Corrupção Virtual

Era um grupo de pessoas. Na sua maioria adultos. Pessoas formadas, trabalhadoras, bem orientadas e gozando de boa saúde. Todos com suas belas famílias, muitos país e mães de filhos, outros somente filhos e, todos já com responsabilidades perante aos que lhes são próximos e à sociedade. Mas dentro desta sociedade, estas pessoas criaram um grupo. Com a ajuda da tecnologia, da internet e uma ferramenta de comunicação, eles criaram um grupo onde pudessem conversar, ou seja, o lazer e a descontração na palma de suas mãos. Hoje, todos os que possuem um aparelho celular, com internet e um aplicativo para comunicação instalado, estão em algum desses grupos. Com certeza! Para diversas finalidades é até aceitável, e realmente, adianta a vida de qualquer um que precisa se comunicar.
Foi um grupo de estudos. Criado para que todas estas pessoas citadas acima pudessem se expressar, comunicar eventos, palestras, debates e coisas do tipo. Claro, rolava umas piadas, até umas paqueras, papo descontraído, uma animação só, mas tudo focado na ciência ali que os uniam.
Os criadores do grupo, chamados de administradores, convidaram diversas pessoas. Quem estivesse interessado a participar do grupo era só pedir que em minutos já estava inserido. O limite de usuários foi informado: não havia mais como incluir ninguém. 256 pessoas. Diversas cabeças, diversos estilos, todos com um único intuito. A afinidade era a mesma. O grupo tinha um nome bem peculiar e só entrava quem era convidado pelos demais e ainda assim tinha a aprovação da administração.
Os administradores enviaram algumas regras ao grupo, para não perderem o rumo e manterem todos com o mesmo propósito do seu início. Criaram um código de ética e conduta. Normal (apesar de, ainda, nos dias de hoje, século XXI, um grupo de pessoas ter de ser alertado, ser avisado de que haverá banimento, ou “puxões de orelhas” àquele que vier ofender, ou que venha a cometer um ato que possa prejudicar ao próximo, é um tanto surreal. Seria a mesma coisa ter de ficar lembrando a alguém, todo santo dia, que estupro é crime; que é um ato violento, horrível... Mas, enfim… O século se adentra rumo ao infinito, e o ser humano se adentra à regressão). Mas considerando o fato, houve-se entendimento e todos se declararam de acordo. Inclusive os próprios criadores do grupo estão sob este manto justo e igualitário, vale lembrar.
Primeiro dia, um administrador manda uma mensagem a todos: “Favor evitem comentários sobre FUTEBOL, POLÍTICA E RELIGIÃO. Sem ‘putaria’ e mensagem de bom dia” (Realmente essas mensagens de bom dia é um porre!). Nos outros dias, esse aviso rolou novamente na tela de todos os participantes. “Favor evitem futebol, política e religião, sexo…”.
Conversa vai, conversa vem, entra madrugada, amanhece o dia e um desavisado, - ou porque não leu as regras do grupo, ou se esqueceu, ou inocentemente - mandou uma mensagem em uma linda imagem: “Excelente fim de semana a todos. Que Jesus lhes abençoe”. Todos reclamaram, os administradores logo se posicionaram e a situação foi resolvida. O participante se desculpou e prometeu não repetir a atitude. (Tomara que ele tenha aprendido que não era somente para aquele grupo em questão. Que ele entenda que mensagens de bom dia é chato pra cacete e imagens virtuais “pesam”, ocupam lugar no dispositivo, e custam grana, pois muitos utilizam serviços de de tráfico de dados de alguma operadora. Tudo bem, é só não baixar a imagem, sabemos, mas é escroto pra cacete mensagens de “bom dia” em grupos).
Mais uma semana, e um outro desavisado, - ou por ter se esquecido, ou outra coisa qualquer - solta sua mensagem no grupo: “meu time é campeão! Os adversários podem chorar”. Mais uma vez houve uma comoção e até outros mais abusadinhos, responderam, ignorando toda a ética e a regra do grupo: “meu time que é o melhor, sai pra lá”. Houve novo alerta sobre as regras, muitos se indignaram, mas chegaram a um novo consenso e prometeram não mais mandar nada sobre futebol.
Amanhece. Já havia se passado um mês desde a discórdia sobre título do clube de futebol carioca no grupo. Mas uma nova notícia havia caído como uma bomba nos jornais e telejornais do país, na última madrugada. Milhões de reais foram descobertos na casa de um político. A pouca vergonha caiu nas redes sociais de todas as formas. Piadas, revolta, textos imensos… Algum administrador desavisado, ou porque não leu, etc, etc e etc, (mas se foi ele quem criou as regras… [?]) jogou uma imagem no grupo. A imagem era de um político. Mas não a do verdadeiro político que havia guardado milhões de reais debaixo do seu colchão. A imagem era de outro senhor. Só que o haviam associado aos milhões de reais encontrados no apartamento. Não se sabe se por falta de informação, de uma leitura mais acurada, interpretação de texto, óculos, atenção, qualquer coisa… Mas a imagem do político lançada não tinha nada com o outro que foi acusado de sonegar dezenas de milhões de reais.
Voltando ao grupo… Não só a imagem que foi o problema e sim o texto que ela continha. Pois é, o texto “falava de política”.
A imagem lançada no grupo foi a imagem mais comentada e a que mais incitou piadas em toda a história da internet somente dentro daquele grupo. Foi algo assim surreal. Havia pessoas que riam tanto, que a quantidade de letra “k”, em sequência, era tanta que o aplicativo travou. “Kkkk...” seria uma espécie de onomatopeia: o som da gargalhada na internet. Os servidores da empresa que entregava o serviço ao usuário final, queimaram. Com isso começou uma zona. Eram tantos textos falando mal do senhor político da imagem, que a sensação era de que se estava numa guerra entre Iraque x EUA. Mas estranho foi o fato de o verdadeiro político que foi encontrado com o dinheiro ter saído “ileso” dessas revoltas e piadas todas.
