Sei lá, Cartola.


Hoje eu tive um sonho louco, como sempre. Eu estava caminhando pela rua, uma rua conhecida, já até passei por ela. Frequentemente por sinal. Muitos a conhecem: Rua Visconde de Niterói - Mangueira, Rio de Janeiro. E, voltando ao sonho, certa hora passei por uma esquina, que tinha uma ladeira que subia pro morro. Mais acima, nesta ladeira, vejo um grupo de pessoas sentadas em cadeiras ocupando parte da rua, frente a uma birosca. Todos vestidos com certa simplicidade, bebendo suas cervejas, comendo seus aperitivos, bem coisa de bamba mesmo. O traje não era moderno como nos dias de hoje. A julgar suas vestimentas era tipo anos 70. Até os veículos que ora passavam na "Visconte de Niterói", eram bem antigos.

Assim subi a rua e fui chegando, na moral, no botequinho, como quem não quer nada... Ou melhor, como quem quer uma cerveja e parar com o pessoal da música. Era uma muvucada das boas. Geral sambando, batucando, cantando, enfim muito samba.

Uma senhora pediu que eu me sentasse, que chegasse mais, junto à mesa deles. Então deixei minha garrafa na em sua mesa, timidamente cumprimentei a todos e tome samba, cerveja, tira-gosto, etc. Daí esta senhora vira e me fala: "Você é do rock não é menino? Tuas músicas são boas, vocês são bons. Mas os dessas época agora, porque os que virão por ai não serão de nada. Lixo musical, em comoaração ao que temos hoje. Não só a rock não moço". Eu, acanhado, sorri e afirmei sim gostar do rock, do blues, etc e que eu estava muito interessado em ouvir o que eles cantavam, o que vinha do morro. Ela sorriu e comentou: "Você veio de coração aberto, eu reconheço isso. Isso é muito bonito e importante pra você".

Prosa vai, prosa vem, e naquele zum-zum-zum não pude ouvir ela chamando uma pessoa. No meio do povo, entre alguns instrumentistas e cantores, um senhor, óculos escuros, cabelos grisalhos, corte bem baixo, acena para a senhora e mostra um belo sorriso. Eu não o reconheci aquela distância, mas ele veio caminhando em direção a nossa mesa, e então pude ver melhor quem ele era. Ele chega e em seguida se abaixa para ouvir o que a mulher que me convidou estava falando. Depois de falar com ela, este homem olha pra mim, sorri e estende sua mão para me cumprimentar. Eu me levantei, e num gesto quase de louvação, eu lhe apertei as mãos e sorri de volta.

"Meu nome é Silvio, é uma imensa satisfação e inigualável honra, senhor..." Este senhor é ninguém menos que Cartola. Agenor de Oliveira, o divino poeta das rosas. Simples, simpático, humilde e muito receptivo. Ele me convidou a se juntar ao grupo que estava tocando, mas recusei geladamente, horrivelmente introvertido, pasmem, mas maravilhado. Ele me deixou a vontade, e se retirou.

Depois disso parece que minha visão clareou, e apesar de não serem quase da mesma época, eu pude identificar outros "semi-deuses" da música popular brasileira: Heitor Villa-Lobos, Pixinguinha, Vinícius de Moraes, Dorival Caymmi, Baden Powell, Noel Rosa, Natalino e Paulo da Portela, Zé Keti, Carlos Cachaça, João Nogueira... Nossa, muito louco! Geral tocando, cantando samba, numa rua subindo o morro da Mangueira.
(É tipo aquele video-game que você pode armar uma seleção com jogadores atuais com os antigos. Pelé, Romário, Falcão, Gerson, Fred, Zagalo, Garrincha, Neymar, Zico, Obina, Junior Baiano, Tafarel... Sonhos são muito "nóia". Realmente sem noção. Claro, desconsiderem Junior Baiano, Fred e Obina! Por favor.)

E voltando a mesa, lotada de cerveja, a mulher (que desconheço, infelizmente. Seria Dona Zica?) virou para mim e falou: "Esse é o homem. Ele é isso ai que você está vendo. Simples. Ninguém dá nada por ele, quem o vê assim. Mas suas palavras, qualquer frase, qualquer sílaba é composição, simplesmente ele exala poesia". Eu só concordava, tenso. Nada falava, eu só ouvia. Ouvia aquele "tum-tum", "telecoteco", "tacaticata" e tome cerveja. 

Até que a senhora me deu um instrumento e pediu pra eu levar o samba junto com eles, segundo ela eu sabia tocar aquilo sim, mesmo eu nunca tendo segurado o troço. Me parecia um agogô de dois sinos. Eu fiquei entusiasmado, levei a parada na boa e quando vi já estava na roda. (haha mó louco).

Voltei para pagar minha cerveja e me retirar daquele astral maravilhoso. Só que a mulher solta mais uma: "Filho, bom te ver; quero você mais vezes aqui; traga seus amigos, esteja em casa. Mas atenção! Não dê ouvidos a qualquer coisa. Siga a tua intuição musical. Respeite o que não lhe agrada... É... Tente, ao  menos. Por que a música do teu tempo é equivalente a um estupro - falou muito sério ela - vá com Deus meu filho..."

Então ela tem razão. A musicalidade de hoje é isso ai. Somos estuprados diariamente. As vezes sem nos darmos conta. Desculpem-me aos demais gêneros musicais, desculpem-me músicos, compositores, mas... Ta osso duro de roer. É um estuprando o outro ai no dia-dia, tá uma descaralhada completa e desordenada a musica em si NESSE MUNDO. Enfim...



As vezes sonho com celebridades como se fosse íntimo deles. Tipo, Renato Russo, Nietzsche, Einstein, Diana Krall, Zico, Amy Winehouse... A sensação é ótima depois que acordamos de sonhos assim, mas é muito confuso, muito louco.


Ah... Salve o mestre Cartola! Salve a velha e boa música popular brasileira.

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