeças pensam mais que uma, três cabeças pensam mais que duas; 10 cabeças pensam mais que 9, e assim sucessivamente.
  • Eu não estou vendo tanta gente assim aqui.
  • Somos toda essa gente que você citou. Somos nove, dez, mil... E não se trata de "gente", querido - continuou minha mente -, e você nem nunca há de ver ninguém. Não terás como vir a mim mesma, por exemplo. Não tens como vir a tua própria mente. Ou melhor: você não tem como medir, não tem como contar, saber das milhões de mentes que te cercam, que estão com você, que são você. Não digo "ver" no sentido de poder enxergar, mas digo perceber a mente. No entanto, você é todas elas. Não ciente individualmente de todas, mas és todas e elas são você. 
  • Não creio!
  • Putz… Mas você nunca acredita em mim. Você percebeu todas aquelas estrelas que se aproximaram, que vieram dos confins do universo?
  • Sim.
  • Para cada uma delas, havia uma consciência tua. Havia uma mente tua, tornando-as reais. És capaz! Somos capazes, seja lá o termo que você quiser. Se elas eram mil, eram mil as tuas percepções; mil mentes. Você as quis, as escolheu, as criou, quiçá.
  • Até agora não entendi, mente... Como vocês podem se tornar centenas. Ou, melhor dizendo, como eu posso me tornar centenas de "eu mesmo", ou de vocês? Me expressei corretamente?
  • É isso o que tu és todos os dias. E vou além: é o que tu és a cada instante. Raramente você se torna "um". Um exclusivo, fixo, o único, seja por alguns minutos, seja por horas, dias. Contudo, confesso, um dos raros momentos em que você está sendo "um", é tendo essa conversa comigo. Parabéns conseguiste conversar com teu amigo mais íntimo, com o teu eu, consigo mesmo em sua essência sem filtros, sem barreiras, sem juízos e sem medo.

Depois disso, fez-se um silêncio absurdo. Refleti. Meditei por algumas horas… Ou dias? Alguns minutos? Não sei... Sei que depois de mais alguns longos momentos sozinho e em silêncio, com o braço todo esticado, pude medi-la com meu dedo mindinho: a Lua ia deitando no horizonte por trás da Serra dos Pretos Forros. Ia em paz, cheia, esbranquiçada com suas manchas cinzentas.

Logo em seguida, sem um milésimo de atraso, amanheceu. O Sol veio com uma força titânica. Seus primeiros minutos foram de uma forte cor rosa-alaranjada. Seus raios giravam, como uma roda-gigante em pleno parque de diversões. Um calor fora do comum tocou meu rosto. Suavemente, mas bem quente. Pensei comigo, invocando minha sábia mente: "Será que o sol, quando retornou ao seu lugar, após ter se afastado daquela maneira, não se aproximou um pouco mais da terra?" Houve silêncio. Não obtive resposta. 

Alguns pássaros cantarolavam nas árvores. Tanto as amendoeiras que me cercam - por todas as janelas da casa vejo amendoeiras -, quanto os pássaros que vivem em frente a minha janela, estavam todos normais; algumas nuvens passavam vagarosamente. Tão devagar que pareciam estar paradas à primeira vista; as montanhas deitadas em seus devidos lugares, com as suas devidas formas; o céu ainda azul, bem mais claro do que o céu noturno; as ruas, as folhas, as flores... Tudo na mais perfeita normalidade. "Será que agora eu estou conseguindo ser 'um', conforme minha mente disse?” - questionei-me, uma vez que é difícil permanecermos desta forma. 

Por fim, a julgar tudo à minha volta, o cenário, a natureza, parece-me realmente que eu estou sendo único agora e tudo está sendo real por si mesmo e não mais por uma alucinação, ilusão, ou qualquer outra coisa "fora da realidade", como o que aconteceu ainda há pouco. Ou será que tudo o que aconteceu com a lua, tudo o que eu vi e ouvi, era real? Porque, quanto mais eu apreciava aquele espetáculo, mais ele acontecia. Ou seja, realmente, eu posso ter criado aquilo tudo sozinho, através das minhas diversas mentes? Se criei ou eles aconteceram através de suas próprias vontades, de qualquer forma foi real. Uma alucinação, uma quimera, não deixam de ter suas realidades, suas verdades.

