quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A orquestra do Maestro Silêncio


Um casebre em um paraíso. Mais ninguém. Nenhum bípede. Exceto eu e uma abelha. Ah, havia o Sol. Era o que mais se contava de "tecnológico", irradiando intensamente sua luz, e junto com um gerador de energia elétrica, para as frias noites. Um lugar isolado. Não só verde e azul, havia também o branco diante dos meus olhos. E tudo muito gelado. Mata, árvores, um céu infinito e um lago... Neve ao longe no topo das montanhas, que enormes, imponentes, se erguiam a frente. Algumas nuvens cobriam suas pontas, mas tão gigantescas, tão volumosas, que deveria se inventar um novo nome para aquele tipo de branco, tão puro, uma nova cor. 

A Patagônia chilena é realmente incrível, é mágica, surreal! Tudo lá é de tal maneira, porque não há as mãos dos homens, não há nem sequer algo que o ser humano tenha pensado ali e criado. Mesmo que existisse tal quimera, não há nada no lindo lugar com a força ou o pensamento humano. Nada que o homem tenha feito naquela paisagem, naquela natureza ali.

Então, dentro do recinto, fazia silêncio, mas nem tanto: o barulho que vinha do gerador (que só podia ser obra humana) não parava. E se mantinha numa vibração sonora no tom de Sol maior, que é percebido na música em geral. Notei, também, que a abelha, sobrevoando minha cabeça, fazia um tom de Si maior. Passava por meus ouvidos um longo “Sssiiiiii…”. Para completar, ao fundo, Vivaldi, um concerto para cordas, em Ré maior, (RV 121), - graças a ajuda do gerador. Assim, formava-se, então, no ambiente um lindo acorde de Sol maior. Um gerador, uma abelha e Vivaldi. Sim eles tiveram algo em comum. Três tons, em alturas distintas, sobrepostas, soando perfeitamente no espaço - a Patagônia permite esse universo.

Tudo perfeito, sincronizado, harmônico, orquestrado… Porém Faltou luz! Não! Não a do Sol, que nos aquece e sim a do gerador - que nos satisfaz com prazeres mundanos e modernos. Então, o silêncio se instalou em definitivo. De forma justa, é claro. Como que retomando seu lugar na natureza, que já lhe pertence de praxe. A abelha, ciente da imposição aplicada, pousou, e pôs-se a escutar o "nada". Eu apenas respirava.

Ambos, eu e a abelha, buscávamos algum ruído, alguma coisa, um farfalhar qualquer que fosse. Nada! Silêncio absoluto, completo! Impressionante! Eu nunca havia ouvido um silêncio tão... Ou melhor, eu nunca havia ensurdecido daquela maneira. Eu tive medo em falar qualquer coisa, pois o silêncio era imponente, digno de profundo respeito e obediência. Creio que a abelha, coitada, não queria ser descoberta, em seu canto e por lá ficou.

A bichana, passados alguns minutos, naquela calmaria toda, dormiu. Pegou no sono. Roncou! Aquele “zi… zi…” começou a me incomodar. Eu fui lá acordá-la, mas ela, por algum fenômeno que possua, acordou antes de eu chegar. (É assim com humanos também, estudos devem ser feitos). Eu não ousei falar nada, mas arregalei os olhos e cerrei os lábios, encarando-a. Ela, retrucou se enchendo de ar, e soltando, repetitivamente apontando para mim, - reclamando de minha respiração. Ou seja, eu também a incomodava.

O silêncio então, ciente de nosso respeito e devoção, propôs-nos: permito-lhes sonoridade, porém, que me agrade. A abelha congelou! Tadinha, suas luzentes cores pretas e amarelas, ficaram cinzas e brancas. Eu virei pedra e fiquei roxo, prendendo a respiração, de tanto temor diante do desafio. O silêncio deu-nos uma dica, anexando um ultimato: “apenas sejam; façam!” 

A abelha voou… Eu fui atrás dela.

Já fora do casebre, sob um céu extremamente azul, pisei descalço uma grama pouco úmida e fresca. Respirei fundo, sorri e "cantei". Como que em sussurros. Balbuciava qualquer coisa. Corri para a parte mais próxima ao lago, que repousava no centro do vale e onde a vegetação era mais alta em seu entorno. Meus passos se tornaram rítmicos, ao pisar em folhas soltas, no verde campo que se abria à minha frente. A abelha, muito feliz, voava cruzando meu caminho, alternando a força aplicada em suas asas, tornando um zumbido diferente a cada vez que por mim passava. Algo como um "zi... zom... zum...". Arrisquei um assobio, e lembrei-me do recado: “apenas seja”.

Após uma melodia esboçada com o sopro entre meus lábios, decidi solfejá-la: “lá, laia lalá…” Mesmo sem saber o que cantar, vi que não precisei falar qualquer palavra, pois, quem precisava ouvir a língua dos homens naquele paraíso? E assim decidido, mais leve e em outra dimensão, cheguei à beira do lago, do gélido lago. Não supus adentrar-me, mas mexi em sua borda com os pés. As águas respondiam, suavemente, num doce e sonoro movimento, semicircular, até desaparecer no meio do lago.

A abelha pousou em meu ombro e, maravilhada, me disse: "amigo, eu trouxe a brisa!" Todos entramos em êxtase… O som daquela tenra brisa tocando nossos ouvidos. Um sopro acalentador passando levemente por sobre a vegetação, às folhas das árvores… Tudo tornou-se novamente um esplêndido agrupamento sonoro, uma sinfonia perfeita. 