A palavra mais comum que rolava na tela do dispositivo era “corrupção”. Nessas horas realmente a sociedade, os trabalhadores, o povo parece estar acima do bem e do mal. Tudo o que ele diz, contra o sistema, é puramente lúcido e altamente plausível. Mas infelizmente este é tomado por uma opinião rasa, sem muito critério e completamente parcial. Pura ilação. E essas pessoas, não diferem de mim, de ti, dos participantes do grupo e também dos administradores.
Mas um dos usuários se pôs contra a opinião de todos. Ele conseguiu enxergar a relação entre a imagem do “político A”, com o outro “político B” dono dos milhões de reais. Ele também lembrou que houve injustiça, que as regras não foram seguidas conforme combinado. Uma vez que RELIGIÃO e FUTEBOL foram logo censurados. Já a conversa sobre POLÍTICA, por sua vez, não foi questionada, lembrando que estava na regra. Mas este usuário foi expulso do grupo.
Há três problemas ai. Um, o fato de terem ignorado a ética para com o assunto política; dois, a não punição para com o autor desta questão. Seria o fato de o assunto “política” ter vindo diretamente de um dos administradores? Ou criaram uma nova regra, liberando o assunto “política” e não repassaram ao grupo?; três, a punição completamente equivocada por parte do administrador e do consentimento dos demais. Enfim, isso é ridículo, pois se trata de um grupo de internet. Pessoas que, apesar de suas qualidades e valores, não estão no controle, no comando de uma nação, ou sequer uma comunidade de fato. É apenas um grupo de internet...
Todos reclamam de corrupção. Todos querem seu fim. Ninguém mais suporta este ato. Isso se deve ao fato de o corrupto, passivo ou ativo, estar mexendo no bolso do cidadão. Sim! Quando o bolso fica mais leve por estes e outros motivos criminosos, a histeria é colossal. Agora, quando o corrupto se torna o justo, o reclamão, o cidadão que não aguenta mais tanta roubalheira vinda do alto escalão, como fica?
Tomemos, por exemplo, este grupo de internet e transferimos-la ao peso de uma nação. Os administradores são os governantes, reis, parlamentares, líderes, capitalistas, seja lá o que vocês tenham em mente sobre quem controla, na verdade, um país. O povo, os súditos, são os demais usuários. Há leis, ou seja, regras impostas já pelos administradores; punições, julgamentos, méritos, eleições e etc. Enfim, tudo conforme o modelo de democracia como a república brasileira.
Este cidadão, agora é um líder. Controla uma nação. Está para consigo o poder. As leis e as ordens vem de seu andar. Agora este cidadão goza de uma cobertura, de luxo e regalias. No seu caso, para sua nação, são apenas três leis simples: Não falar, em público, sobre política, futebol e religião. O que houve durante o seu mandato, como líder da nação, foi uma transgressão às suas leis. Em dois casos sua intervenção foi cirúrgica. No terceiro e último caso, foi totalmente injusto e nitidamente uma falta de controle e critério para com todos.
Há corrupção. Fato! E ainda, a punição foi aplicada de forma incoerente. Pena esta que cabia ao seu próprio líder, pois além de ele ter mandado prender um cidadão (ou no caso virtual, ter excluído o usuário) ele ainda saiu ileso de um crime que ele próprio tinha ciência de que cometera. O que fazer quando o governante de um país transgride a própria lei? Neste caso, seria, a justiça, o que convém ao forte? (Sócrates discorda, em A República, Livro I, de Platão); ou seja, só há justiça, só há consentimento quando ela favorece, ou convém a quem tem poder?
Sem contar a distribuição de cargos (relação dos administradores do grupo), se dá somente àqueles que estão próximos do líder, ou, àquele que convém ao líder tê-lo do seu lado? Como um cidadão comum pode vir a se tornar um líder? Sabemos que há corrupção. Justiça só é feita quando convém ao governador geral desta pequena nação, logo… E aos que ameaçam o cargo, ou a integridade do líder? Por exemplo, houve um questionamento sério, lúcido, embasado, sob provas cabais, de que algo havia sido distorcido da realidade imposta. Só que quem distorceu as regras foi o líder. Pode um cidadão derrubar um líder nesta pequena nação fictícia? Lembrando que a justiça convém ao poderoso…


A corrupção está presente até nos simulacros do dia-dia de cada cidadão, mais simples que ele possa ser. Não precisa nem ser presidente, líder, governar nenhuma nação, comunidade. Basta apenas ter o poder, basta apenas “estar sobre”, que ela acontece. “O que convém” é o que está em pauta. O que é “melhor para” é quem decide o que é certo e errado; mentira ou verdade; criminoso ou inocente. Há corrupção até entre duas pessoas numa disputa de “par ou ímpar”, infelizmente. A desonestidade é um mal atuante, silencioso. Ele cega. Torpe os sentidos. Há aqueles que tem noção e mesmo assim o pratica. É gerado um prazer, uma satisfação tal para cometer esse ato, que não importa quem seja, onde esteja, que este crime, ou seja, a corrupção, tem de ser praticada. Coitada da nação em que os cidadãos reclamam da falta de honestidade, mas quando eles viram as costas são os primeiros a praticá-la, seja contra quem for, do jeito que for e a seu imenso prazer.

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