O pensamento era silencioso, eu não precisava falar ou gesticular, nem escrever nada. Tudo simplesmente acontecia. Mas lembro-me de ter ouvido alguns dos devaneios da minha mente amiga. Lembro-me dos barulhos que ela fazia e que agora não faz mais. Realmente, agora, alguma coisa mudou e está tudo muito perene em relação há algumas horas. Algumas horas, dias, sei lá! Pois bem, na verdade a sensação é de que tenha sido alguns minutos. MAs a Lua passou por tantas vezes sobre minha cabeça que… Perdi a noção do tempo. Parece o tempo ter parado, literalmente, naquele instante. A sensação foi esta. Eu sozinho, sendo eu, tive o prazer de ser agraciado pela natureza em seu espetáculo ou foi minha mente tagarelando, soprando aos meus ouvidos, falando comigo ou conversando em grupo com diversas outras mentes que me pertencem fazendo surgir todo aquele cenário. 

Agora, no entanto, junto ao silêncio da minha mente e o meu coração que se aquietava, pensei novamente: "será que a minha mente foi embora? Não… Óbvio que não. Porque eu estou aqui pensando, questionando. E essa é minha mente! Esse também sou eu. Então, pensando assim, quem sabe se eu tentar falar com o coração, da mesma forma que falo com minha mente, ele me responda? 

Pois bem, então, tentei. Timidamente esbocei um olá. Aproveitei o silêncio e prestei atenção. Eu só ouvia o "tum-tum" do meu coração. Por incrível que pareça, o ritmo acelerou. Foi apenas para me chamar atenção. Notei que ele queria se comunicar e fiquei muito mais atento e, de novo, perguntei: "coração, você quer falar alguma coisa?" Ouvi algumas batidas seguidas de silêncio. Imediatamente corri para buscar caneta e papel a fim de anotar uma possível mensagem. Inocentemente perguntei: "será em código morse ou em ritmo numa partitura musical a tua resposta, querido coração?" De súbito, me assustei muito quando ouvi uma voz:


  • Que mané código morse, ritmo! - era ela.
A mente. Brincalhona como sempre, ressurgiu. Gargalhando ela caçoou-me.
  • Você de novo, não! Eu estava indo bem... - reclamei.
  • Pare de dar ouvidos a quem não pode se comunicar. O coração não fala, não pensa, não manda recado, nem ouve. Ele é um músculo que se contrai e relaxa. Só isso! Ele tem uma função maravilhosa por sinal, essencial, mas não se comunica inteligentemente com você e nem com mais ninguém.
  • Nossa, mente! Como você é fria, sem sentimento - comentei.
  • Nada disso. Eu sou racional. Confesso que ajo, de certo modo, com emoção também. Mas o teu mal é querer dar vida, razão, às coisas materiais, ou a coisas até que não existem e que não têm outra função senão serem materiais; objetos frios, sem vida. Você é daqueles que quer dar vida e movimentos a quadros sobre "natureza morta".
  • Mas e o que aconteceu com a Lua, as estrelas…
  • Foi natural, não viste?
  • Vá-te embora mente tagarela...

E lá se foi ela. Não ouço mais minha própria mente. Só falavam a respiração e o coração. Dois antigos amigos quais passei a dar muito mais atenção. No entanto, descobri que a mente fala muito mais do que se imagina. Ela fala, mas em silêncio - o que é pior. Às vezes nem se percebe, mas ela está lá falando. Quando me dou conta, tem mais duas delas, três, quatro, mil... E tudo começa novamente: um novo universo de vozes, de diálogos, disputas e tudo mais; das vozes, começam as imagens e todo um mundo paradoxal entre o caótico e ordenado, a sua maneira, se abrem. É só deixar a mente falar... Basta as mentes conquistarem seu espaço para falar. Basta uma mente e então começa, nova mente...

Depois que aprendi, através dela mesma, que eu posso ter controle e me tornar "um só" - ainda que eu possua milhares de mentes, sou um só -, notei que por trás disso há um silêncio muito solitário. Ser-um, somente, e não deixar emanciparem-se as milhares de mentes, tagarelas, brincalhonas, racionais, chatas. Por causa disso, pensei em lhe dar mais atenção. 