Ali a música mais bela. Essa união mágica! Essa natureza maravilhosa, onde eu e minha nova amiga, a simpática abelhinha, nos tornamos importantes músicos. Fizemos parte de um todo, dessa orquestra, que, diga-se de passagem, perfeitamente comandada pelo Maestro Silêncio. Basta estar em paz, atento, interligado ao ambiente, que ele chega e dá o tom. Afinal, antes de qualquer barulho, há um natural silêncio.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Um dia, um fantasma

(Ilustração do filme "Os Caça-Fantasmas III" para servir de contrapeso)

Um dia qualquer eu peguei no sono
Sono profundo
De repente me abre uma imagem: 
Eu me olhando, me encarando no espelho do banheiro
Seria um sonho? 
Que medonho! 
Seria sim um pesadelo…
Fiquei poucos segundo me olhando 
Então uma transformação foi começando
Tão depressa que de pronto me assustou
Eu passei de um belo rosto jovem a um rosto velho
Assustador demais! Cadavérico... 
Rugas, tão profundas, iam talhando-me 
Meu rosto, nova expressão foi tomando
Em apavoro, eu fugi da frente do espelho
E me afastando, a partir dali, começou algo a fazer sentido
Eu não pisava o chão, não caminhava, 
Ou, pelo desespero no momento, eu deveria estar correndo, mas não… 
Levemente eu me deslocava
Tão sutil que como se eu não me saísse do lugar
Mas a tudo eu podia alcançar
Olhei onde deveriam estar minhas mãos 
Não conseguia vê-las 
Meus pés… Nada, somente o chão 
Só via o que de material existia em meu apartamento 
Me senti leve, uma fantástica sensação 
Sem dor, sem preocupações, sem angústias, sem sofrimento
Não havia o medo do amanhã e o remorso do passado também não 
As dores físicas, o peso do corpo, as batidas do coração… Não mais
Havia tudo morrido 
Apenas algo permanecia, isso eu não tinha perdido
Não sei definir
Eu apenas flutuava, de verdade!
Finjamos que somente meus olhos e meu cérebro estivessem ali
Óbvio, porque eu pensava e sentia vontades 
Uma delas foi a de acordar meu marido
Eu sabia que ele se encontrava na cama
Fui até meu quarto
Eu queria estender-lhes as mãos,
(Mas eu não as tinham)
Lhe chamar, lhe acordar...
Era tudo em vão
Não conseguia soltar um ruído sequer
Nem forçando muito a mente
Uma tentativa inútil, incoerente
Então a única sensação triste foi a da despedida
Esta eu não ia poder realizar
Olhei para trás a fim de meu corpo encontrar
Nele me apoderar
Retornar ao quarto, abraçar ao meu amado
Beijar-lhe, tocar seu rosto, suas mãos um bocado
Dizer o quanto amo e que nos veríamos em breve
Mas não: fui deixando tudo inclusive minha consciência
Fui embora muito leve
Tudo foi embranquecendo, tamanha eminência
Por algo fui muito grata, de verdade:
mereci um último suspiro que valeu por toda eternidade

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Da morte...


"O conhecimento, ao contrário, bem longe de ser a causa do apego à vida, atua em sentido oposto; ele revela o pouco valor da vida, e combate, desse modo, o medo da morte. Quando prevalece o conhecimento o homem avança ao encontro da morte com o coração firme e tranquilo, e daí honramos sua conduta como grandiosa e nobre" (SCHOPENHAUER, Arthur. Da morte. Martin Claret. 2001. p. 26)


A vida é complexa, irracional, não se estuda a vida, o nascimento, não se pensa sobre isso; do contrário a morte é a musa inspiradora da filosofia e de todas ciências. O fenômeno da morte é o que move. Há quem tente eternizar a vida, evitando a morte; artistas se expressam, muitas vezes, com intuito de se perpetuar de alguma forma, como um símbolo ante ao perecimento. 

A Vida é amarga, cheia de altos e baixos, indefinível, pois uma vez vivos, não sabemos o que virá pela frente, infortúnios, doenças, e por fim, o medo máximo, a morte. 

Mas aquele que a teme, é um fraco. Um indivíduo irracional. Do contrário, quem a espera tranquilo, lúcido e com o coração firme, este é especial. Digno da razão. Este enfrentamento se dá somente pela razão. Essa razão supera a vontade da vida, essa essência. 

Da vida pode-se dizer que já é vontade do nosso ser. Não se tem uma razão por ela. Buscar a razão da vida, estando vivo, é o mesmo que a hélice do ventilador se achar o próprio ventilador (lembrando que hélice nenhuma se moveria a não ser pelo motor e a eletricidade).

O conhecimento sobre a vontade da vida, princípio da nossa existência, é desprezível. Não é o amor à vida que nos mantém felizes, mas o medo da morte. (Não é a luz que vive por si só, e sim a escuridão; não é o som que é eterno, e sim o silêncio). Então, cada dia vivo, uma vitória, e vitória, gera satisfação. 

Se há medo da morte, qual o porquê do valor à vida? O medo prevalece, o medo é a razão. E essa razão, o conhecimento, não dá a noção do sentido da vida, pelo contrário, nos dá ciência da morte. E este é o rotor, o que nos move, o que nos, paradoxalmente, mantém vivos.

Mais uma coisa, sobre o "não-ser". Voltaire e Sócrates alegam que seria preferível não existir, caso tivéssemos (o ser humano) essa escolha entre viver ou não existir. Deixam, eles, dessa forma, a noção que a vida é complexa, sofrível, chata e amarga: 

"... pois o valor objetivo da vida é bem incerto, e é pelo menos duvidoso se a ela, a vida, não seria preferível o não-ser [...] Vá bater nos túmulos e perguntar aos mortos se querem ressuscitar: eles sacudirão a cabeça em movimento de recusa"



Apolítica

Um ato de violência política não revela apenas um crime de uma ação isolada. Ele expõe a fragilidade de nossas crenças políticas. Depois dos...