quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

É tudo, é nada, é


A minha religião é a Filosofia
Não sei o que de mim seria
Sem o lógos, a phýsis, a arché
Sem a noite deixando de ser dia

Com o Todo, essa ligação
O devir, a transformação
O ser, o não-ser
O ódio, a paixão
A transcendência
Uma nova essência

A falta de recursos 
para se expressar
A limitação da língua 
ante ao pensar
Do que mais preciso?
Decerto nem de água ou ar

É sublime o momento
do belo e curto encontro 
da razão com a emoção
da ação com o pensamento

O que me causa a Filosofia?
A indiferença entre sonho e realidade
Não distinguir a mentira da verdade
A lucidez em pleno tormento
O conforto após o lamento

Que bom é passar os dias
sem notar que eles passam
Sentir-se a síntese da multiplicidade
Mesmo quando só, estar acompanhado
Ou estar, dos mitos, deuses e heróis, rodeado

Ser analítico, dogmático, aporético
Ser a composição do mundo
da contradição, o absurdo
Ter juízos analíticos e sintéticos

Eis o que me dá potência
intuição e experiência 
esperança e nostalgia
A morte e a vida: Oh, Philosophía!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Leia com atenção

Retornando do trabalho, eu me entretia com essas TVs que agora estão dentro dos coletivos. O ônibus, no caso, não estava cheio, mas quase não havia vaga nos acentos. Então sentou-se ao meu lado uma jovem universitária. Eu estava segurando um livro, O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx. A moça reparou-o em minhas mãos, olhou mais atentamente para a capa do livro e resmungou algo como que falando com o teto: “comunistinha de merda”. Continuei olhando a TV - menos concentrado, obviamente. Segundos depois ela vira e pergunta: “Uma mulher grávida pode engravidar?” “Nossa! Você viu aquilo?” - Perguntei-a se realmente ela tivera reparado a mesma coisa que eu na TV. “Sim! Vi” - respondeu. Então comentei: “Olha ai um conceito de ‘devir’". Imediatamente ela me cortou e afirmou: “não na visão desse Marx, obviamente” - desdenhando do autor que eu tinha nas mãos. Perguntei-a se ela já havia lido. Ela disse que não. Cordialmente sugeri: “Leia, então”. Ela se virou espantada e perguntou como eu havia adivinhado seu nome, uma vez que não nos apresentamos. Eu retruquei e disse que só havia pedido para ela ler Marx. Ela insistiu falando que eu disse seu nome. “Leia, Leia! Você falou meu nome sim. Como você sabe meu nome?” “‘Leia’, eu falei sim, mas usei a palavra no verbo “ler”, no imperativo…” - expliquei-me. Então esse era o nome da moça. Verbo ler no imperativo, ou seja, Leia. “Era para ser Leia, com acento agudo na letra E, mas meus pais não se expressaram bem, creio” - explicava-se a jovem. Mas a curiosidade transmitida na TV do coletivo já tinha viralizado. Tal curiosidade era, que até o motorista parou o veículo para perguntar a uma fiscal da linha que estava no ponto de ônibus: “mulher grávida pode engravidar?” Um homem sentado no banco de trás, questionou-nos, dizendo que eu estava errado e que o caso de uma grávida vir a engravidar, se encaixava com o célebre pensamento de Sartre, onde diz que estamos condenados a ser livres. A Leia, sabiamente respondeu: “Que condenação é essa?” O homem ficou sem resposta. Irônica, novamente, ela resmungou fazendo cara de desdém: “essa condenação se dá somente pelo fato de termos nascido, pronto! Quanto à liberdade, esta seria, vamos dizer, um brinde extra.” “Qual seu nome?” - perguntou o novo interlocutor, curioso. “Leia” - disse ela. “Tá bom, vou ler” - respondeu o homem instintivamente -, “mas queria saber teu nome moça”. “Leia” - já disse. “Ler aonde, colega?” - se questionava o homem. “Deixa pra lá” - finalizou a moça.

Apolítica

Um ato de violência política não revela apenas um crime de uma ação isolada. Ele expõe a fragilidade de nossas crenças políticas. Depois dos...