Porque, percebi que é natural, sempre entre um pensamento e outro, por mais que haja mil mentes falantes, há sempre um espaço vazio; um silêncio entre uma palavra e outra. É assim na estrutura do som. Um som ininterrupto, perceptível para nós, ainda assim intercala com o silêncio. Na verdade o som é uma onda. Isto é, a combinação de sinais monotônicos que possuem sua velocidade e oscilação de frequência. Por mais que não detectamos-no, o silêncio está empregado, é intrínseco, na onda sonora. Consequentemente qualquer barulho, ruído, está oscilando ali entre o som e o silêncio. Se propagarmos um "aaaaaaah...", nele possui variação, imperceptível, repito, entre o som e o silêncio. Seja um instrumento de sopro, uma guitarra, um tambor, ou uma sutil corda esticada, quaisquer notas produzidas, oscilam, em ondas, entre o som e o silêncio. Carregam consigo um "espaço vago" em meio à sonoridade. Inclusive, isso é empírico: antes de qualquer barulho, já está presente o silêncio. Ele vem primeiro. Então, imagine uma imensa frase enunciada pela mente, por exemplo? O que há de silêncio nela... Seja entre sílabas, entre palavras e frases. É sobre isso que me refiro, é aqui a brecha! As portas para o controle e consequentemente o equilíbrio. Além de, o meu próprio ser se tornar dono de si mesmo, empoderado a não perturbação mental, se comprazendo com mais silêncio, há também uma imensa e intensa sensação de prazer nisso tudo. Contudo, tem de se tomar cuidado. Eliminando de vez aquela voz da mente, de duas ou até mais delas, haverá lamento. 

Visto que, não alcançarei tamanha imaginação que tive há pouco, onde pude projetar um mundo maravilhoso integrado completamente harmônico entre todos os elementos da natureza, todos os fenômenos e tudo que o compõe o cosmo. Como evoluirei nesse sentido, ignorando toda essa ação? Como irei aprender e apreender, criar, elaborar e inovar? Seja através da alucinação, da ilusão, da pura razão, não sei... Sei que tudo o que passei no cair da tarde e com a chegada da noite e a Lua protagonizando todo um espetáculo, foi maravilhoso e salutar. 

Percebi, através desta experiência, que minhas mentes e suas respectivas vozes acompanham a Lua, tornam-se mais presentes e tagarelas a noite. Assim sendo, penso em dar mais atenção aos sentidos enquanto reina o Sol, talvez em busca de novas comunicações, novas línguas, novos saberes que me façam inferir melhor, ser induzido às boas ações, quem sabe. Isso pode me ser útil com os estudos. Com tudo mais claro agora, é saber viver mais. Procurar o um-ser-mentalmente no momento oportuno e, com o silêncio participando mais; e em outros momentos vários-ser-mentalmente. 

Em respeito disso, parece-me que no silêncio é que se aprende mais, se ouve mais e, principalmente, se destaca, quando em síncopes, tão rápidas quanto à velocidade da luz, aquela única e verdadeira voz: a da razão; a emoção também possui fala, e sua mente é um tanto inquieta, porém, eu estando mais equilibrado e já ciente disso, consiga puxá-la para uma boa conversa com mais sabedoria - haverá melhor proveito. 

Com essas medidas, portanto, talvez não haja espaço para tantas alucinações, ilusões, quimeras, leviandades ou irracionalidades que não agreguem, que não se possa tanto aproveitar. Porque a experiência é ímpar, esplêndida! Esse diálogo com minhas próprias mentes, de uma só vez, com todas elas indo e vindo, criando, transformando, confundindo-me o real do surreal... Foi um verdadeiro aprendizado também. Com isso, há que se equilibrar entre o falatório da mente e o silêncio que dela também é imanente. Saber dosar cada um e fazer uso de cada qual no momento oportuno. Da mesma forma como o coração se manifesta: um pulso, um silêncio; um som, uma pausa. 

Assim eu devo me inspirar e aprender com ele a pensar a ser, estar. Sei que a mente também irá se aproveitar sabiamente e... Foi ela mesmo, neste momento, quem acabou de me dizer:


  • O equilíbrio é a fonte da sabedoria. Ademais, atente-se: o coração responde as minhas inquietudes. Se estou calma, ele reage e pulsa, em conformidade, de forma suave. Ah, tem mais! Solicito os créditos por tudo o que você vai expor.
  • Deixe-me acabar de escrever, o Sol vai se pôr de novo e eu ainda não dormi. Você não para de falar, mente!

***


Sobre ontem, fiquei pensando: tive uma alucinação ou será que tudo foi apenas uma fértil imaginação? Tanto uma quanto outra, as duas tiveram de passar pelo crivo da razão ou de algo que em mim é profundo ou distante. Todavia, esteja tão próxima, tão íntima, tão intrínseca, que não seja possível ter ciência a não ser que se desloque para que veja esta razão e dela se apreenda. Só que, estranhamente, nesse se “deslocar” para compreender a razão, terá de se ter uma consciência, uma mente consigo, o que seria algo estranho e paradoxal: ter uma mente à parte para compreender, à distância, a própria mente ou a razão.

