É só o egoísmo

"O egoísmo, por natureza, não tem limites; o homem só tem um desejo absoluto, conservar a existência, eximir-se a qualquer dor, a qualquer privação; o que quer é a maior soma possível de bem-estar, é a posse de todos os gozos que é capaz de imaginar, e que se esforça por variar e desenvolver incessantemente. Qualquer obstáculo que surja entre o seu egoísmo e as suas cobiças excita-lhe a raiva, a cólera, o ódio: é um inimigo que é preciso esmagar. Desejaria tanto quanto possível gozar tudo, possuir tudo; não o podendo, quereria pelo menos dominar tudo: "Tudo para mim, nada para os outros", é a sua divisa. O egoísmo é colossal, o universo não pode contê-lo. Porque se dessem a cada um a escolha entre o aniquilamento do universo e a sua própria perda, é ocioso dizer qual seria a resposta. 

Cada um considera-se o centro do mundo, açambarca tudo; até as próprias agitações dos impérios, se consideram primeiro sob o ponto de vista do interesse de cada um, por muito ínfimo e distante que possa estar. Haverá contraste mais surpreendente? de um lado, esse interesse superior, exclusivo, que cada um tem por si mesmo, e do outro, esse olhar indiferente que lança a todos os homens. Chega a ser uma coisa cômica, essa convicção de tanta gente procedendo como se só eles tivessem uma existência real, e os seus semelhantes fossem meras sombras, puros fantasmas. Para pintar de um traço a enormidade do egoísmo numa hipérbole empolgante, cheguei a isto: "Muita gente seria capaz de matar um homem para se apoderar da gordura do morto e untar com ela as botas." Só me resta um escrúpulo: será realmente uma hipérbole?”

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Arthur Schopenhauer, Dores do mundo.

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