O que passei ontem foi apenas o que vi, o que senti e que relatei acima. Se vi com os olhos físicos ou com a pura maestria do labor da mente, não importa tanto. Porque, vejamos, se eu recebi aquela realidade, bem louca por sinal, através das faculdades dos sentidos, visão, audição, tato, olfato, paladar, de qualquer forma foram parar no crivo da mente. Ela ia fazer uma espécie de julgamento, mediante ao espanto ou não, do que estava recebendo do mundo externo. Outra coisa, se foi obra da mente, qual a fonte de toda aquela criação? Qual os motivos para se imaginar um mundo daquele jeito? Pode-se colocar na conta do estranho período em que me encontrava, enclausurado por causa da pandemia, muito pavor com a situação das pessoas ao redor do mundo e etc, além de outros diversos fatores complexos que me compreende como ser humano - o que é mais cabível.

Porque, sendo a questão de uma possível alucinação ou uma real visão: como eu poderia saber o que era de fato o que se configurava diante de mim? Insanidade, sonho ou captação natural dos sentidos? Não sei. O que na hora ocorreu julguei tudo ser real. Interno ou externamente a mim, a realidade - imaginada ou visada -, fora de alguma forma realizada. Tanto é que pude transcrevê-la.

O que aconteceu foi que a minha mente parecia não estar mais nesse meu corpo físico. O que eu pensava, não conseguia associar ao meu corpo e, quando eu queria ser ele, ou seja, trazer os sentidos à tona, nada sentia - não havia resposta. Mas então, eis a questão: quem pensava aquilo tudo, quem percebia e relatava aquelas coisas senão minha própria mente? As coisas pareciam independentes umas das outras. Caso houvesse alguma interação entre ambas, era imperceptível. Eu não estava mais “no controle”. Ah, e para aquele que possa estar imaginando coisas, eu não tive um súbito coma, EQM, nem nada do tipo. Muito menos eu me encontrava bêbado ou sob efeito de droga alucinógena.

A respeito disso tudo: minha mente sou eu, ou não? Porque ela pensa por si. Ou melhor, um exemplo: eu não quero pensar tal coisa, mas acontece ainda assim. Eu até já pensei em não querer pensar tal coisa, mas… Estranho! Porque, eu, Silvio, não queria pensar “tal coisa”, fui taxativo, mas a mente foi lá e me contrariou, foi lá e pensou. Como quem quer dizer, “quem manda aqui sou eu”. 

A título de exemplo, em situações como Terror Noturno ou Síndrome do Pânico: tudo o que surte no corpo e que se passa na mente, não é o que se apresenta de forma fidedigna. Os médicos dizem ser apenas coisa da mente. Porém, ainda assim é tudo muito complexo. Porque, tudo bem que o que o corpo esteja reproduzindo, como sensação de desmaio, tremedeira, falta de ar, taquicardia, pode ser alarme falso, ou seja, reação a um falso indicativo da mente. Com isso, por que a mente estaria transmitindo “alarmes falsos” para todo o corpo, com que sentido? Tendo ciência disso, então, durante o terror fica uma luta titânica entre o que posso dizer de mim - dizendo que é tudo ilusório, que não é real - e a mente - que fica mandando alarmes apavorantes sobre a atual situação. Portanto, devo crer que tudo é real sim, está acontecendo e é preocupante. Pois naquele momento a sensação de morte, de desmaio e de angústia profunda, está ocorrendo e não dá para ficar pensando durante o processo, “isto é tudo obra da mente, isto não está acontecendo”. É claro que está acontecendo! O consolo é que este pânico ou terror passam rápido: ora dura mais e é mais intenso, ora é mais curto e mais suave. Mas enquanto estão acontecendo, são horríveis.

Estas questões, posso pensar agora sobre o que se passou no meu quarto ontem, diante ainda de todo espetáculo da natureza, onde que o dia ia se transformando em noite. O que me restava, naquela situação, o que eu possuia como prova cabal, de que havia algo no "controle" durante alguns instantes, era que eu sabia de mim próprio. Menos mal! Ou seja, eu querendo pensar e pensando. Seja contrariado pela mente, seja naturalmente, já era um pressuposto de um eu; de uma mente/ imaginação criativa - seja com o pôr do Sol, a noite chegando, a Lua, todo aquele relato para o lado bom da coisa; seja com o Terror Noturno ou a Síndrome do Pânico, como algo horrível, indesejável.

Ademais, me prolongando ao assunto - espero não estar me deslocando muito dele -, salvo o que Descartes deixou como questão, o fato de se estar duvidando é uma forma de pensar e, em se estar pensando é prova de existência, então, eu existo, tudo bem. Compreensível! Todavia, o meu problema não era o fato de pensar, ou de onde vinha e de como pensar. Independentemente da dúvida cartesiana, a questão era se a mente é externa a mim, se tornar independente e, pior, se tornar mais de uma. E, se sim, se poderiam atuar - estas mentes - ora em comunhão, ora antagônicas?

Em seguida, algumas questões ainda continuam a martelar: o que sou eu essencialmente: sou o que penso independente do corpo? Primeiramente, se penso fora do corpo, para que, então, corpo ou alguma matéria como suporte para o pensar ou para a mente? Nesse caso, seria interessante pensar que a mente precisa ter algum controle, isto é, precisa de matéria/ corpo para se expor, ter um paradigma para que sua existência não passe imperceptível e, acima de tudo, suspeita, mas que ganhe vida e seja observada. A mente é narcisista!

Mais ainda, continuava me questionando: Meu corpo físico atrelado a ele uma mente? Ou melhor, se corpo e mente são uno, estaria eu, sendo enganado pela minha própria mente, sendo levado a crer que ela se separa do corpo e me diz coisas à parte? Bem, sabe-se que a mente burla com frequência. A mente trai, ela engana! Torna algo velho em novo, certo em errado e dá-nos impressões imprecisas e muito mais. Mas, nesse caso, corpo e mente sendo um só, tendemos a perceber coisas, a expor outras e com isso usamos a nossa língua. Objetificam as coisas, é recurso linguístico você “pronominar” entes. Eu sou eu, minha mente sou eu, por exemplo. Mas em determinados casos, talvez inconscientemente dizemos “isso é coisa da minha mente”. Veja, recorremos a um pronome pessoal em terceira pessoa para explicar algo que nos escapa.

Se às vezes a mente nos atrapalha, nos deixa confusos, quiçá loucos (risos) e, também, nos engana, em contrapartida, ela nos ajuda pra caramba: seja em tomadas de decisões, cálculos super rápidos, decisões exatas, seja elaborando fantasias entre outras maravilhas que ela é capaz. Por exemplo, esta mente que vos escreve, ou da qual me refiro, já me salvou de muitas e muitas enrascadas quando eu estava em “apuros”. Quem já passou por um porre de vinho e chegou em casa sem saber como, sabe bem do que estou falando.

Portanto, será que posso concluir que a mente não é uma só - ela é tantas que se perde a conta? No entanto, além disso, ela é também corpo? O corpo, como um sistema vivo, pulsante, desejante, exponente e que age? Só que, em sendo assim, sua “potência de agir” seria o de pensar. Gosto de pensar que sim. Estes dois entes - corpo e mente - como que duas faces de uma moeda, ficam um sobre o jugo do outro, de suas vontades, um atrelado ao outro. Por exemplo, o que o corpo quer como ação, a mente realiza como pensamento e vice-versa.

Mas enquanto escrevo esta asserção acima, a minha mente fica me dizendo: sou livre; independente! Tudo bem… Atendendo aos seus pedidos, penso (ou ela pensa?): se a mente é livre, imaterial e independente de qualquer corpo, então ela pode ser centenas de outras, conforme o tempo e contexto. Ainda que “tempo” para a mente é relativo, pois o tempo para uma mente não é o  mesmo para o corpo e suas limitações, ou melhor, o que é possível para a mente, já não seria para um corpo. Não me refiro à mente como divisão matemática, mas como representação múltipla ao mesmo tempo. O que seria impossível ao corpo. E, como consequência, o corpo iria sofrer estas alterações bruscas, estas pressões devido às constantes mutações. Logo, o corpo tende a não possuir tal capacidade e é compreensível sua rejeição a estas questões. O corpo não é ajustável como a mente. Ele possui limitações, diferentemente da mente. Talvez uma grande compreensão do Terror Noturno, da Síndrome do Pânico.

Por outro lado, com a mente livre da matéria, de tempos em tempos, na medida que o corpo possa responder e executar, acabamos nos tornando centenas de personagens conforme as ditas regras da mente. Inclusive, no mínimo, ser dois ou mais atores em tempos diferentes, ou quase simultâneos, fazendo do corpo físico um ator, um ventríloquo. A mente ordena, o corpo obedece. E Só. Sem o vice-versa.


De fato, perceba que ao dar uma topada com o dedo do pé em uma “quina”, não se é mais o “eu” - seu corpo - quem decide que vai gritar de dor e recolher o pé, com as mãos agarradas a ele já estirado no chão, mas a mente é quem toma esta decisão. “Vá, se jogue, faça esta cena toda porque um pedaço de ti está enviando a mim fortes sinais e preciso desfazer-me destes sinais. Logo, tome de volta isto em forma de dor!"


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